TQ SÃO PAULO 28.05.2024 JORNAL DO CARRO BLUE STUDIO Cobertura fotográfica do Summit Mobilidade – Perspectivas da Mobilidade:Soluções sustentáveis e eficientes para o futuro das áreas urbanas, realizado na Casa das Caldeiras, Avenida Franscisco Matarazzo, 2000. Painel 1 Desafios do Transporte Público
Responsável por conduzir diariamente a grande maioria da população brasileira, o transporte coletivo passa por um momento desafiador. Com a queda de passageiros no sistema que foi acentuada nos últim
A qualidade de vida de uma cidade está diretamente relacionada ao tempo gasto, ao custo e a forma como os cidadãos se locomovem nela. Tais variáveis exigem investimento no transporte público e em modais ativos. É o que aponta Sérgio Avelleda, ex-secretário de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo e atual coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper, Avelleda defende que o foco precisa ser no coletivo. Na visão do especialista, o crescimento dos carros por aplicativo se tornou prejudicial, uma vez que eles passaram a ser alternativa ao metrô, ônibus e trens. “O aplicativo tem que ser alternativa ao carro privado, aí ele é eficiente, mas quando ele vira alternativa ao transporte público, a gente está degradando a qualidade da cidade, diminuindo a demanda do transporte público, tirando receita e diminuindo a capacidade de se investir na melhoria dele.”Embora o transporte sobre trilhos seja considerado eixo estruturante da mobilidade urbana, o ex-secretário sustenta que além de ampliar o número de estações de metrô, é preciso redesenhar a lógica: mais perna e menos motor. Avelleda, que já ocupou o cargo de presidente do Metrô e da CPTM, propõe a redução dos espaços de circulação dos carros e a ampliação de ciclovias. “A cidade precisa entender que a bicicleta é democrática, barata, segura e sustentável.”Ele vai compor a programação do Summit Mobilidade, promovido pelo Estadão, na próxima quarta-feira (28).Confira, abaixo, trechos da entrevista: O transporte sobre trilhos é apontado como eixo estruturante da mobilidade urbana. Quais os entraves para expandir essa modalidade?A ampliação depende de recurso, não é barato fazer linhas de metrô, ela tem um investimento muito alto, é uma obra complexa, especialmente em cidades muito densas. Você não pode mais fazer metrô na superfície em São Paulo e nem em elevado. Ninguém vai admitir ter um trem de metrô passando na sua janela fazendo o barulho que faz. É preciso enterrar e esse custo de construção cresce muito. Nós precisamos equacionar um modelo de financiamento que garanta ao longo do tempo a expansão da linha. Mas esse não é o único gargalo. Vamos imaginar que por uma mágica a gente conseguisse todo o dinheiro que precisamos para fazer 10 linhas de metrô simultaneamente. Nós não temos engenharia e equipamentos para isso. Mas nos últimos 20 anos, se pegarmos o início da construção da linha 4, nós não tivemos uma expansão pequena. Nós inauguramos a linha 4, inauguramos a linha 5, estamos construindo a linha 6, inauguramos o monotrilho da linha 15, estamos expandindo a linha 4 agora em direção a Taboão da Serra. O metrô vai publicar agora a licitação da linha 19 para construir uma nova linha. Já está em fase de projeto a linha 20, fora toda a modernização da CPTM. O problema é que demora a fazer também, não é fácil escavar uma cidade como São Paulo. Eu entrei no metrô há 23 anos, a gente tinha 45 quilômetros de metrô, hoje são mais de 100. Mais do que dobramos a rede em 20 anos. Como o transporte sobre trilhos pode se integrar com formas de mobilidade ativa, como o uso da bicicleta e da caminhada? Sabemos que o uso da bicicleta aumentou, mas o número de ciclistas também cresceu. Como garantir segurança aos ciclistas? O uso de bicicleta cresceu porque a gente ofereceu alguma infraestrutura. Eu sou ciclista, não tenho carro já faz mais de 10 anos e uso bicicleta nos meus deslocamentos diários. Há 15 anos eu andava sozinho de bicicleta na Avenida Paulista com pouquíssima gente. Aí a Prefeitura construiu as ciclofaixas que ficam lotadas de ciclistas. No final da tarde, a gente enfrenta engarrafamento de bicicleta na Faria Lima, na Rua Vergueiro, só que a rede cicloviária parou de crescer, mas os ciclistas continuam pedalando.