Nem mesmo as plataformas de transporte por aplicativo conseguiram se livrar das ações criminosas. Adotada por pequenos e médios traficantes, o uso de motoristas de aplicativo para transportar drogas se tornou uma realidade em Goiânia.
A ação batizada de tráfico na modalidade “delivery” ou “disque-drogas”, consiste no empenho de motoristas e motociclistas para a distribuição de entorpecentes. Alguns, no caso dos motoentregadores, chegam a usar caixas térmicas para despistar a polícia.
O método, porém, não é novo. Ao menos desde 2022, as Polícia Civil e Militar de Goiás realizam operações para combater o tráfico nesta modalidade. Uma das últimas ações foi desencadeada em abril desde ano, quando o blogueiro Higor Rodrigues Vieira, de 31 anos, foi preso suspeito de comandar uma central de distribuição de drogas na capital goiana.
O suspeito morava em Maceió (AL), de onde administra à distância o esquema que contava até com uma rede social de troca de mensagens, que funcionava como um delivery de drogas. Os clientes faziam os pedidos, e Higor era o responsável por acionar os motoristas e coordenar as entregas feitas.
“É o que mais está ocorrendo em Goiânia, o que está dominando essa questão do tráfico por entrega. Os motoristas são cientes, a organização aluga veículos para eles para entregar drogas”, afirma o delegado Humberto Teófilo.
Entre os principais entorpecentes flagrados com motoristas de app, de acordo com Teófilo, estão cocaína e haxixe – drogas normalmente adquiridas por pessoas de alto poder aquisitivo devido ao preço elevado. A incidência deste tipo de crime, inclusive, costuma ocorrer em bairros nobres, mas também é registrada em locais periféricos.
“Os motoristas, dependendo da conta [app], que pode ter sido comprada ou feita em nome de terceiros para não serem identificados, podem responder por falsa identificada e até associação criminosa se três ou mais pessoas estiverem envolvidas na prática”, explica o delegado.

