Os depoimentos do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus, acusados de tentativa de golpe de Estado que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília, começam nesta segunda-feira (9), na sala de sessão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O relator, ministro Alexandre de Moraes, conduz o caso junto ao presidente da turma, Cristiano Zanin, e aos ministros Flávio Dino, Luiz Fux e a ministra Cármen Lúcia.
Para esclarecer as principais dúvidas sobre o rito, a Agência Pública preparou um esquema de 6 perguntas essenciais para entender o julgamento.
1) Quem será ouvido nesta semana?
O primeiro a depor será o ex-ajudante de ordens do governo Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, o delator do caso. Parte da contribuição de Cid serviu para estruturar denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente e outras 33 pessoas. Cid será ouvido a partir das 14h desta segunda-feira.
Na sequência, em ordem alfabética, serão ouvidos Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o ex-presidente Jair Bolsonaro; e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
Já o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, será o último. Ele depõe por videoconferência, uma vez que o militar está preso preventivamente, por suspeita de atuação direta na ação do golpe.
2) Bolsonaro pode ser preso?
A princípio, não. O ex-presidente não foi condenado. Ele é réu e está em julgamento. Advogado eleitoral e doutor em direito penal, Fernando Neisser explica que para que a prisão seja determinada, é necessário que ocorra de forma processual, ou seja, preventiva ou temporária.
“Essas prisões exigem que se demonstre alguma condição específica. Por exemplo: o réu está atuando para atrapalhar o caso ou as investigações. Ou, também, que o réu continue cometendo o crime e, portanto, é preciso a prisão para que ele pare”, explicou Neisser.
Outra forma de pedido de prisão exemplificada por Neisser é quando o réu tenta deixar o país para evitar as consequências do crime pelo qual está acusado. No entanto, o passaporte do ex-presidente está apreendido pela Polícia Federal (PF) desde fevereiro de 2024 e ele não pode sair do Brasil (por vias tradicionais).
3) Quais os crimes e penas previstas no caso?
A 1ª Turma do STF tornou Bolsonaro réu em 26 de março, após denúncia da PGR por cinco crimes, com penas somadas que ultrapassam 30 anos:
- Liderança de organização criminosa: de três a oito anos de reclusão;
- Tentativa de abolição violenta do estado democrátivo de direito: de quatro a oito anos de prisão;
- Golpe de estado: quatro a 12 anos de prisão;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima: de seis meses a três anos ou multa;
- Deterioração de patrimônio tombado; de um a três anos e multa.
4) O que falta ser provado?
Na denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, foram apresentados: a minuta de golpe – uma ordem de ações para impedir a posse do presidente Lula –, encontrada no celular de Mauro Cid; indícios de mobilização para uma possível intervenção militar; além de cópias dos discursos de Jair Bolsonaro que atacavam as urnas, o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Gonet defendeu em sua denúncia que Bolsonaro sabia da tentativa de golpe que estava orquestrada e dos atos violentos de 8 de janeiro. Ao aceitar a denúncia contra os réus, o STF indicou que ela tem fundamentos e apresentou provas suficientes para que o julgamento fosse realizado. Após os interrogatórios, o ministro relator vota para indicar o que considera que ficou, de fato, provado.
5) O que acontece após os depoimentos?
O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, deve preparar o seu voto e entregar ao presidente da turma, o ministro Cristiano Zanin, para pautar o julgamento, ainda sem data marcada.
O interrogatório pode ser a última fase do processo penal, uma vez que a maior parte das provas foram levantadas. “É um momento em que tudo já foi feito, todas as testemunhas já foram ouvidas, já apresentaram documentos, eventuais perícias e, portanto, o réu pode falar sobre todos os assuntos”, explicou o advogado penal Fernando Neisser.
6) A anistia pode alterar o desfecho do caso?
Na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Bruno Comparato, a resposta é não. Segundo ele, apesar de uma possível aprovação do projeto de lei que conceda anistia aos golpistas de 8 de janeiro, a questão não poderia ser decidida apenas pelo Legislativo.
“O que se pretende atualmente pelos deputados bolsonaristas é a repetição da farsa da anistia, mas agora como tragédia: pretendem inviabilizar o julgamento do ex-presidente a partir da aprovação de uma autoanistia que o tornaria irresponsável pelos crimes que cometeu, no sentido que não mais responderia por seus atos”, apontou Comparato.
O professor defendeu que Bolsonaro e seus aliados já sabem que vão perder a batalha no julgamento que será feito pelo STF e, por esse motivo, tentam outros caminhos. “Como eles sabem que vão perder na justiça, querem resolver pela política”, disse.