É fundamental que as ciclovias se integrem com o metrô e que nas estações de metrô a gente tenha bicicletários seguros para deixar a bicicleta. Vai ser muito difícil alguém sair do Grajaú pedalando para trabalhar na Avenida Paulista porque é muito longe. Mas sair da sua casa no Grajaú e ir até a linha 9 e deixar a sua bicicleta ali, isso será perfeitamente possível. Por que não pensar em vestiários nas estações de metrô? Lugares para que o ciclista possa tomar um banho, trocar de roupa com uma tarifa módica. A cidade precisa entender que a bicicleta é democrática, barata, segura e sustentável.Quais oportunidades ou dificuldades o transporte sobre trilhos oferece nesse contexto da crise climática? Quais são as conexões?O transporte sobre trilhos é elétrico, o que já faz com que ele seja extremamente sustentável, especialmente no Brasil, onde a produção de energia elétrica vem 86% de uma matriz limpa. Nós temos 86% da nossa energia elétrica produzida por água, por fontes renováveis. Mas mais do que isso, ele, ao consolidar uma grande quantidade de pessoas num único trem, faz com que a energia despendida por pessoa, por viagem, seja muito pequena. Você indo de metrô, você está consumindo muito menos energia do que indo de automóvel ou de motocicleta. Se nós não mudarmos essa matriz de viagem nas grandes cidades, favorecendo o transporte público e o porto sobre trilhos, nós não vamos conseguir dar a contribuição que precisamos dar para a eliminação das emissões de combustível fóssil. Investir no transporte sobre trilhos é investir diretamente na proteção das mudanças climáticas e também na saúde local. Porque quando você troca o motor a diesel pelo trem elétrico, você está eliminando contaminantes locais que provocam doenças respiratórias graves, especialmente em crianças e pessoas de maior idade. O conceito ‘cidade de 15 minutos’, no qual a população tem acesso a todos os serviços neste período de tempo, é viável para grandes cidades brasileiras como São Paulo?São Paulo e outras cidades brasileiras cresceram expandindo as moradias para longe dos centros de trabalho. Nós precisávamos oferecer moradia, e o que a gente procurava? Terreno barato. Onde estavam? Longe. Levamos as pessoas para morar ‘lá longe’ e mantivemos os centros econômicos concentrados. Em São Paulo, a gente construiu bairros como Cidade Tiradentes, Itaquera, mas os empregos continuaram no Centro, nos Jardins, na Paulista, na Faria Lima, agora no eixo sul, Chucri Zaidan, enfim. As pessoas precisam se mover diariamente grandes distâncias. Não tem linha de metrô que dê conta da demanda de viagem de São Paulo. Qualquer linha de metrô que a gente inaugurar vai ficar lotada. É preciso expandir o metrô, mas se a gente não mudar o desenho da cidade, nós vamos enxugar gelo e a cidade continuará sendo ineficiente com baixa qualidade de vida. É preciso que a gente crie centralidades econômicas nas periferias, que o poder público induza atividades econômicas nessas regiões, mas também trazer as pessoas para morar no Centro. Fazer com que as pessoas vivam perto das suas necessidades, diminuindo o desejo de viagem. Por que os seguranças do prédio de onde você trabalha não podem morar perto de onde eles trabalham? Isso ajudaria a diminuir a desigualdade, aumentaria muito a qualidade de vida de todas as pessoas e da segurança pública. Às vezes os ricos não querem ter a habitação de interesse social perto deles, eles não sabem a bobagem que eles estão fazendo. Porque se a gente misturar as classes sociais, nós vamos ter uma cidade muito mais segura, com muito mais gente andando na rua e um protegendo o outro.Você acompanhou a chegada dos aplicativos de transporte na cidade. Qual você acredita ser o poder deles de modificar a cidade?Eles ficaram muito poderosos. A pesquisa Origem e Destino