Por Celso Rocha de Barros
Da Folha de S.Paulo
Caro Senador Alessandro Vieira,
Respeito muito sua atuação parlamentar. Exatamente por isso, solicito os seguintes esclarecimentos, todos referentes ao seu projeto que reduz a pena dos criminosos do 8 de janeiro.
Seu projeto altera o Código Penal para reduzir as penas dos acusados de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” (artigo 359-L) e “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” (artigo 359-M) em casos em que o réu não participou da organização do crime e cometeu seus crimes “sob a influência de multidão em tumulto”.
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A redução é bastante significativa: atualmente, as penas vão de quatro a oito anos (359-L) e quatro a 12 anos (359-M), o que já é bastante baixo para crimes que são sempre cometidos com o objetivo de, em caso de sucesso, cometer em seguida assassinato em massa de opositores, tortura de forma sistemática e censura à imprensa. O novo projeto reduz as penas para dois até seis anos (359-L) e dois a oito anos (359-M).
Senador, a aplicação do atenuante “situação de multidão” a esses artigos é obviamente errada. Influenciado pela multidão no 8 de janeiro, o réu pode ter cometido mais atos de depredação de patrimônio público, por exemplo; mas não foi aí que ele cometeu os crimes previstos nos artigos 359-L e 359-M.
O réu tentou abolir o Estado de Direito e depor o governo legitimamente eleito quando participou da invasão com o objetivo de convencer os militares a roubarem os votos de dezenas de milhões de brasileiros pobres que votaram em Lula para, em seguida, promover assassinato em massa dos opositores da extrema direita, tortura sistemática e censura à imprensa. Quem estava na praça dos Três Poderes em 8 de janeiro estava ali para fazer isso, mesmo se não tiver quebrado um único copo. Nenhuma multidão os arrastou de seus estados até a praça dos Três Poderes.
Seu projeto também prevê a absorção do crime previsto no 359-L pelo crime previsto no 359-M, isto é: se o sujeito for condenado aos dois, não cumprirá a soma das duas penas, só a pena do 359-M.
Não encontrei no projeto vedação a essa absorção no caso dos organizadores e financiadores do golpe e, para falar a verdade, não sei como evitar aplicá-la nesses casos se ela for estabelecida como regra geral.
É isso, senador? Seu projeto reduz a pena do Jair, do Braga Netto, dos planejadores do assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes? Ou há aqui algum dispositivo que eu não percebi?
Finalmente, o dispositivo que exige que as condutas dos réus sejam individualizadas é: (a) redundante com as normas gerais do direito ou (b) uma presunção de que estar presente no grupo que invadiu a praça dos Três Poderes para forçar uma intervenção militar não constitui individualização suficiente para os crimes do 359-L e do 359-M, o que, como demonstrado acima, é falso.
Senador, respeitosamente peço que o senhor esclareça minhas dúvidas. Se isso não for possível, peço que retire seu projeto. Anistia não é pacificação, senador. De onde eu e dezenas de milhões de brasileiros estamos olhando, anistia é uma declaração de guerra contra nós.
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