Por Romualda Mirdes de Figueiroa Vieira*
A violência contra a mulher continua sendo uma chaga aberta na sociedade brasileira e os dados mais recentes reforçam a gravidade da situação em Pernambuco. Segundo informações do portal oficial do Governo Federal (gov.br), o Estado registrou um crescimento expressivo nos atendimentos feitos pela Central de Atendimento à Mulher – o Ligue 180 – em 2024. Foram 31.030 ligações neste ano, um aumento de 40,6% em relação às 22.069 registradas em 2023. As denúncias também cresceram, saltando de 3.963 em 2023 para 4.609 em 2024, o que representa um acréscimo de 16,3%.
Esses números evidenciam a importância do Ligue 180 como principal dispositivo de enfrentamento à violência de gênero no país. Mais do que um canal de denúncia, trata-se de um espaço de acolhimento e orientação, fundamental para que mulheres em situação de violência possam buscar ajuda. Em 2024, das 4.609 denúncias feitas em Pernambuco, 2.739 partiram das próprias vítimas e 1.863 foram realizadas por terceiros, o que revela também um avanço na consciência coletiva sobre o papel de todos no combate à violência.
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A análise dos contextos em que ocorrem essas violências revela padrões cruéis e persistentes. A casa da vítima continua sendo o cenário mais frequente das agressões: 2.068 denúncias tinham esse local como ambiente do crime. Já as residências compartilhadas com o agressor contabilizaram 1.425 casos, o que demonstra como o lar, que deveria ser um espaço de segurança e afeto, muitas vezes se torna um ambiente de terror para inúmeras mulheres.
A violência tem cor e classe social. Em Pernambuco, as mulheres pretas e pardas continuam sendo as principais vítimas, com 2.703 casos denunciados. A desigualdade estrutural, o racismo e o machismo se entrelaçam e expõem essas mulheres a um ciclo contínuo de violência, desamparo e vulnerabilidade. Os agressores, em sua maioria, continuam sendo os próprios companheiros, esposos ou ex-companheiros: foram 1.225 denúncias com essa característica, reforçando a face mais perversa da violência doméstica e familiar.
Embora o aumento nas denúncias possa ser interpretado como um sinal de maior confiança por parte das mulheres em procurar ajuda, o número crescente de feminicídios e agressões graves mostra que as políticas públicas ainda estão longe de serem suficientes. A denúncia, por si só, não garante a proteção imediata da vítima. A persistência dos casos, inclusive após registros anteriores, revela a fragilidade das medidas protetivas, da atuação dos órgãos de segurança e do sistema de justiça.
Ser mulher, ainda hoje, é enfrentar cotidianamente o medo, o silenciamento, a culpa e a impunidade. O direito à vida, à segurança e à liberdade de escolha deveria ser inegociável, mas continua sendo constantemente ameaçado por uma cultura machista que autoriza os homens a se considerarem donos dos corpos e destinos das mulheres. Esse sentimento de posse, muitas vezes naturalizado pela sociedade, está na base da violência que oprime, agride e mata.
Diante de tudo isso, é urgente revisar e fortalecer as políticas públicas voltadas à proteção da mulher. É necessário investir em educação de gênero nas escolas, em formação das forças de segurança, no fortalecimento das redes de apoio e acolhimento, e na ampliação dos serviços especializados. Mais do que punir, é preciso prevenir. E isso passa por uma transformação cultural profunda, que só será possível com o engajamento de toda a sociedade.
É preciso, sobretudo, garantir às mulheres o direito de viver sem medo, sem violência e com liberdade para escolher seus caminhos. Enquanto esse direito for negado a tantas, a luta contra a violência de gênero seguirá sendo uma das mais urgentes e necessárias em nossa sociedade.
*Professora dos municípios de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru
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