recém-publicada pelo Metrô mostra um crescimento exponencial do uso dos aplicativos. Isso chama atenção porque vamos imaginar que todas as pessoas que usam o transporte público decidissem ir para o transporte pelo aplicativo, seria o mais absoluto caos. O foco do poder público deve ser continuamente melhorar o transporte público, barateá-lo para que as pessoas não usem o aplicativo como alternativa ao transporte público. O aplicativo tem que ser alternativa ao carro privado, aí ele é eficiente, mas quando ele vira alternativa ao transporte público, a gente está degradando a qualidade da cidade, diminuindo a demanda do transporte público, tirando receita e diminuindo a capacidade de se investir na melhoria dele. Ele deve ser regulado pelo poder público. Nada que diga a respeito ao transporte urbano deveria ser considerado exclusivamente privado. Isso é um equívoco, porque isso tira da mão do poder público uma gestão que visa o interesse coletivo. O mototáxi deve ser liberado na cidade? Qual seria a melhor forma de regulamentação?O serviço de moto por aplicativo é proibido pela lei federal 13.640, artigo 11 B. Do ponto de vista de conveniência, eu sou contra a autorização da Prefeitura para regulamentar essa atividade. Ao meu ver, a Prefeitura não pode autorizar porque a lei federal proíbe. Se prefeituras autorizaram, elas estão erradas. Sou contra porque a moto hoje é a maior causa de mortes nas cidades. Nós não podemos incentivar o uso desse meio de transporte para transporte privado de passageiros, ele já tem uma danosidade imensa no transporte de carga e de bens. Nós não podemos aumentar ainda mais a tragédia urbana que é a carnificina que se tem contra motociclistas. Além disso, ela oferece uma concorrência muito desleal com o transporte público porque os custos são muito menores de produção do serviço e ela vai roubar passageiros do transporte público. Diminuir a demanda do transporte público implica em diminuir ainda mais a receita, o que vai determinar ainda mais a incapacidade de a gente oferecer um transporte de qualidade. Eu sempre fico imaginando nessas soluções de transporte a gente é fazer uma projeção: imaginem se todas as pessoas deixassem o transporte público e fossem ser transportadas por motos, o caos que não seria a cidade. Imagina se todas as pessoas transportadas por motos ou carros deixarem os carros em casa e as motos e irem para o transporte público, o quanto não seria bom para a cidade. Portanto, as cidades tem que focar em melhorar e baratear o transporte público e não em permitir concorrências.Quais países são exemplos de infraestrutura, de mobilidade, transporte sobre trilhos, mas que tenham realidades próximas a do Brasil e podem servir de inspiração?A cidade de Bogotá tem adotado políticas públicas continuamente nos últimos 25 anos em favor da mobilidade sustentável e tem colhido frutos fabulosos. Bogotá tem um transporte público de altíssima qualidade por BRTs, por canaletas exclusivas para os ônibus. Tem uma das maiores redes cicloviárias do mundo e 13% das viagens lá são feitas de bicicleta, em São Paulo é 1%, tem uma rede de calçadas fabulosa e agora está construindo o primeiro metrô.É possível olhar para as cidades de um país em desenvolvimento, que tem um quarto do PIB do Brasil e enxergar políticas públicas absolutamente baseada em dados com muita qualidade e que tem dado frutos imensos. E é claro que Paris hoje é uma inspiração maravilhosa. Durante a pandemia, a cidade decidiu que ia ter mais bicicletas que carros nas ruas. Mudou o desenho das ruas favorecendo o transporte por bicicleta, subsidiou a compra, ajuda as pessoas com pagamento mensal para manutenção. Hoje Paris tem mais bicicletas do que carros, em cinco anos trocou de mobilidade. Agora planeja eliminar os carros do centro, já limitou a velocidade a 30 km/h praticamente em toda a cidade e agora planeja eliminar 60.000 vagas de estacionamento e plantar árvores. Quanto mais espaço eu der para carro, mais eu vou estimular as pessoas a usarem. As cidades modernas que são inspiração como Bogotá, Buenos Aires, Paris, Portland, Oregon, estão se redesenhando para que sejam mais sustentáveis, mais coletivas e menos individuais.