Venda e aluguel de contas
Além do tráfico, plataformas de transporte por aplicativo, como a Uber, inDrive e 99 Pop, também têm enfrentando problemas com contas falsas. Grupos de bandidos têm usado redes sociais como Facebook, Telegram e WhatsApp para vender e divulgar o aluguel de contas fake em nome de terceiros para que condutores banidos das plataformas voltem a trabalhar de forma ilegal.
O Jornal Opção acompanhou, negociou e conversou com clientes e criminosos a fim de entender como funciona a prática, tida como estelionato, falsidade ideológica e falsa identidade pela PC. Durante as conversas com cibercriminosos de cinco Estados, incluindo Goiás, o repórter chegou a negociar contas para motociclistas e motoristas de app.
Para facilitar a comercialização das contas nas plataformas, os estelionatários possuem diversas faixas de preço, que variam entre R$ 150 a R$ 900. Porém, afirmam: “Tem que aproveitar porque tá na promoção. Depois vai passar de R$ 1 mil”.
Caso o veículo do comprador esteja atrasado ou possua uma idade maior do que o limite estipulado pelas plataformas, de 10 anos, é cobrado mais R$ 200 para “legalizá-lo”. Ou seja, burlar o sistema.
Se o motorista não tiver verba suficiente para arcar com a compra, ele pode optar pelo aluguel semanal. Tanto o aluguel quanto a venda possuem um brinde: um período de “degustação” para provar a eficiência da inscrição falsa, além da remoção do sistema de segurança.
“Pronta estou tendo só de carro. Se você quiser uma do zero é R$ 900. Tenho umas on-line aqui que estão mais de ano logadas. É tudo em nome de terceiros, tenho só que colocar seu veículo e a sua foto de perfil e, então, é só meter marcha. Se você quiser eu dou uma conta para você rodar e você me manda o dinheiro. A conta bancária é você que coloca”, afirmou o criminoso de Goiânia, que se identificou como Bambino.
O tempo de espera para criar o espaço de trabalho nas plataformas com documentos roubados pode chegar a uma semana. Segundo os criminosos, o período leva em conta o tempo em que os estelionatários levam para criar a conta e a mesma ser aprovada pelas plataformas de transporte.
Perguntados se o repórter poderia correr algum risco ao usar as contas falsas, a resposta foi unânime: “Se você trabalhar certo, pode ficar sossegado”. Alguns dos estelionatários, inclusive, escancaram que trabalham há anos falsificando contas e ainda alertaram a reportagem, que se passou por um motorista em busca de contas em nomes de terceiros.
“Mano, eu tenho 270 pessoas no meu grupo e nunca deu B.O [problema]. Lógico, tem coisas que você precisa evitar, como ter muita avaliação ruim. Se for contar da 99, eu consigo até retirar a facial dela, entendeu? Te dou até uma garantia de um mês”, contou Tio Patinhas, cibercriminoso de São Paulo.
“De confiança”
Para ganhar a confiança do repórter, Tio Patinhas chega a pedir para buscar referências no grupo “Contas do Tio Patinhas”. Segundo ele, “o trabalho é certo” e que não quer levar prejuízos para ninguém: “Sem crise, pai. Se quiser perguntar se esse cara é ‘dá hora’, pode perguntar”.
Nos espaços compartilhados por pessoas das cinco regiões do país, que chegam a mais de 3 mil membros, se misturam vídeos de supostos clientes em meio a enxurrada de anúncios e pessoas em busca de contas. Nas mensagens via vídeo e escrita, os falsos motoristas de app afirmam que compraram as contas falsificadas e que trabalham de forma formal, sem preocupações.
“Eu sou Alan aqui de Recife, Pernambuco. O cara é desenrolado mesmo, trampa. Se vocês precisarem de alguém para desbloquear a conta da Uber, 99, InDrive, podem chegar nele. Ele é desenrolado, cara trampa mesmo. Valeu pela parceria, meu irmão. Passei muito tempo parado, sem rodar, mas agora estou aí de novo”, afirmou o pernambucano se referindo ao criminoso Lucas Martins.
“Fiz uma compra de uma conta com o Lucas Martins. Me surpreendi com o cara, me entregou no prazo, tudo certinho. A conta é ótima, estou usando, dando tudo certo graças a Deus. Vai no cara que ele é brabo, desenrola mesmo”, reforçou Alexandre, outro suposto cliente de Lucas.

Tráfico e contas falsas são comuns
Mesmo ilegal, a atuação de motoristas de app usando contas em nomes de terceiros e até mesmo a prática de tráfico pela categoria são comuns, de acordo com o vice-presidente da Associação dos Motoristas por Aplicativo de Goiás (Amago), Rodrigo Vaz. Atualmente, Goiás possui cerca de 40 mil motoristas e motociclistas por app.
Para ele, a atuação de traficantes e trabalhadores ilegais prejudica a categoria, fazendo os passageiros optarem por outros meios de transporte devido ao medo. O cenário afeta diretamente o bolso da dos motoristas.
“Desde a criação dos aplicativos, existem maus-carateres que o usam para cometer delitos. Essas pessoas não são motoristas de aplicativo, eles são bandidos. Isso acaba tornando todo mundo suspeito”, exalta Rodrigo.
O motorista de app, Daniel Augusto, diz que já foi questionado por clientes se não tinha “beck”, como também é conhecida a maconha. Esse tipo de abordagem ocorreu quando “rodava” à noite, principalmente na região do Aeroporto Internacional Santa Genoveva, em Goiânia. O tráfico de drogas por parte de motoristas na localidade era comum, de acordo com ele.
“Já carreguei muito passageiro que entrava no carro pedindo ‘beck’. Eu falava que não tinha e eles questionavam falando que quase todo motorista tinha naquele horário. São muitas contas alugadas para fazer esses rolos”, reforçou.
O Jornal Opção procurou a Uber, 99 e InDrive para que se posicionassem, mas não obteve retorno. A reportagem também tentou posicionamento da empresa Meta e Telegram, mas não conseguiu contato com as empresas.

O post Disque-drogas: criminosos usam Uber, inDrive e 99 Pop para fazer ‘tráfico delivery’ apareceu primeiro em Jornal Opção.