Dia das mães ou vida de cobrança? A hipocrisia por trás dos parabéns

Neste domingo, 11, o Brasil celebra mais um Dia das Mães. Data marcada por flores, almoços em família e campanhas publicitárias que exaltam o amor incondicional materno. Mas, por trás das vitrines enfeitadas e das mensagens emocionadas, existe uma realidade crua e muitas vezes negligenciada: a maternidade como sobrecarga, julgamento e apagamento. Muito além da celebração simbólica, a data convida à reflexão sobre o que significa, de fato, ser mãe em uma sociedade que ainda espera dessas mulheres um heroísmo silencioso — e frequentemente solitário.

Os números não mentem: segundo o Censo Demográfico 2022, 11 milhões de mães no Brasil criam os filhos sozinhas, sem qualquer apoio dos pais. Na última década, esse grupo cresceu em 1,7 milhão, um aumento que reflete não apenas a fragilidade das redes de apoio, mas também a persistência de uma estrutura social que ainda trata o cuidado dos filhos como responsabilidade exclusivamente feminina.

Isso significa, na prática, assumir todas as responsabilidades afetivas, financeiras e logísticas da criação dos filhos. E, embora o discurso público insista em glorificar essas mulheres como “fortes”, a realidade é que muitas delas não tiveram escolha — e estão exaustas. 

A pesquisa do aplicativo Peanut, realizada nos EUA e no Reino Unido, traz os dados: 95% das mães se sentem “invisíveis” na sociedade. Esse sentimento não é à toa. Não é apenas a ausência de apoio que sufoca. É uma cobrança incessante. O Censo Demográfico de 2022 mostra outro retrato da situação: em Goiás, as mulheres já são maioria como chefes de domicílio em cidades como Goiânia. Ainda assim, essa presença nas estruturas familiares não veio acompanhada de uma mudança proporcional no mercado de trabalho.

Apenas 54,6% das mães entre 25 e 49 anos estão empregadas formalmente, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Muitas abandonam carreiras promissoras não por falta de talento, mas porque a conciliação entre trabalho e maternidade se tornou uma missão impossível em um sistema que pouco faz para acolhê-las.

É como se a maternidade fosse um novo cargo, só que não remunerado. A analogia é que além da jornada profissional, mães acumulam horas infinitas de trabalho doméstico, cuidados com os filhos e uma cobrança social que nunca cessa. Ser “boa mãe” exige abnegação total; ser “boa profissional” exige disponibilidade integral. No meio desse dilema, muitas mulheres são esmagadas.

Para muitas, a maternidade impõe uma escolha cruel: o sonho profissional ou a presença com os filhos. A falta de creches, o tempo de deslocamento até o trabalho e a inexistência de políticas públicas de cuidado infantil torna quase inviável essa conciliação. Ainda assim, o julgamento persiste. Se decide trabalhar, a mulher é acusada de estar ausente. Se decide ficar em casa, é tida como acomodada.

As que escolhem não ser mães: O preço da “liberdade”

Não por acaso, a maternidade deixou de ser um destino natural para muitas mulheres. A juventude contemporânea começa a recusar o modelo que sufoca identidades em nome do cuidado. Cada vez mais mulheres decidem não ter filhos, não por egoísmo, mas por consciência.

A expressão “NoMo” — mulheres que optam por não ser mães — que circula entre gerações mais jovens, sintetiza essa decisão de não ceder à pressão social de se tornar mãe a qualquer custo. A escolha de não maternar é, ainda hoje, alvo de julgamento, como se o valor de uma mulher dependesse exclusivamente de sua capacidade de gerar e criar filhos.

Esse julgamento se intensifica especialmente sobre mulheres bem-sucedidas que optaram pela não maternidade. No Ocidente, histórias como a da ex-ministra britânica Esther McVey ilustram o incômodo que a escolha pela não-maternidade provoca. Em 2014, ela precisou justificar publicamente sua decisão de não ter filhos, como se fosse obrigação de toda mulher explicar por que não seguiu um roteiro socialmente esperado. “Sou feliz com minha família, meu trabalho e meus amigos”, disse. Ainda assim, seu relato causou espanto, prova de que a maternidade segue sendo vista como pré-requisito para a plenitude feminina.

O fenômeno da não maternidade também ganha contornos populacionais. Em 2024, o Japão registrou a menor taxa de nascimentos em 125 anos, reflexo de uma série de fatores como desigualdade de gênero, alto custo de vida, pressão acadêmica e a sobrecarga feminina no cuidado. O país teve uma diminuição de 898 mil habitantes em um único ano, atingindo a menor população desde 1950. Segundo o Instituto de Demografia de Viena, essa queda está diretamente ligada à sobrecarga imposta às mulheres, que hoje têm mais acesso à educação e ao trabalho, mas continuam sobrecarregadas pelas demandas da vida familiar.

Além disso, novas tecnologias e transformações sociais trouxeram outros desafios. A preocupação com a exposição precoce das crianças às telas, a insegurança diante do aumento da violência urbana e a dificuldade de encontrar um modelo de educação coerente com os valores familiares são temas que se somam às dores do cotidiano. Enquanto isso, o debate público pouco avança. A maternidade segue romantizada, enquanto suas consequências práticas permanecem invisíveis.

Portanto, neste Dia das Mães, mais do que mensagens de gratidão e buquês floridos, é preciso escutar. Ouvir as dores, reconhecer as escolhas — inclusive as de não maternar — e construir, coletivamente, uma sociedade em que a maternidade seja opção, não obrigação. Uma sociedade em que as mães deixem de ser guerreiras solitárias para se tornarem cidadãs respeitadas, com direitos, rede de apoio e reconhecimento.

Celebrar o Dia das Mães, neste domingo, é também lançar luz sobre suas sombras. É reconhecer que, por trás do amor incondicional, há mulheres que choram em silêncio, que enfrentam jornadas triplas, que abriram mão de si mesmas. E que há outras que ousaram dizer não — e por isso merecem, igualmente, respeito.

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