Orlando Afonso Valle do Amaral
Especial para o Jornal Opção
Nas próximas semanas, a UFG vivenciará mais um ciclo de discussões em torno da eleição de sua nova reitora — prevista para os dias 24 e 25 de junho, referente ao quadriênio de 2026-2030. Este será um período particularmente rico para a apresentação de propostas, avaliações e reavaliações, escuta da comunidade, balanço de ações, formulação de perspectivas para o futuro, além de análises políticas, econômicas, sociais, ambientais – assim como de muitos outros temas igualmente relevantes para a universidade. Certamente, a pessoa eleita para conduzir a Reitoria após esse intenso processo sairá fortalecida e preparada para enfrentar os desafios inerentes à função, sobretudo no contexto adverso e desafiador que vivemos hoje no Brasil e no mundo.
Esse também é um tempo em que candidatas e seus apoiadores se permitem sonhar alto, desafiando-se na proposição de ações e projetos ousados, capazes de mobilizar pessoas e atender às legítimas expectativas da comunidade universitária. Que assim seja — com coragem e inspiração! Que cada proposta represente metas bem definidas, ainda que ambiciosas, a serem trilhadas com o respaldo coletivo. Caberá à comunidade, de forma autônoma e independente, julgar as propostas e conceder seu voto de confiança e de comprometimento a uma das candidatas concorrentes.
Algumas informações e um pouco da história da UFG, talvez desconhecidos por parte da comunidade, sobretudo entre os mais jovens, podem contribuir para enriquecer esse debate. Destaco, aqui, uma questão presente no atual processo eleitoral: o processo de expansão da UFG, vivido com muita intensidade especialmente no período de 2008 a 2013, com a adesão da UFG ao projeto REUNI, e mais recentemente com a inclusão em 2024, no PAC da Educação do Governo Federal, do Campus da UFG em Cidade Ocidental.
Com o projeto Reuni, a UFG promoveu, em Goiânia, Catalão, Jataí, Goiás e Aparecida, uma notável expansão da oferta de cursos de graduação e pós-graduação, duplicou o número de alunos matriculados, ampliou expressivamente o quadro de docentes e de técnico-administrativos, reequipou-se, duplicou sua área construída, deu um salto qualitativo e quantitativo na produção científica e lançou as bases para a melhoria de vários diversos indicadores institucionais – como o grau de excelência alcançado pelo Índice Geral de Cursos (IGC). Ressalta-se, entre outras conquistas, que essa expansão e consolidação pactuadas entre a UFG e o Governo Federal por meio do Rreuni, forneceram o alicerce necessário para a criação de duas novas universidades federais no Estado de Goiás: a UFCat e UFJ.
Foi necessária uma alta dose de coragem, ousadia e determinação por parte da equipe da Reitoria da UFG, sob a liderança do professor Edward na sua primeira gestão, para elaborar, em apenas seis meses, o mais ousado projeto de expansão e consolidação da história recente da universidade. Esse processo contou com o decisivo apoio e engajamento de praticamente toda a comunidade universitária. Como é característico do ambiente universitário, o projeto foi precedido por intensos debates, questionamentos e dúvidas. Na época, parte da comunidade discutia se uma expansão tão ambiciosa não deveria ser precedida de uma consolidação do que já existia e se, por consequência, uma tal expansão não conduziria a uma queda na qualidade da seleção de alunos e na oferta de cursos.
No entanto, os colegiados superiores da UFG aprovaram a adesão ao Reuni, convictos de que expansão e consolidação poderiam caminhar juntas, o que de fato ocorreu. As inúmeras e grandes dificuldades enfrentadas, inerentes a um processo dessa magnitude, foram superadas com coragem, planejamento, transparência, organização e ampla participação da comunidade universitária. Uma análise histórica justa e necessária nos leva à seguinte reflexão: se a decisão, naquele momento, tivesse sido aguardar a consolidação da universidade — e a que nível de exigência? — para só então expandir, que universidade teríamos hoje? Não há dúvida de que, se esse caminho tivesse sido seguido, a UFG não teria alcançado o reconhecimento de ser, como hoje nos orgulhamos de afirmar, uma das melhores e mais bem avaliadas universidades do país.
Em certa medida, o antigo dilema — frequentemente enviesado — entre expansão e consolidação voltou à tona na discussão sobre a implantação do campus da UFG em Cidade Ocidental. Essa questão reapareceu em reuniões dos Conselhos Superiores, em outras instâncias da UFG e também no contexto do atual processo eleitoral. Por estar na presidência da comissão designada por portaria da Reitoria para coordenar a implantação do campus, considerei oportuno participar do debate, trazendo dados e reflexões de alguém que esteve diretamente envolvido na implantação do Projeto Reuni, tanto no âmbito nacional quanto na UFG, bem como nas discussões iniciais, ainda em 2011, sobre o campus de Cidade Ocidental. Sim, vale lembrar que o campus da UFG em Cidade Ocidental, assim como o campus de Aparecida, foi oficialmente criado pelo Conselho Universitário em 2011.
