Por Marcus Prado*
Quando escrevi esta crônica, cardeais do mundo inteiro participavam em Roma do conclave para eleger o novo Papa. Enquanto mídias de todas as partes se voltavam para a chaminé da Capela Sistina, para dignitários da Igreja confiantes na inspiração do Divino Espírito Santo, eu tinha o foco da minha atenção, como leitor, voltado para a famosa peça teatral de Júlio Dantas (1876-1962), “A Ceia dos Cardeais”, uma obra de maior êxito da dramaturgia portuguesa, em um ato, em dísticos alexandrinos.
Foi representada pela primeira vez no antigo Teatro de D. Amélia (Lisboa), em 24 de março de 1902. Ficou conhecida no Recife, na década de 70, como um dos momentos culminantes do extinto Teatro de Amadores de Pernambuco, com os atores Reynaldo de Oliveira (1930-2022), Enéas Alvarez (1947-2011) e Renato Phaelante. (1945- ).
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A peça desenvolve três concepções: no Vaticano (no pontificado de Bento XIV), na ceia, três cardeais, um francês, Cardeal Montmorency de 60 anos, um espanhol, Cardeal Rufo de 63 anos e um português, Cardeal Gonzaga de Castro, de 81 anos, através de monólogos interrompidos por frases de louvor ou de apoio revelam as aventuras amorosas que viveram na juventude. Longe estava a ficção de Júlio Dantas para a vida real do cardeal Newman, que era homossexual.
Com o padre Ambrose St. John, (1815-1875) falecido 15 anos mais novo do que Newman, estiveram juntos durante 30 anos. O cardeal sobreviveu-lhe outros 15 anos e pediu para ser enterrado no mesmo túmulo de Ambrose, a quem, segundo as suas próprias palavras, “havia amado com um amor tão forte como o de um homem por uma mulher”. (Seu biógrafo mais conhecido nega esse detalhe na vida do religioso).
A paródia é uma forma de arte que consiste em imitar e modificar uma obra original, geralmente com a intenção de provocar humor ou crítica. Ela utiliza a intertextualidade, ou seja, referência uma obra anterior, mas a altera de forma que o novo texto tenha um significado diferente, frequentemente cômico ou irônico.
Ficaram famosas as adaptações e as paródias de “A Ceia dos Cardeais” feitas em diversas épocas, não só em Portugal, no Brasil, até em idioma inglês. As crônicas e contos de Machado de Assis mobilizam um repertório de romances com capítulos curtos que parecem parodiar gêneros e favorecer a constituição de uma atmosfera heroico-cômica, como sugeriu Alfredo Bosil (1936-2021) a partir de “Memórias póstumas de Brás Cubas” e dos contos reunidos em “Papéis avulsos”.
A revista IstoÉ deu uma dica, até hoje não acolhida nos meios teatrais, para uma incrível paródia do clássico “A Ceia dos Cardeais”. Publicou uma reportagem, segundo a qual o Supremo Tribunal Federal (STF) abrira licitação para contratar empresa fornecedora de refeições para seus integrantes “e que sirva banquetes aos ilustres ministros togados e seus comensais”. Serão gastos R$ 1,1 milhão, diz a revista. Na lista de exigências do contrato, previsto para durar 12 meses, prorrogáveis por mais 60 meses, “estão pratos dignos dos melhores restaurantes do mundo, comparados aos badalados cinco estrelas do guia Michelin”. O país está cheio de motivações para novas paródias que lembram a ópera “Carmina Burana: “O Fortuna”, de Carl Orff (1895-1982).
*Jornalista
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