O Brasil de Einstein rasga a Constituição

Num milagre da ciência, Albert Einstein fez escala no Brasil no último 21 de março, indo para a Argentina e o Uruguai. Voltou na 2ª feira (5.mai.2025) e passou a comparar o país atual com o que visitou há exatamente 100 anos.

Quando lhe disseram que nesse ínterim o governo facilitou o roubo de R$ 100 bilhões de aposentados (R$ 6,5 bilhões a R$ 10 bilhões) e trabalhadores da ativa com crédito consignado (R$ 90 bilhões), o gênio alemão imaginou que teria sido de 1925 a 2025 –quase morreu de novo e voltou para o céu dos cientistas quando explicaram que foi de 21 de março a 5 de maio deste ano.

Ele presenciou a implantação do nacional socialismo, então se lembra como um sindicato de ladrões consegue a cada 45 dias o que se estima para 1 século.

Passado o susto inicial, da janela do carro, Einstein olhou para cima e adorou o Cristo Redentor, que começou a ser construído no ano seguinte à sua 1ª estada no Rio. Nem pediu para ir ao Corcovado, consciente do gasto com seguranças acompanhando a numerosa comitiva até a favela em que o chefe do Executivo federal o esperava. Melhor poupar Jesus de assistir a tal pecado.

Na vinda anterior, o país estava sob estado de sítio, o resultado das eleições presidenciais era contestado, a crise econômica prenunciava mudanças e o partido governista odiava investidores externos. Não precisa ser inteligente igual a ele para concluir que a cidade está diferente, mas o cenário político do Brasil é o mesmo.

Pelo que Einstein viu em faixas e cartazes desde a chegada, Lula disputa com Arthur Bernardes o título de pior presidente dos 3 séculos (década final do 19, o 20 inteiro e este ¼ do 21). O advogado Bernardes suspendeu a Constituição e aboliu o habeas corpus. Funcionários com função gratificada tentaram justificar ao físico que agora está acontecendo o oposto. Ele preferiu a consideração de 100 anos atrás: isso é papo de miquinho amestrado para elefante branco.

Do embarque em Montevidéu para cá, Einstein veio apreciando notícias. Achou exagerada a quantidade de auxiliares do presidente e fundiu o cérebro com a manchete do desvio de aposentadorias e pensões. Perguntou o nome da igreja do religioso envolvido nos crimes. Responderam que os acusados são representantes classistas. Aí, Einstein compreendeu que o Brasil não tem jeito: “Está escrito Frei Chico… É um frade, certo?”.

“Errado, mister. É fraude que nem Freud explica”, disse um bem-humorado assessor carioca poliglota sem função comissionada. Adiantou que o indigitado é irmão do presidente que os aguardava na comunidade, da qual estavam se aproximando. O cientista-mor mexeu nos cabelos revoltos, sacudiu a cabeça e não desistiu.

Ainda de olho nas notícias que havia lido a bordo, quis saber o motivo de o presidente demitir a ministra da Mulher e para que há o Ministério da Mulher. O cria local recitou o que escutara na praia de Copacabana durante show da Lady Gaga, 2 dias antes:

“Mister Einstein, nem tente entender. Aqui, um delegado da Polícia Civil é ministro de Minas e Energia. Um advogado é ministro da Pesca. Um médico é ministro do Esporte. Um agrônomo é ministro da Educação. Um estudante de direito que largou o curso é ministro da Previdência. Um auditor fiscal é ministro do Turismo. Um engenheiro é ministro das Comunicações. O ministro do Empreendedorismo nunca montou uma empresa…”.

Incrédulo, o gênio da física o interrompeu querendo adivinhar na pasta de sua área: “Ao menos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação colocaram profissional adequado, sim?”. Ao que responderam-no: “Não, Seu Einstein, lá está a presidente do Partido Comunista”.

O autor da Teoria da Relatividade passou mal. Relativamente mal, porque sarou no milésimo de segundo que precederia o desmaio ao se perceber cercado por dezenas de homens com fuzis e lançadores de mísseis. Gritando palavrões ininteligíveis em qualquer idioma, os bandidos encostaram os canos das armas nos vidros do carro.

O assessor carioca contou aos demais ocupantes que a blindagem era fajuta, pois a locadora que venceu a licitação de carros oficiais pertence a um deputado da base aliada: “Se esse aí [apontou um rapaz que olhava fixamente para o cientista] esmurrar a janela, a mão dele vem parar no bigode do mister Einstein”.

O cientista retornara para lembrar os 70 anos de sua partida, em 18 de abril de 1955, não almejava virar saudade noutra efeméride. Escapara dos nazistas ao migrar para os Estados Unidos, porém daquela confusão se mostrava insolúvel. Já veio duas vezes e não conhece o Brasil.

Apareceu um sujeito bradando que o líder da facção havia liberado a entrada do presidente da República e “desse gringo aí de cabeça branca”. Mandou todo mundo descer. Einstein até esqueceu o perrengue ao olhar a arquitetura a seu redor, pasmo com a sequência de barracos sobrepostos, um desafio até para Prêmio Nobel de exatas.

Escoltado por traficantes, foi a pé (via canela, como dizem os moradores) ao encontro do presidente. Como no voo Montevidéu–Rio entregam só barrinha de cereal, estava certo de que ali tiraria a barriga da miséria. Na juventude, enumerava sua dieta: “fumar como uma chaminé, trabalhar como um cavalo, comer sem consideração e sem escolha, caminhar apenas em companhia realmente agradável, então, infelizmente, raramente, dormir irregularmente etc.”. Que decepção para o faminto!A Contag, tentando agradar ao irmão de seu dirigente, pagara R$ 737 mil a um buffet que na hora… era fantasma. Einstein lembrou-se da sigla, mencionada quando lhe falaram do irmão de Lula, o “religioso” Frei Chico.

Ao desembarcar, Einstein havia escutado que o governador da Bahia, em citação literal, planeja empacotar os adversários de Lula, colocá-los numa retroescavadeira e levar tudo para a vala. O físico pediu ao tradutor detalhes do que seria “levar para a vala”.

A cabeleira branca revolta ficou eriçada. Ao pé da escada do avião, rogara aos judeus anfitriões para que o mantivessem longe da turma da patrol. No meio da favela, puxou conversa com o assessor carioca.

–“Existe o risco de nos jogarem numa vala na comunidade?”

–“Não, mister Einstein. Só se alguém contrariar o chefe que manda em tudo aqui”.

–“O irmão do Frei Chico?”

–“Não, seu Einstein: o dono do morro”.

Demóstenes Torres, 64 anos, é ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e advogado.

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