No caso de Aparecida, com o apoio decisivo da prefeitura e da UEG — que nos cedeu, temporariamente, o uso compartilhado de um prédio —, foi possível iniciar, em 2014, as atividades do campus, ainda que de forma provisória, até que se viabilizasse a mudança para sua sede definitiva, em área própria da UFG, o que ocorreu em 2023. Ali também enfrentamos, e continuamos enfrentando, inúmeras dificuldades. Mas a pergunta se impõe: deveríamos ter esperado quase 10 anos, de 2014 a 2023, até que as “condições ideais” fossem plenamente atendidas para iniciar o curso de Engenharia de Produção (o primeiro do campus)? Quantos alunos teriam deixado de se formar nesse período? Quantos docentes e técnicos administrativos teriam deixado de ser contratados? E quanto ao Governo Federal — qual deles? —, teria mantido os recursos e os códigos de vagas reservados até que essas condições fossem enfim estabelecidas?
Todos sabemos que a banda não toca dessa forma, pois o “tempo do governo” não é o mesmo “tempo da academia”. Encaremos a realidade: o país ainda carece, apesar dos esforços e lutas de muitos de nós, de políticas de Estado que garantam estabilidade e previsibilidade nas áreas da Educação e demais políticas públicas, permitindo o planejamento ideal das nossas ações. No entanto, com a adesão ao Projeto Reuni, o sistema federal de universidades teve a rara e histórica oportunidade de retomar uma antiga e necessária bandeira: a ampliação da oferta de vagas públicas nas universidades federais, a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação, a interiorização do ensino superior, a contratação de profissionais e a melhoria da qualidade das atividades acadêmicas. É inevitável lembrar que, mesmo com todo o processo de reestruturação e expansão promovido pelo Reuni — que praticamente dobrou a oferta de vagas nas IFES —, apenas cerca de 25% das matrículas na educação superior brasileira estão nas universidades públicas.
Chegamos, então, ao caso de Cidade Ocidental. Diferentemente do que aconteceu em Aparecida, à época não havia as condições básicas necessárias para a implantação do Campus, devido a dificuldades estruturais do município, ao baixo comprometimento da gestão municipal e às mudanças no Governo Federal. Durante minha gestão como Reitor (2014 a 2018), tomou-se, em conjunto com o MEC, a decisão equilibrada e responsável de suspender a implantação do Campus naquele momento.
Como é de conhecimento geral, em junho de 2024 a UFG foi contemplada, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a (re)autorização para implantar o campus universitário no município de Cidade Ocidental (CO). A escolha da localidade — situada no entorno do Distrito Federal — foi feita pelo Governo Federal principalmente em razão de seu perfil socioeconômico e da reduzida oferta de vagas públicas na educação superior, tanto em CO quanto em municípios vizinhos. A pactuação firmada prevê a liberação de R$ 50 milhões para a construção da sede do campus, em terreno próprio da UFG (doado em 2015 pela empresa EMSA), e mais R$ 10 milhões para aquisição de mobiliário e equipamentos, além da alocação de códigos de vagas para a contratação de docentes e técnicos administrativos. Após um intenso e rico processo de discussões com mais de 40 docentes e especialistas da UFG e de outras instituições, ocorrido – entre agosto de 2024 a maio de 2025 –, definiu-se a estrutura da nova unidade acadêmica, o Instituto de Inovação em Gestão, que ofertará seis cursos de alta demanda contemporânea: Engenharia de Software, Gestão da Saúde Digital, Administração Pública, Ciências da Segurança, IA Aplicada ao Setor Público e Engenharia da Segurança Cibernética.
Cabe aqui um esclarecimento importante diante de questionamentos levantados em diversas instâncias: por que a UFG destina esse montante de recursos à implantação de um novo campus, quando tais recursos — ao menos em tese — poderiam ser mais bem aplicados no atendimento a demandas represadas das unidades acadêmicas já consolidadas? Embora essa questão já tenha sido respondida em diferentes fóruns, é essencial reiterar que os recursos financeiros e os códigos de vagas a serem utilizados são alocados exclusivamente para a implantação do Campus de Cidade Ocidental. Caso a UFG não aceitasse esse desafio, tais recursos e códigos seriam redirecionados a outra instituição federal que assumisse a implantação de uma nova unidade. Portanto, ainda que reconheçamos a legitimidade e a urgência das demandas internas existentes, é necessário deixar absolutamente claro que esses recursos não são elegíveis para redistribuição interna e, portanto, não poderiam, sob nenhuma circunstância, ser utilizados para outros fins dentro da universidade.