Responsável por conduzir diariamente a grande maioria da população brasileira, o transporte coletivo passa por um momento desafiador. Com a queda de passageiros no sistema que foi acentuada nos últim
A qualidade de vida de uma cidade está diretamente relacionada ao tempo gasto, ao custo e a forma como os cidadãos se locomovem nela. Tais variáveis exigem investimento no transporte público e em modais ativos. É o que aponta Sérgio Avelleda, ex-secretário de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo e atual coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper, Avelleda defende que o foco precisa ser no coletivo. Na visão do especialista, o crescimento dos carros por aplicativo se tornou prejudicial, uma vez que eles passaram a ser alternativa ao metrô, ônibus e trens. “O aplicativo tem que ser alternativa ao carro privado, aí ele é eficiente, mas quando ele vira alternativa ao transporte público, a gente está degradando a qualidade da cidade, diminuindo a demanda do transporte público, tirando receita e diminuindo a capacidade de se investir na melhoria dele.”Embora o transporte sobre trilhos seja considerado eixo estruturante da mobilidade urbana, o ex-secretário sustenta que além de ampliar o número de estações de metrô, é preciso redesenhar a lógica: mais perna e menos motor. Avelleda, que já ocupou o cargo de presidente do Metrô e da CPTM, propõe a redução dos espaços de circulação dos carros e a ampliação de ciclovias. “A cidade precisa entender que a bicicleta é democrática, barata, segura e sustentável.”Ele vai compor a programação do Summit Mobilidade, promovido pelo Estadão, na próxima quarta-feira (28).Confira, abaixo, trechos da entrevista: O transporte sobre trilhos é apontado como eixo estruturante da mobilidade urbana. Quais os entraves para expandir essa modalidade?A ampliação depende de recurso, não é barato fazer linhas de metrô, ela tem um investimento muito alto, é uma obra complexa, especialmente em cidades muito densas. Você não pode mais fazer metrô na superfície em São Paulo e nem em elevado. Ninguém vai admitir ter um trem de metrô passando na sua janela fazendo o barulho que faz. É preciso enterrar e esse custo de construção cresce muito. Nós precisamos equacionar um modelo de financiamento que garanta ao longo do tempo a expansão da linha. Mas esse não é o único gargalo. Vamos imaginar que por uma mágica a gente conseguisse todo o dinheiro que precisamos para fazer 10 linhas de metrô simultaneamente. Nós não temos engenharia e equipamentos para isso. Mas nos últimos 20 anos, se pegarmos o início da construção da linha 4, nós não tivemos uma expansão pequena. Nós inauguramos a linha 4, inauguramos a linha 5, estamos construindo a linha 6, inauguramos o monotrilho da linha 15, estamos expandindo a linha 4 agora em direção a Taboão da Serra. O metrô vai publicar agora a licitação da linha 19 para construir uma nova linha. Já está em fase de projeto a linha 20, fora toda a modernização da CPTM. O problema é que demora a fazer também, não é fácil escavar uma cidade como São Paulo. Eu entrei no metrô há 23 anos, a gente tinha 45 quilômetros de metrô, hoje são mais de 100. Mais do que dobramos a rede em 20 anos. Como o transporte sobre trilhos pode se integrar com formas de mobilidade ativa, como o uso da bicicleta e da caminhada? Sabemos que o uso da bicicleta aumentou, mas o número de ciclistas também cresceu. Como garantir segurança aos ciclistas? O uso de bicicleta cresceu porque a gente ofereceu alguma infraestrutura. Eu sou ciclista, não tenho carro já faz mais de 10 anos e uso bicicleta nos meus deslocamentos diários. Há 15 anos eu andava sozinho de bicicleta na Avenida Paulista com pouquíssima gente. Aí a Prefeitura construiu as ciclofaixas que ficam lotadas de ciclistas. No final da tarde, a gente enfrenta engarrafamento de bicicleta na Faria Lima, na Rua Vergueiro, só que a rede cicloviária parou de crescer, mas os ciclistas continuam pedalando.