
Apesar de todos os indícios em contrário trazidos pelas investigações da Polícia Federal e chancelados por denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Jair Bolsonaro tentou negar — durante interrogatório no Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (10) — que tenha planejado um golpe para se manter no poder após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em sua versão, Bolsonaro teria apenas discutido com seu entorno, inclusive comandantes militares, o que poderia ser feito “dentro das quatro linhas da Constituição” para tentar reverter o resultado eleitoral.
“As conversas eram bastante informais, não era nada proposto, ‘vamos decidir’. Era conversa informal para ver se existia alguma hipótese de um dispositivo constitucional para a gente atingir o objetivo que não foi atingido no TSE. Isso foi descartado na segunda reunião”, afirmou Bolsonaro, apontado como o líder da organização criminosa que buscava uma ruptura institucional.
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Citando fala do general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, disse que “estudamos possibilidades outras, dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas. Como o próprio comandante [Freire Gomes] falou, tinha que ter muito cuidado com a questão jurídica porque não podíamos fazer nada fora disso”.
Contradizendo o ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, delator no processo, Bolsonaro disse não ter responsabilidade sobre a chamada “minuta do golpe”. Ainda na linha de minimizar a gravidade das acusações, disse que o documento teria sido apenas apresentado “numa tela na televisão” e “mostrado de forma rápida”.
Ele completou dizendo que o texto “tinha os ‘considerandos’ apenas. Não tinha cabeçalho, nem o ‘fecho’. Só isso.” E também negou ter enxugado o documento, conforme dito por Cid. “Não escrevi, não alterei, não digitei nada. Não tenho responsabilidade sobre essa minuta”.
Além disso, segundo ele, “não se discutiu nada além disso. Foi abandonada qualquer possibilidade de ação constitucional.”
Golpe e AI-5
Apoiador explícito do golpe que instaurou a ditadura de 1964, ainda assim Jair Bolsonaro procurou transparecer alguma preocupação legalista perante Moraes durante o interrogatório.
“Da minha parte, nunca se falou em golpe. Golpe é abominável. O golpe até seria fácil começar. O after day é imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessa. Não foi sequer cogitada essa hipótese de golpe no meu governo”, contou.
Bolsonaro também tentou vender a ideia de que os atos de 8 de janeiro de 2023 não teriam objetivo de levar a uma ruptura democrática.
“Fico até arrepiado quando se fala que o 8 de janeiro foi um golpe. Eram 1,5 mil pessoas, pobres coitados […] cem ônibus, chegaram na região do setor militar urbano na madrugada de domingo e esse pessoal foi embora logo depois da baderna e sobrou para quem estava acampado aqui. Quem realmente fez foi embora. Agora, aquilo não é golpe”, declarou.
Em outro momento do interrogatório, Bolsonaro argumentou que não havia apoio para uma ruptura. “Não tinha clima, não tinha base minimamente sólida para fazer coisa”.
Ele também negou qualquer plano de prisão de autoridades e ainda disse que “em hipótese alguma [Almir] Garnier [ex-comandante da Marinha] colocou tropas à minha disposição. Se fôssemos prosseguir com um estado de sítio, as medidas seriam outras”.
O ex-presidente afirmou, ainda, que não estimulou manifestações ilegais e jogou a culpa desses atos apenas em seus apoiadores. “Tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas… que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali”.
Núcleo crucial
Nesta segunda-feira (9), foram ouvidos nos interrogatórios do núcleo crucial o delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.
No segundo dia, terça (10), foi a vez de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional.
Após Bolsonaro, também foram ouvidos o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e depois, por videoconferência, o general Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro em 2022 e que está preso no Rio de Janeiro.
Todos respondem pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; organização criminosa armada; dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
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