
É chegada a data da memória dos 40 anos do Programa Especial de Educação – Centros Integrados de Educação Pública (PEE-Ciep), que se consuma de duas maneiras. A primeira a partir do anúncio oficial dada pelo então governador Leonel Brizola (1983-1987), no dia 1º de setembro de 1984, no Palácio do Guanabara, com direito a presença de comitiva internacional e coletiva de imprensa. E a segunda, com a inauguração predial e respectivo ano letivo do Ciep 001 – Tancredo Neves, em 08 de maio de 1985, no bairro do Catete. Também conhecido como bairro da ex-capital da república do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. O evento, que veio a ser a inauguração do primeiro e maior programa de ensino educação pública básica e integral implementado por um governo estadual, teve a participação da sociedade civil, da comunidade escolar e autoridades públicas, incluindo, o ex-Presidente José Sarney.
Sem dúvida alguma é uma data a se recordar, pois o Ciep se tornou tema de diferentes campos sociais, transcendendo a própria pauta pela educação pública, popular e de qualidade. É um legado que se inicia a partir da sua implementação no governo Leonel Brizola (PDT), 1983-1987, sendo germinal enquanto pauta eleitoral na campanha para governador de 1982. Implementado entre a democratização, em 1985, e a Constituição Cidadã, em 1988.
Portanto, os Cieps surgem imediatamente ao fim da ditadura militar, sinalizando uma política educacional de caráter democrático, de ruptura com os preceitos tecnocráticos e com a relativização da laicidade. Pois, o modelo de ensino que antecede a experiência do I PEE-Ciep não cumpria o exercício de categorias pedagógicas mais abrangentes para a compreensão da sociedade. E que como bem salientou Darcy Ribeiro em conhecida declaração, “a crise da educação no Brasil, não é uma crise; é um projeto”, dando a entender que o ativismo conservador frente a educação é mais sistemático do que algo meramente espontâneo.”
Apenas por esta breve conjuntura é possível constatar, de antemão, que o Ciep surge atravessado pelo campo político, e naturalmente pelo campo educacional. Porém, não se encerrando neles, o caráter pedagógico do Ciep que a princípio seria inovador pelo fato de promover o ensino de educação básica em tempo integral, demonstra ir muito além, quando o próprio exercício de se pôr em prática o tempo integral exige uma metodologia multidimensional em termos pedagógicos. Do âmbito estrutural ao âmbito cultural, se realizou uma intersetorialidade, que perpassou desde a urbanização ao fomento artístico, que por fim, mediante ao alto índice de vulnerabilidade social e analfabetismo se promovia literalmente cidadania para os educandos e suas famílias.
Um dos elementos que tornam a gestão do I PEE-Ciep icônica, no âmbito da administração pública, é o fato de em 1986 ser designado 39,25% do orçamento do governo estadual, e 43% do orçamento prefeitura do Rio de Janeiro (Saturnino Braga, 1986-1989, então no PDT), para a educação pública. A presença forte do orçamento destinava-se principalmente nas construções dos próprios Cieps, incluído a chamada Fábrica de Escolas, que gerava peças de cimentos pré-moldadas como previsto pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Durante o I PEE-Ciep se construiu e deixou em fase de conclusão, aproximadamente 150 unidades de Ciep, sendo que no II (Segundo) PEE-Ciep (1991-1994) foi alcançado o total de 506 unidades de Ciep.
Sendo com certeza o maior orçamento já visto para a educação pública, talvez somente comparado com as iniciativas federais de quando o sociólogo Darcy Ribeiro foi ministro da educação e subsequentemente ministro da casa civil, nos governos João Goulart. Onde através da primeira Lei de Diretrizes e Bases, promulgada em 1961 (LDB/1961), e subsequente primeiro Plano Nacional de Educação (PNE/1962), se estabeleceu que nos orçamentos dos entes federados (união, estados e municípios), percentuais de 12% (no caso da União) e 20% (no caso dos municípios) deveriam ser destinados à educação pública. Como demonstrado na pesquisa, de Gomes (2010, p. 43), “além de cobrir o período de 1963 a 1970, estendendo-se a mais de um governo, associava metas e recursos”.
O secretariado de educação que compôs o período de implementação do I PEE-Ciep era feito de pessoas icônicas, a começar pelo próprio e já mencionado Darcy Ribeiro, que foi simultaneamente vice-governador, secretário de estado de ciência e cultura, e presidente da Comissão de Educação e Cultura. Tendo na Secretaria de Estadual de Educação, a Iara Vargas, sobrinha do ex-presidente Getúlio Vargas, fundadora do PDT e deputada estadual mais votada em 1982. E na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, a Maria Yedda, primeira mulher catedrática em universidade brasileira. Reunindo uma equipe que se envolvia com as atividades mais singulares correlatas ao programa pedagógico, dos animadores culturais até a formação continuada dos educadores, do qual a professora Lia Faria, autora do livro, Ciep: A Utopia Possível, é um símbolo e testemunha viva desse processo.
Definitivamente o Projeto Ciep não cabe numa “caixinha”, seja em níveis de pensamento teórico, contextualização histórica ou pensamento prático. Evidentemente a vivência das experiências de implementações do I e do II PEE-Ciep trazem sentimentos mais próximos da realidade, para o bem e para o mal. Mas sob nenhuma condição setores emancipacionistas da educação pública, que prescrevem educação popular, ensino de qualidade, ensino integral, ensino integralizado, gestão democrática e orçamento próprio, e outros tantos elementos demandados por este enorme, diverso e potente campo social, que é o campo educacional, praticam oposição contumaz ao Projeto Ciep.
Na contemporaneidade, em diferentes dimensões, é notório que o modelo de ensino integral do Projeto Ciep inibiria muitas mazelas. Começando pelo último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), de 2023, que embora se possa relativizar, traz ao menos dois dados extremamente correlatos ao ensino integral, o primeiro de que os estados que o implementaram ou o mantiveram estão no topo da qualidade de ensino, e o segundo, de que estados pobres que o implementaram tiveram melhores notas do que estados ricos que não o implementaram ou o implementaram em menor proporção.
Por fim, as premissas basilares da educação pública, laica, de ensino básico, integral e popular são emanadas em experiências peculiares e resilientes que veem no Ciep uma referência. E, por consequência, demonstram que a trajetória no campo educacional da parcela propositiva por um modelo de educação com participação social e emancipacionista, transcende quaisquer que sejam as demarcações político-ideológicas, mantendo o Projeto Ciep como uma prerrogativa de experiência viva para efetivação da melhoria e qualidade do sistema de ensino.
Referências Bibliográficas
FARIA, L. CIEP, a utopia possível. São Paulo: Livros Tatu, 1991.
GOMES, A. Darcy Ribeiro. Recife: Massangana, 2010.
Dossiê Memória CIEPs – Memória e Informação [periódico digital] – v. 8, n. 1. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2025.
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