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Em uma tentativa de fazer pressão para que governos apresentem compromissos mais robustos de combate às mudanças climáticas, a presidência brasileira da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em Belém em novembro, busca mobilizar a sociedade civil a dar um sacolejo nos líderes mundiais e mostrar que é possível fazer mais.
Em sua segunda carta à comunidade internacional, divulgada na manhã desta quinta-feira (8), o embaixador André Corrêa do Lago, que preside a COP30, detalhou um pouco mais o conceito de “mutirão global pelo clima” que ele tinha lançado em março, na primeira vez que se dirigiu ao mundo com a visão do Brasil para a COP. Segundo Lago, “um experimento pioneiro que visa desencadear uma inédita mobilização global contra a mudança do clima, com base na proliferação de iniciativas autônomas mundo afora”.
Ele afirmou que vai lançar uma plataforma, durante a Semana do Clima do Panamá, que ocorre entre os próximos dias 19 e 23, para receber, de organizações da sociedade civil, empresas, academia e governos subnacionais, o que ele apelidou de “contribuições autodeterminadas”.
Assim como os países, no âmbito da Convenção do Clima da ONU, têm de apresentar as suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) – jargão para os compromissos assumidos por cada nação, no âmbito do Acordo de Paris, para conter a crise do clima –, a ideia é que todas as outras instâncias contribuam com o que tiverem a oferecer.
“A Presidência da COP30 deixa aqui um convite aberto a todos os membros da família humana: venham como são e como podem ser. Na moldura do Mutirão Global serão acolhidos todos, independentemente do nível de engajamento, de especialização e de perspectiva”, escreve Lago. “Em vez de envolver promessas a serem cumpridas no futuro, as contribuições para o mutirão devem traduzir-se em iniciativas efetivamente realizadas, ou que estejam em andamento, ou em vias de acontecer”, complementa.
Na carta ele dá alguns exemplos do que poderiam ser essas contribuições: “um grupo de agricultores que adote práticas regenerativas com apoio local; projetos liderados por jovens que instalem painéis solares em comunidades carentes; cidades costeiras que organizem brigadas de restauração de manguezais; empresas de tecnologia que formem coalizões para descarbonizar data centers; comunidades afrodescendentes que criem programas de conscientização climática para cidades”.
Tanto Lago, quanto Ana Toni, diretora-executiva da COP, quanto a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vêm dizendo, desde o fim do ano passado – quando o Brasil assumiu oficialmente a presidência da COP30 –, que desejam que esta seja a COP da implementação. Ou seja, que ela ponha realmente para girar a roda dos compromissos já assumidos anteriormente. E, com a ideia de mutirão, todos eles vêm dizendo que uma ação climática efetiva não cabe somente aos governos.
Enquanto isso não deixa de ser verdade, principalmente no que cabe às grandes empresas e setores que são os maiores emissores, me surpreende um pouco o peso que está sendo dado para essas “contribuições autodeterminadas”. Iniciativas incríveis vêm ocorrendo em todo o mundo, como alguns dos exemplos citados na carta. Muitas delas podem fazer a diferença para tornar um lugar mais resiliente a um evento extremo. Outras podem ajudar a reduzir a temperatura localmente, como um plantio de árvores em cidades.
Mas quando a gente pensa que para conter o aquecimento global é necessária, acima de tudo, uma redução profunda nas emissões de gases de efeito estufa, o papel dos governos na regulação de setores econômicos, no controle do desmatamento, em incentivos para energias limpas e regeneração é fundamental.
A queima de combustíveis fósseis é responsável por cerca de 70% das emissões mundiais, mas planos para uma eliminação de petróleo e carvão, que, obviamente, dependem de decisões governamentais, ainda não estão em debate – nem aparecem nas duas cartas já elaboradas pela presidência da COP30.
A posição dos governos, de modo geral, ainda é muito tímida. A comparação das “contribuições autodeterminadas” com as NDCs não é à toa. Esses compromissos nacionais foram assumidos pela primeira vez pelos países há 10 anos, como parte das negociações que resultariam no Acordo de Paris. A ideia de cada país poder definir, dentro das suas capacidades e nível de desenvolvimento, quanto esforço poderia colocar no combate a crise climática – em vez de se tentar estabelecer uma meta de cima para baixo para todos cumprirem – foi fundamental para o acordo vingar.
Mas logo se viu que não era suficiente. Sem meta nenhuma, o mundo rumava para quase 4°C de aquecimento até o fim deste século. Se todas as metas forem cumpridas, a situação deve melhorar um pouco, mas ainda assim o mundo ainda chega perto dos 3°C, quando o mais seguro seria ficar no máximo em 1,5°C. Por isso se definiu, já no Acordo de Paris, que os países teriam de apresentar novas metas, mais ambiciosas e condizentes com 1,5°C de aquecimento.
O prazo inicial para a submissão das novas NDCs era fevereiro deste ano, mas apenas 21 países, sendo o Brasil, o primeiro, já apresentaram seus novos compromissos. Com um mundo abalado por guerras militares e comerciais, com a geopolítica toda bagunçada depois que Donald Trump voltou à Casa Branca, está todo mundo muito mais cauteloso em fazer grandes promessas.
Daí a tentativa de chacoalhar os ânimos com a proposta de mutirão. “É muito importante os governos verem que a sociedade civil, o empresariado, a academia, todos esses outros atores da sociedade estão comprometidos com o combate à mudança do clima”, afirmou Lago em coletiva de imprensa sobre a carta.
A ideia, diz ele, é servir, ao mesmo tempo, “como uma pressão e um incentivo para que os governos, que são os negociadores, tenham mais ambição naquilo que estão fazendo. Ou seja, as sociedades mostrarem que elas estão, em vários casos, mais avançadas do que os governos que estão negociando”.
Questionado sobre a não menção aos combustíveis fósseis na carta, Lago disse na coletiva que “todo mundo sabe que os fósseis são o grande tema da negociação de mudança do clima” e que o tema deve aparecer com mais ênfase na sua próxima carta, mais focada em uma outra faceta das COPs, que é a chamada “Agenda de Ação”.
As COPs são processos construídos com base nas negociações apenas dos governos nacionais, mas já há alguns anos têm servido de espaço também para que sejam lançadas iniciativas e compromissos de outros entes, como empresas e governos subnacionais. Essa é a tal Agenda de Ação.
Ana Toni, na mesma coletiva, disse que, apesar de não estar explícito no texto, os debates que estão em curso para a COP também já estão discutindo os fósseis. Mas como isso deve aterrissar em compromissos na cúpula de Belém ainda não está claro.
Bom… que venham os bons exemplos e inspirações. Mas haja pressão!