Um ano de abandono: o que falta para salvar o Memorial da Medicina de Pernambuco?

Por Cinthya Leite
Do Jornal do Commercio

Sete entidades médicas de Pernambuco estão, há pouco mais de um ano, sem teto. Elas estavam sediadas no Memorial da Medicina de Pernambuco, na Rua Amauri de Medeiros, no bairro do Derby, área central do Recife. Mas, desde de 26 de abril de 2024, quando parte do telhado do prédio (na área posterior) começou a ruir, essas instituições estão sem estrutura física.

A construção, naquela data, precisou ser interditada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para obras de reconstrução e restauração. Vale frisar que o Memorial da Medicina de Pernambuco é um equipamento cultural da UFPE, vinculado à Diretoria de Cultura da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proexc).

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Com abandono, desmorona a memória científica

Passaram-se 372 dias desde que parte do prédio desabou e, lamentavelmente, nada mudou. Foram feitas obras de escora, mas o equipamento ainda está absolutamente isolado. É triste testemunhar a decomposição lenta do memorial, casa mãe da medicina pernambucana. O prédio foi tombado, em 1986, como Patrimônio Histórico de Pernambuco (Decreto Nº 11.260 de 19 de março de 1986, assinado pelo governador Roberto Magalhães), e hoje vive um colapso físico.

Até o jardim na entrada do memorial, antes zelado como extensão simbólica da memória médica, revela hoje o descaso: grama alta e malcuidada, o que compõe um cenário de abandono que começa na calçada e se estende por dentro das paredes.

É doloroso escrever isso, ainda mais quando se trata de um prédio que sediou o primeiro curso médico do Estado, fundado em 21 de abril de 1927. Seus salões permanecem vazios, e o acervo só deteriora.

Presidente da Academia Pernambucana de Medicina, o psiquiatra Antonio Peregrino reuniu, no último dia 26 de abril, acadêmicos e membros de todas as demais instituições sediadas no memorial para um evento em prol da requalificação do prédio.

“Devemos lembrar a importância histórica e a cultura médica em Pernambuco para que as providências sejam tomadas o mais célere possível”, diz Peregrino, ao sublinhar que, com abandono, desmorona uma parte essencial da memória científica, cultural e institucional da medicina.

“O Museu da Medicina de Pernambuco é de dar pena. Peças foram danificadas, estão amontoadas e deteriorando”, relatou Peregrino em seu apelo. “Teses, material médico da época, peças em cera do falecido Prof. Jorge Lobo, as fotos emolduradas dos primeiros professores de medicina de Pernambuco… um dano irreparável…”, acrescenta o presidente da Academia Pernambucana de Medicina.

O tempo não devolve o que a omissão institucional destrói. É preciso responder: o que impede a restauração? O que falta para que a responsabilidade com um patrimônio tombado em 1986 pelo governo do Estado seja cumprida?

Andarilhas de um saber sem endereço

O Memorial da Medicina de Pernambuco abrigava entidades que formam o tecido vivo da nossa tradição médica. São elas:

  • Academia Pernambucana de Medicina
  • Instituto Pernambucano de História da Medicina
  • Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Sobrames-Regional Pernambuco
  • Museu da Medicina
  • Associação dos Ex-Alunos da UFPE
  • Instituto de Estudos da Terceira Idade
  • Academia de Artes e Letras de Pernambuco

Hoje sem teto, essas instituições vagam entre auditórios emprestados, como andarilhas de um saber que perdeu endereço.

“As grandes instituições médicas de Pernambuco (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco – Cremepe; Sindicato dos Médicos de Pernambuco; Associação Médica de Pernambuco – AMPE) estão abrigando, cedendo seus auditórios para reuniões científico-culturais da Academia Pernambucana de Medicina e do Instituto Pernambucano de História da Medicina em suas instalações. Já a Sobrames tem reuniões na Academia Pernambucana de Letras. Tudo de forma muito difícil, sem termos nosso materiais básicos para bem funcionar”, frisa Antonio Peregrino, um médico de tempo integral que clama pelo salvamento da casa mãe da medicina pernambucana.

Obra parou no tempo

A lateral do prédio, coberta por tapumes metálicos e envolta em andaimes, reflete a aparência de uma obra que parou no tempo e sem conclusão visível. As placas tortas e o entorno degradado revelam o colapso de um compromisso com a memória. O prédio, que deveria ser símbolo de memória e ciência, hoje projeta sombra de abandono.

Não se trata aqui apenas de recuperar um telhado ou restaurar paredes, mas de resgatar a dignidade de um espaço que abrigou o nascimento do pensamento médico regional e, por extensão, a própria construção social da saúde em Pernambuco.

A recuperação do Memorial da Medicina de Pernambuco não é um capricho de saudosistas. É um chamado ético, cultural e histórico.

A resposta da UFPE

Atual proprietária do prédio, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) compartilhou nota com a imprensa, na última semana, sobre a situação. Confira na íntegra:

“A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) reconhece a importância histórica, cultural e simbólica do prédio do Memorial de Medicina e Cultura. Desde o incidente ocorrido em 2024, foram imediatamente adotadas todas as medidas emergenciais necessárias para preservar a estrutura do edifício. Atualmente, o prédio encontra-se com escoramento e cobertura adequados, o que tem evitado o agravamento dos danos estruturais.

Adicionalmente, foi instalada uma cobertura provisória para impedir a infiltração de águas pluviais e construída uma passarela na lateral do prédio voltada para a via pública, a fim de proteger os transeuntes. A UFPE deu início ao processo de licitação para a elaboração do projeto de restauro, seguindo rigorosamente todos os trâmites legais previstos para intervenções em bens protegidos.

O escopo da contratação contempla projetos complementares, como os de fachada, cobertura, esquadrias, instalações elétricas, hidrossanitárias, acessibilidade e de emergência. Adicionalmente, foi designada uma equipe técnica qualificada, composta por servidores, especialistas e docentes do Departamento de Museologia, responsável por coordenar as ações voltadas à preservação e recuperação do edifício.

Essa equipe também coordenou e orientou sobre a conservação do acervo presente no Memorial — embora este não pertença formalmente à UFPE, a Universidade reconhece sua relevância para a sociedade e para a memória coletiva.

A UFPE reafirma seu compromisso com a preservação do patrimônio histórico e cultural e seguirá envidando todos os esforços necessários para garantir a recuperação integral do Memorial de Medicina e Cultura.”

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