China adverte Reino Unido por acordo com os EUA

A China criticou publicamente o novo acordo comercial assinado entre Reino Unido e Estados Unidos, alegando que as cláusulas do pacto violam o princípio da não interferência e visam prejudicar terceiros países.

A manifestação foi feita pelo ministério das Relações Exteriores em resposta ao Financial Times, que revelou que Pequim considera as condições impostas por Washington uma ameaça direta à presença chinesa em cadeias produtivas estratégicas.

“A cooperação entre Estados não deve ser conduzida contra terceiros”, declarou a chancelaria. O núcleo da crítica está na inclusão de exigências de “segurança nacional” que restringem o uso de insumos ou capital de origem chinesa em setores como aço, automóveis e indústria farmacêutica.

O acordo, celebrado por Keir Starmer e Donald Trump na semana passada, oferece alívio parcial das tarifas impostas desde abril, mas exige que o Reino Unido implemente mecanismos de rastreamento e controle sobre a estrutura de propriedade de suas cadeias produtivas — cláusulas que, para Pequim, operam como instrumentos de exclusão.

As reações não foram feitas em tom de ruptura, mas sinalizaram um desconforto estratégico. Fontes diplomáticas em Pequim afirmam que a China monitora com preocupação o uso sistemático de acordos bilaterais por parte dos Estados Unidos para pressionar aliados e limitar o espaço comercial chinês.

Esse padrão, já identificado na Ásia e na União Europeia, agora atinge também o Reino Unido, que vinha tentando recompor os canais diplomáticos com Pequim após anos de tensões e suspensões de diálogo.

A crítica da China não se resume à forma do acordo, mas à lógica que ele inaugura: a transformação de critérios geopolíticos em exigências comerciais. Para os chineses, esse tipo de mecanismo desrespeita o multilateralismo, rompe com a tradição do direito internacional e compromete as possibilidades de uma governança econômica global mais equilibrada.

O incômodo é ainda maior porque o pacto ocorre no momento em que Londres ensaiava uma reaproximação com Pequim.

Alívio tarifário seletivo impõe custo geopolítico à indústria britânica

O acordo assinado por Londres e Washington estabelece a redução de tarifas norte-americanas sobre as exportações britânicas de automóveis — de 27,5% para 10% — mas limita esse benefício a uma cota anual de 100 mil veículos e condiciona sua aplicação ao cumprimento das exigências de rastreabilidade e “segurança das cadeias produtivas”. A suspensão das tarifas sobre aço e alumínio também está sujeita a esses mesmos critérios, que miram especialmente fornecedores chineses.

Além dos setores industriais, o pacto prevê a ampliação de cotas para exportações dos Estados Unidos ao Reino Unido em produtos como carne bovina e etanol. Também há menções a uma futura cooperação em áreas como indústria farmacêutica e manufatura avançada, novamente condicionada ao alinhamento britânico com as diretrizes de segurança comercial do governo norte-americano.

O resultado é uma estrutura comercial que prioriza os interesses de Washington, enquanto limita a margem de decisão soberana de Londres.

Para analistas chineses, o Reino Unido não apenas se submeteu a um acordo assimétrico, como aceitou uma lógica que compromete sua autonomia industrial. Zhang Yansheng, da Academia Chinesa de Pesquisa Macroeconômica, afirmou que as cláusulas do pacto funcionam como “pílulas envenenadas” e são “piores do que as tarifas”, por imporem condicionantes estruturais de longo prazo ao setor produtivo.

A própria imprensa britânica reconheceu que as cláusulas foram desenhadas para restringir a participação de empresas chinesas. Ao abrir mão da neutralidade técnica nos critérios de rastreamento, o Reino Unido assume uma política de alinhamento automático à agenda estratégica dos Estados Unidos. Isso ocorre num momento em que o país enfrenta impasses internos no pós-Brexit e busca desesperadamente novas âncoras comerciais.

China busca manter diálogo aberto, mas reafirma crítica à exclusão

Apesar da contundência da crítica inicial revelada ao Financial Times, o governo chinês tentou evitar a escalada retórica nos dias seguintes. Em coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira (14), o porta-voz Lin Jian afirmou que a China está disposta a “abrir um novo capítulo” nas relações bilaterais com o Reino Unido e reforçou que os dois países “devem trabalhar juntos para trazer estabilidade à economia global”. A fala foi lida como um movimento de contenção, sem recuar no conteúdo político.

Ainda assim, o mesmo porta-voz voltou a repetir, publicamente, a frase que havia sido dita ao FT: “A cooperação entre países não deve prejudicar terceiros.”

A reafirmação, agora em espaço oficial, mostra que Pequim mantém sua posição crítica mesmo ao buscar preservar os canais de diálogo com Londres. O gesto revela um equilíbrio diplomático: firmeza na denúncia do alinhamento britânico à estratégia de contenção dos EUA, sem romper as pontes institucionais já em processo de reconstrução.

Desde o início do ano, a diplomacia chinesa vinha apostando na retomada das relações com o Reino Unido. A visita da chanceler Rachel Reeves a Pequim, em janeiro, reativou os diálogos econômicos e financeiros suspensos desde 2019. O pacto com os EUA, porém, impõe um novo ruído. Ao aceitar cláusulas antichinesas, Londres envia uma mensagem dúbia que pode dificultar a continuidade de uma política externa mais pragmática.

Pequim, por sua vez, tenta preservar sua posição de referência no comércio internacional com base em uma lógica distinta: a de uma globalização multipolar, assentada em soberania nacional e cooperação entre iguais. A crítica ao acordo Reino Unido-EUA, nesse sentido, não é apenas defensiva: é parte da disputa por qual modelo prevalecerá nas próximas décadas.

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