Valsa Negra, de Patrícia Melo, aborda o ciúme obsessivo no cenário musical erudito

Mariza Santana

Ah, o amor, tão cantado em prosa e verso ao longo dos tempos.

Mas, quando este sentimento se torna exagerado e obsessivo, pode descambar rapidamente para um ciúme doentio, capaz de tornar a vida de um casal um verdadeiro inferno e levar a um desfecho trágico. Este tema é universal e recorrente. Temos como exemplos a peça teatral “Otelo, o Mouro de Veneza”, de Shakespeare, e o romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (a pesquisadora americana Helen Caldwell escreveu, no livro “O Otelo Brasileiro de Machado de Assis”, que o britânico influenciou o brasileiro, que fez uma obra extremamente original).

Na obra “Valsa Negra” (Companhia das Letras, 244 páginas), da escritora paulista Patrícia Melo, o protagonista é um maestro famoso cujo nome não é informado, líder de uma orquestra sinfônica de São Paulo. Divorciado, pai de uma adolescente, no auge da carreira e consagrado nacional e internacionalmente, ele desenvolve um ciumento mórbido de sua segunda esposa, a violinista Marie, 30 anos mais jovem que ele. O músico vai às raias da loucura e da autodestruição por causa desse sentimento incontrolável.

Marie, de origem judia, abandonou seu estudo de música em Israel para se casar com o famoso maestro. Entretanto, ao longo do romance, narrado pelo maestro na primeira pessoa (um segundo Bentinho, pois), vai se tornar o pivô das suspeitas do marido, que mergulha em uma espiral de insensatez, sendo capaz de jogar para o alto a reputação construída arduamente ao longo dos anos, a despeito de sua genialidade.

Maestro afunda na insensatez

“Valsa Negra” mergulha no universo da música clássica, cita grandes autores e obras, faz comparações sobre os diversos integrantes de uma orquestra, mostra como são os bastidores desse mundo que, como tantos outros, é repleto de vaidade, competição e virtuosismo.

Ao verificar o currículo da escritora, entendi porque ela escolheu este tema para um de seus romances. Patrícia Melo é mulher do maestro brasileiro John Neschling e, portanto, deve conhecer bem esse universo, o que garante mais verossimilidade à obra literária.

Nessa espiral de ciúme doentio, o maestro do romance vai se afundando na insensatez, chegando às raias da loucura. A narrativa é densa e emocionante. E o desfecho não é tão claro assim, deixando a cargo do leitor imaginar o que teria acontecido no ato final.

“Valsa Negra” é daquelas obras que se lê de um fôlego só, com aquele sentimento de urgência que é ditado pelo ritmo adotada pela escritora.

Patrícia Melo é romancista, roteirista e dramaturga. Natural de Assis (SP), é autora de uma vasta obra e aclamada como uma das principais vozes contemporâneas da literatura brasileira. Entre as láureas literárias que conquistou está o Prêmio Jabuti de 2000, na categoria romance, com “Inferno”. “Valsa Negra” foi publicada em 2003. Patrícia também é autora de roteiros para o teatro, cinema e televisão.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária.

(Email: [email protected])

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