É fundamental que as ciclovias se integrem com o metrô e que nas estações de metrô a gente tenha bicicletários seguros para deixar a bicicleta. Vai ser muito difícil alguém sair do Grajaú pedalando para trabalhar na Avenida Paulista porque é muito longe. Mas sair da sua casa no Grajaú e ir até a linha 9 e deixar a sua bicicleta ali, isso será perfeitamente possível. Por que não pensar em vestiários nas estações de metrô? Lugares para que o ciclista possa tomar um banho, trocar de roupa com uma tarifa módica. A cidade precisa entender que a bicicleta é democrática, barata, segura e sustentável.Quais oportunidades ou dificuldades o transporte sobre trilhos oferece nesse contexto da crise climática? Quais são as conexões?O transporte sobre trilhos é elétrico, o que já faz com que ele seja extremamente sustentável, especialmente no Brasil, onde a produção de energia elétrica vem 86% de uma matriz limpa. Nós temos 86% da nossa energia elétrica produzida por água, por fontes renováveis. Mas mais do que isso, ele, ao consolidar uma grande quantidade de pessoas num único trem, faz com que a energia despendida por pessoa, por viagem, seja muito pequena. Você indo de metrô, você está consumindo muito menos energia do que indo de automóvel ou de motocicleta. Se nós não mudarmos essa matriz de viagem nas grandes cidades, favorecendo o transporte público e o porto sobre trilhos, nós não vamos conseguir dar a contribuição que precisamos dar para a eliminação das emissões de combustível fóssil. Investir no transporte sobre trilhos é investir diretamente na proteção das mudanças climáticas e também na saúde local. Porque quando você troca o motor a diesel pelo trem elétrico, você está eliminando contaminantes locais que provocam doenças respiratórias graves, especialmente em crianças e pessoas de maior idade. O conceito ‘cidade de 15 minutos’, no qual a população tem acesso a todos os serviços neste período de tempo, é viável para grandes cidades brasileiras como São Paulo?São Paulo e outras cidades brasileiras cresceram expandindo as moradias para longe dos centros de trabalho. Nós precisávamos oferecer moradia, e o que a gente procurava? Terreno barato. Onde estavam? Longe. Levamos as pessoas para morar ‘lá longe’ e mantivemos os centros econômicos concentrados. Em São Paulo, a gente construiu bairros como Cidade Tiradentes, Itaquera, mas os empregos continuaram no Centro, nos Jardins, na Paulista, na Faria Lima, agora no eixo sul, Chucri Zaidan, enfim. As pessoas precisam se mover diariamente grandes distâncias. Não tem linha de metrô que dê conta da demanda de viagem de São Paulo. Qualquer linha de metrô que a gente inaugurar vai ficar lotada. É preciso expandir o metrô, mas se a gente não mudar o desenho da cidade, nós vamos enxugar gelo e a cidade continuará sendo ineficiente com baixa qualidade de vida. É preciso que a gente crie centralidades econômicas nas periferias, que o poder público induza atividades econômicas nessas regiões, mas também trazer as pessoas para morar no Centro. Fazer com que as pessoas vivam perto das suas necessidades, diminuindo o desejo de viagem. Por que os seguranças do prédio de onde você trabalha não podem morar perto de onde eles trabalham? Isso ajudaria a diminuir a desigualdade, aumentaria muito a qualidade de vida de todas as pessoas e da segurança pública. Às vezes os ricos não querem ter a habitação de interesse social perto deles, eles não sabem a bobagem que eles estão fazendo. Porque se a gente misturar as classes sociais, nós vamos ter uma cidade muito mais segura, com muito mais gente andando na rua e um protegendo o outro.Você acompanhou a chegada dos aplicativos de transporte na cidade. Qual você acredita ser o poder deles de modificar a cidade?Eles ficaram muito poderosos. A pesquisa Origem e Destino recém-publicada pelo Metrô mostra um crescimento exponencial do uso dos aplicativos. Isso chama atenção porque vamos imaginar que todas as pessoas que usam