Ainda no tocante aos recursos para consolidação, vale lembrar que os recursos de custeio e capital inicialmente alocados à UFG por meio do Projeto REUNI foram expressivos — 83 milhões para investimentos e 133 milhões para pessoal e manutenção, entre 2008 e 2012 — e permitiram um avanço significativo, tanto qualitativo quanto quantitativo. Contudo, esses valores ainda se mostraram insuficientes para suprir todo o passivo acumulado após anos de desinvestimento crônico nas universidades federais. Ressalte-se, no entanto, que as gestões superiores da UFG à época conseguiram ampliar os recursos inicialmente previstos no Reuni para investimentos, elevando-os até 2017 ao montante final de aproximadamente 200 milhões de reais (incluindo-se os aportes específicos para a consolidação de Catalão e Jataí), com esforços de articulação institucional e planejamento estratégico.
A partir de 2015, no governo da presidenta Dilma Rousseff, a crise econômica e as instabilidades políticas geraram cortes severos no orçamento das universidades federais, comprometendo inclusive a manutenção de despesas básicas como energia, segurança e limpeza. O quadro se agravou com os governos seguintes – Temer e Bolsonaro -, intensificando o passivo de demandas não atendidas em todas as instituições federais de ensino superior. Foi somente no atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se iniciou um movimento de recomposição orçamentária, com a retomada parcial de investimentos para a consolidação da expansão. Nesse contexto, é importante destacar a inclusão de três grandes obras da UFG no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Educação: o novo restaurante universitário da FCT em Aparecida de Goiânia, o bloco de salas de aula no Campus Goiás e o Espaço Intercultural Indígena em Goiânia. Juntas, essas obras somam R$ 32 milhões em investimentos e atendem a demandas históricas da comunidade universitária.
Esses dados e informações deixam claro que a responsabilidade pela falta de investimentos na consolidação da infraestrutura da UFG não recai sobre a própria universidade, mas sim sobre a drástica redução orçamentária imposta às universidades federais e sobre o descaso de governos de orientação neoliberal, obscurantista e negacionista — em especial os de Michel Temer e Jair Bolsonaro — em relação ao sistema de educação superior pública no Brasil. Nós fomos — e ainda somos — alvos de um projeto político que desvaloriza a universidade pública, projeto este que segue presente em setores significativos da classe política brasileira com vistas às eleições de 2026. Não temos dúvidas de que as candidatas à Reitoria da UFG têm plena consciência das ameaças que pairam sobre o sistema federal de ensino superior e que saberão mobilizar suas inteligências e energias, junto à comunidade universitária, para defender esse patrimônio público que é a Universidade Federal de Goiás.
A presença histórica da UFG em Goiânia, Goiás, Aparecida — e, até recentemente, em Catalão e Jataí — é reconhecida e valorizada por todos nós. As dificuldades enfrentadas pelo primeiro reitor, professor Colemar Natal e Silva, para consolidar uma nova universidade a partir de um conjunto de faculdades isoladas pré-existentes – a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina, o Conservatório de Música, a Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Escola de Engenharia –, com limitados recursos humanos e financeiros adicionais, nos permitem compreender as dificuldades e a ousadia que marcaram o nascimento da UFG. Esse mesmo espírito esteve presente na década de 1970, nas gestões dos reitores Farnese Dias Maciel Neto e Paulo de Bastos Perillo, quando foi promovida a expansão da UFG para o então remoto Campus Samambaia: uma fazenda de 100 alqueires que se transformou, com seus enormes vazios, em um novo Campus Universitário, abrigando a antiga Escola de Agronomia e Veterinária, os novos prédios dos ICBs, do IMF, ICHL, e outros, fincados no meio do pasto sem nenhuma infraestrutura ao redor. Certamente muitos à época, com receios, dúvidas e alguma dose de ceticismo e comodismo, podem ter criticado a “megalomania” dos gestores da época ao se aventurar na ocupação de um espaço tão vasto e com tão limitadas e precárias instalações. São vários exemplos de decisões difíceis e corajosas como essas que citei, tomadas por pessoas arrojadas, que forjaram a universidade que temos hoje. Extrapolando os muros da UFG, foi esse mesmo espírito de coragem e ousadia que impulsionou o presidente Juscelino Kubitschek, a “inventar” uma capital federal na solidão do cerrado goiano, motivado pelo sonho da “criação” de um outro Brasil e inspirado no dizer de um conterrâneo seu – Guimarães Rosa –, que, com sabedoria escreveu: “O que a vida quer da gente é coragem”.
É exatamente isso que a UFG quer – e precisa – de sua futura Reitora: coragem e ousadia para enfrentar os enormes desafios que temos pela frente.
Orlando Afonso Valle do Amaral foi reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG).
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