Por Flávio Chaves*
Há amores que não voltam. Mas também não se vão. Ficam ali, parados no tempo, como porta entreaberta em casa vazia. São amores que esqueceram o caminho das palavras, mas ainda sabem onde a gente mora por dentro.
Agora é madrugada. E eu ainda estou aqui. Não por mim — porque de mim mesmo, já me perdi tantas vezes por esse amor. Estou aqui por ela. Por esse sentimento que não me larga, que não me solta, que não me liberta. Um amor que parece ter me esquecido mas que eu nunca consegui esquecer.
A rua está vazia. A cidade dorme. Mas no fundo do peito, algo vigia. De algum lugar lá fora, uma música começa a tocar — lenta, antiga, como se soubesse tudo que eu carrego no peito. E essa música, essa música traz o rosto dela. O jeito como ela me olhava. A voz que dizia meu nome com uma ternura que ninguém mais soube imitar. O cheiro dos cabelos molhados, a delicadeza de suas mãos encaixadas nas minhas. Tudo está ali, escondido entre os acordes. Tudo ainda toca, mesmo que ela não toque mais em mim.
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Ela era a sinfonia dos abraços. O silêncio entre os beijos. A brisa que entrava pela janela quando o mundo parecia menos duro. Agora, ela é apenas ausência. E ainda assim, é tudo.
Não há mais cartas. Nem chamadas. Só essa memória viva que insiste em existir — como uma vela que não se apaga mesmo quando não há vento. O amor que tive, ou que ainda tenho, vive nos detalhes. No café que não preparo mais. No travesseiro que permanece vazio. Nas palavras que engasgam quando tento explicar o que já não sei dizer.
Quantas vezes já desejei abrir a porta e encontrá-la ali — com os olhos cheios d’água, dizendo: “Voltei porque não consegui te esquecer”? Mas a porta não se abre. A maçaneta continua fria. E o som que ecoa é o de um portão de ferro batido no instante da despedida.
O amor, quando é verdadeiro, não precisa mais de corpo. Ele sobrevive daquilo que ficou: uma frase, um gesto, um silêncio. E mesmo que tudo se cale, ele continua falando. Às vezes alto. Às vezes baixinho, feito essa música que agora escuto de longe, e que traz o rosto dela com uma nitidez que corta o ar.
E eu me pergunto, como quem sussurra dentro do próprio cansaço:
Quem virá me acudir nesta madrugada — mesmo que seja por dor ou piedade?
Talvez ninguém. Talvez apenas eu mesmo, tentando me salvar de um amor que nunca deixou de doer.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
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