Malcolm X, 100 anos: resistência, orgulho negro e luta global

No dia 19 de maio de 2025, o mundo celebra o centenário de nascimento de Malcolm X, figura incontornável da luta negra nos Estados Unidos e no mundo. Nascido Malcolm Little em Omaha, Nebraska, em 1925, ele atravessou as décadas como um símbolo de resistência radical, consciência racial e internacionalismo negro. Sua trajetória — marcada por rupturas, reinvenções e enfrentamentos com o poder — deixou um legado que desafia tanto o racismo escancarado quanto suas formas institucionais e veladas.

Ao lado de Martin Luther King Jr. e Rosa Parks, Malcolm foi protagonista do movimento dos direitos civis. Mas seu caminho foi distinto. Enquanto King falava em integração e não-violência, Malcolm pregava a autodefesa e a soberania negra, desnudando os limites do liberalismo racial. Ao romper com a Nação do Islã e fundar a Organização da Unidade Afro-Americana (OAAU), deu forma a uma política mais ampla, conectada às lutas anticoloniais na África, na Ásia e na América Latina. Sua visão o projetou como uma das vozes negras mais influentes do século 20 — e uma das mais vigiadas.

De Red a El-Hajj Malik El-Shabazz

A trajetória de Malcolm é também uma saga de transformação. Da infância marcada pela violência racista e pelo assassinato do pai — um pastor ativista — à juventude vivida como Red, delinquente e sobrevivente das ruas do Harlem, ele foi moldado pelas contradições do racismo americano.

Foi na prisão que Malcolm conheceu a Nação do Islã e deu início à sua guinada espiritual e política. Ao sair em 1952, rejeitou o sobrenome “Little”, legado da escravidão, e adotou o “X”, símbolo de sua identidade apagada. Tornou-se o mais eloquente e carismático porta-voz da organização, mobilizando milhares com discursos incisivos e convocações ao orgulho negro.

Mas Malcolm não se acomodava. Ao descobrir incoerências morais em Elijah Muhammad, líder da Nação, rompeu com a seita e, após uma peregrinação à Meca, redesenhou sua visão de mundo. Passou a defender alianças amplas, o diálogo inter-religioso e a solidariedade com os povos oprimidos do Sul Global. Morreu com o nome El-Hajj Malik El-Shabazz — e com um plano de unidade negra que o tornava ainda mais perigoso aos olhos do poder.

Um crime sem respostas

No dia 21 de fevereiro de 1965, Malcolm X foi assassinado a tiros enquanto discursava no Audubon Ballroom, em Nova York. Tinha apenas 39 anos. O crime, cometido à luz do dia e diante de sua esposa e filhas, abalou os EUA. Três homens foram condenados, todos ligados à Nação do Islã. Mas as dúvidas sobre a autoria intelectual e as omissões do Estado nunca cessaram.

Em 2020, a série da Netflix Quem Matou Malcolm X? trouxe novas luzes ao caso. Investigando documentos do FBI e depoimentos ignorados por décadas, a produção escancarou falhas na investigação e impulsionou uma revisão judicial. Em 2021, Muhammad Aziz e Khalil Islam — dois dos três condenados — foram inocentados. O Estado de Nova York reconheceu o erro judicial e pagou indenizações milionárias, mas os reais mandantes do crime permanecem desconhecidos. A morte de Malcolm X continua sendo, mais que uma tragédia, um silêncio cúmplice da história oficial.

Um líder global, um pensamento vivo

Cem anos depois de seu nascimento, Malcolm X segue como um pensador necessário. Seus escritos e discursos — que denunciavam não apenas o racismo, mas o capitalismo, o colonialismo e a hipocrisia das elites brancas — continuam inspirando movimentos como Black Lives Matter, campanhas por reparações e lutas periféricas em todos os continentes.

Mas o legado de Malcolm é também alvo de disputas. Segundo o historiador Manning Marable, autor de uma das mais completas biografias sobre o líder, muito do que se sabe sobre ele foi filtrado ou mutilado, inclusive pela famosa Autobiografia de Malcolm X, escrita com Alex Haley. Trechos inteiros foram suprimidos, outros editados sob influência do FBI. O resultado foi uma imagem distorcida: a do militante furioso, separado de suas ideias políticas mais articuladas e internacionalistas.

Nos bastidores, Malcolm X já construía pontes com setores da esquerda global, com cristãos, socialistas e líderes anticoloniais. Acreditava que a luta dos negros nos EUA não poderia ser dissociada das batalhas pela autodeterminação dos povos no Vietnã, na Argélia, em Gana e no Brasil. Por isso, é possível vê-lo hoje como um dos primeiros ativistas da globalização das resistências.

Um farol para o futuro

Malcolm X não apenas resistiu. Ele propôs uma reeducação do olhar, uma reconstrução da autoestima negra e uma revolução das consciências. Em um mundo onde a desigualdade persiste sob novos disfarces, seu pensamento ecoa com inquietante atualidade.

Hoje, seu rosto estampa murais, sua voz ressoa em documentários, e seu nome é reivindicado por jovens que marcham contra a violência policial, por estudantes que discutem o racismo estrutural e por intelectuais que sonham com uma ordem global mais justa. Malcolm X, o homem que foi Red, X e El-Hajj Malik El-Shabazz, nunca se calou de fato. Sua história — marcada por resistência, dor, lucidez e coragem — continua desafiando o presente e iluminando o caminho das gerações que virão.

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