Afastamento de juízes que negaram aborto legal pelo CNJ reafirma Judiciário como garantidor de direitos e não como obstáculo a eles

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurou processo disciplinar contra uma juíza de primeira instância e uma desembargadora do Tribunal de Justiça deGoiás (TJ-GO), que, contrariando a legislação brasileira, negaram o direito ao aborto legal a uma menina de 13 anos vítima de estupro. O caso reacende o debate sobre o papel do Judiciário na garantia de direitos fundamentais e evidencia a importância do controle ético-disciplinar sobre a magistratura.

Contexto jurídico e constitucional

O ordenamento jurídico brasileiro é claro: o aborto é permitido em três hipóteses —quando a gestação é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou em caso de anencefalia fetal. No caso concreto, a adolescente de 13 anos se enquadrava na primeira hipótese. Portanto, a negativa judicial não apenas descumpriu o Código Penal (art. 128, inciso II), como também afrontou preceitos constitucionais de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e proteção integral da criança e do adolescente (art. 227).

A intervenção judicial que impediu a realização do procedimento legítimo expôs a menor a traumas adicionais, além de violar a autonomia corporal da vítima —algo que deveria ser especialmente protegido, considerando sua condição de vulnerabilidade.

A atuação do CNJ e seus efeitos institucionais

O CNJ, como órgão de controle externo do Poder Judiciário, exerce função essencial na responsabilização de magistrados quando há indícios de conduta incompatível com os deveres da magistratura. A instauração do processo disciplinar é uma medida necessária e coerente com os princípios da legalidade, da moralidade e da proteção jurisdicional dos direitos fundamentais.

Esse processo não representa ataque à independência judicial, mas sim o fortalecimento da responsabilidade funcional. A independência do juiz não é escudo para arbitrariedades nem licença para decisões que se desviem da Constituição e da legislação em vigor.

Reflexos para a sociedade e o sistema de Justiça

Este caso evidencia um descompasso entre a interpretação pessoal de agentes judiciais e os limites legais e constitucionais que regem sua atuação. O Judiciário não pode se afastar do compromisso com os direitos humanos, especialmente em situações que envolvam crianças e adolescentes vítimas de violência.

É imperativo que a sociedade e os operadores do Direito se mantenham vigilantes. A judicialização da moral não pode se sobrepor ao direito. A função do magistrado é garantir a legalidade, e não impor valores pessoais em detrimento das garantias previstas em lei.

Conclui-se que o processo disciplinar instaurado pelo CNJ é um passo importante para reafirmar o papel do Judiciário como garantidor de direitos e não como obstáculo a eles. A magistratura deve se manter firme no respeito à lei, à dignidade da pessoa humana e ao princípio da proteção integral.

Certo que ao magistrado cabe julgar pela exposição fática das provas e pelas intima convicção, entretanto, matérias garantidoras de direitos fundamentais já estabilizados pela norma constitucional carecem do magistrado maior suavidadeem suas convicções para aplicação prática do Direito pertencente ao Estado –acima da individualidade da pessoa humana e de outros elementos subjetivos. Na matéria, fé e razão não se comungam.

Casos como esse não podem se repetir. O Judiciário deve ser um instrumento de justiça e não de revitimização.

DANUBIO CARDOSO REMY ROMANO FRAUZINO é advogado e mestre em Direito.

Danúbio Cardoso Remy Romano Frauzino | Foto: Acervo Pessoal

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