o transporte público decidissem ir para o transporte pelo aplicativo, seria o mais absoluto caos. O foco do poder público deve ser continuamente melhorar o transporte público, barateá-lo para que as pessoas não usem o aplicativo como alternativa ao transporte público. O aplicativo tem que ser alternativa ao carro privado, aí ele é eficiente, mas quando ele vira alternativa ao transporte público, a gente está degradando a qualidade da cidade, diminuindo a demanda do transporte público, tirando receita e diminuindo a capacidade de se investir na melhoria dele. Ele deve ser regulado pelo poder público. Nada que diga a respeito ao transporte urbano deveria ser considerado exclusivamente privado. Isso é um equívoco, porque isso tira da mão do poder público uma gestão que visa o interesse coletivo. O mototáxi deve ser liberado na cidade? Qual seria a melhor forma de regulamentação?O serviço de moto por aplicativo é proibido pela lei federal 13.640, artigo 11 B. Do ponto de vista de conveniência, eu sou contra a autorização da Prefeitura para regulamentar essa atividade. Ao meu ver, a Prefeitura não pode autorizar porque a lei federal proíbe. Se prefeituras autorizaram, elas estão erradas. Sou contra porque a moto hoje é a maior causa de mortes nas cidades. Nós não podemos incentivar o uso desse meio de transporte para transporte privado de passageiros, ele já tem uma danosidade imensa no transporte de carga e de bens. Nós não podemos aumentar ainda mais a tragédia urbana que é a carnificina que se tem contra motociclistas. Além disso, ela oferece uma concorrência muito desleal com o transporte público porque os custos são muito menores de produção do serviço e ela vai roubar passageiros do transporte público. Diminuir a demanda do transporte público implica em diminuir ainda mais a receita, o que vai determinar ainda mais a incapacidade de a gente oferecer um transporte de qualidade. Eu sempre fico imaginando nessas soluções de transporte a gente é fazer uma projeção: imaginem se todas as pessoas deixassem o transporte público e fossem ser transportadas por motos, o caos que não seria a cidade. Imagina se todas as pessoas transportadas por motos ou carros deixarem os carros em casa e as motos e irem para o transporte público, o quanto não seria bom para a cidade. Portanto, as cidades tem que focar em melhorar e baratear o transporte público e não em permitir concorrências.Quais países são exemplos de infraestrutura, de mobilidade, transporte sobre trilhos, mas que tenham realidades próximas a do Brasil e podem servir de inspiração?A cidade de Bogotá tem adotado políticas públicas continuamente nos últimos 25 anos em favor da mobilidade sustentável e tem colhido frutos fabulosos. Bogotá tem um transporte público de altíssima qualidade por BRTs, por canaletas exclusivas para os ônibus. Tem uma das maiores redes cicloviárias do mundo e 13% das viagens lá são feitas de bicicleta, em São Paulo é 1%, tem uma rede de calçadas fabulosa e agora está construindo o primeiro metrô.É possível olhar para as cidades de um país em desenvolvimento, que tem um quarto do PIB do Brasil e enxergar políticas públicas absolutamente baseada em dados com muita qualidade e que tem dado frutos imensos. E é claro que Paris hoje é uma inspiração maravilhosa. Durante a pandemia, a cidade decidiu que ia ter mais bicicletas que carros nas ruas. Mudou o desenho das ruas favorecendo o transporte por bicicleta, subsidiou a compra, ajuda as pessoas com pagamento mensal para manutenção. Hoje Paris tem mais bicicletas do que carros, em cinco anos trocou de mobilidade. Agora planeja eliminar os carros do centro, já limitou a velocidade a 30 km/h praticamente em toda a cidade e agora planeja eliminar 60.000 vagas de estacionamento e plantar árvores. Quanto mais espaço eu der para carro, mais eu vou estimular as pessoas a usarem. As cidades modernas que são inspiração como Bogotá, Buenos Aires, Paris, Portland, Oregon, estão se redesenhando para que sejam mais sustentáveis, mais coletivas e menos individuais.