Porto Alegre: “Não se faz casa da noite para o dia”, diz prefeito

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O prefeito da capital gaúcha, Sebastião Melo (MDB), avaliou que o principal desafio de Porto Alegre – um ano depois das enchentes que causaram uma catástrofe sem precedentes no Rio Grande do Sul – é garantir as residências definitivas de quem perdeu um teto para morar

“A questão habitacional vai ser a mais desafiadora, porque não tem casa da noite para o dia”, afirmou em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional em seu gabinete, na última semana.

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Segundo ele, a prefeitura já emitiu cerca de 9 mil laudos que atestam a perda de casas e cadastrou mais da metade delas para que as famílias atingidas consigam acessar programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida e o Compra Assistida. 

Essas duas modalidades são projetos tocados pelo governo federal. No caso do Compra Assistida, que concede até R$ 200 mil ao beneficiário para a compra de um imóvel, o prefeito diz que cerca de 1 mil contratos foram assinados na capital, mas a burocracia atrasa parte dessas entregas e muitas famílias não se adaptam a essa modalidade.  

“Imagina uma família que mora no Sarandi, que mora nas ilhas do Delta do Jacuí. A vida dessa família, que nasceu ali, recicla lixo, que nunca pagou água, luz, condomínio, e agora recebe um apartamento pelo Compra Assistida, e vai ter que pagar água, condomínio. Essa família não se adapta à situação. Tu tem que ter uma outra solução, que é a solução do Minha Casa Minha Vida, mais vai levar anos para resolver”, apontou.

“E aí tu tem um outro desafio, que é desmanchar essas residências [interditadas] imediatamente, senão outras pessoas entram nessas residências e você continua com aquele problema que tinha antes”.

Enquanto isso, uma das alternativas provisórias tem sido o aluguel social. Segundo o prefeito, em Porto Alegre cerca de 3,5 mil pessoas estão nessa situação. Elas recebem R$ 1 mil por mês para pagar por moradia.  

Diques e casas de bomba


Porto Alegre (RS), 01/05/2025 – Uma das 14 comportas e casa de bomba de drenagem de água, que cercam o rio Guaíba em manutenção. Ha um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Porto Alegre – Serviço de manutenção em uma das comportas e casa de bomba de drenagem de água que cercam o rio Guaíba – Joédson Alves/Agência Brasil

A maior tragédia climática da história do estado acabou revelando uma grande fragilidade do sistema de proteção contra inundações da cidade, finalizado no início da década de 1970, e que conta com cerca de 60 quilômetros (km) de diques e barragens, e 23 casas de bomba de águas pluviais

A manutenção desse sistema é uma responsabilidade da prefeitura. Questionado sobre o que a gestão tem feito para corrigir essas vulnerabilidades, Melo afirmou estar trabalhando com especialistas e enumerou algumas medidas.  

“A gente ouviu muita gente, os [técnicos] holandeses estiveram aqui voluntariamente, ouvimos o Instituto de Pesquisa Hidráulica do Rio Grande Sul, ligado à Universidade Federal. O primeiro passo é botar o sistema velho de pé. Fazer as casas de bomba funcionarem, ter o geradores [de energia] que não tinham, altear os seus painéis elétricos, para em caso de chuva não ser atingido“, citou.


Porto Alegre (RS), 01/05/2025 – Uma das 14 comportas é vista com sacos de areia de improviso, que cercam o rio Guaíba.
Ha um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Porto Alegre – Uma das 14 comportas da capital gaúcha que cercam o Rio Guaíba com sacos de areia de improviso – Joédson Alves/Agência Brasil

Sobre os diques, mencionou as obras de reforço nas estruturas do bairro Sarandi, na região norte da capital. Um desses diques está 80% concluído, mas nos demais, as obras estão paralisadas por decisão judicial frente a necessidade de remoção de famílias que vivem próximas a essas barragens. Já as obras em outros diques ainda não têm previsão de início.

“Você vai ter que ter moradia para 400 famílias, porque tu não refaz aqueles diques se tu não acolher aquelas famílias”, disse Sebastião Melo.

O prefeito também voltou a dizer que as causas do alagamento não foram as casas de bombas, que ficaram sem funcionar durante as enchentes: 

“Elas foram invadidas pelas águas, assim como as casas, as avenidas, como as empresas foram invadidas. A casa de bomba tem lá seus 3, 4 ou 5 metros de altura e os painéis [eletrônicos] todos foram invadidos [pela água] e também faltou energia. Foi a falta de proteção de diques, os 20 lugares que entraram água é que foram as razões do alagamento, não as casas de bomba. Mas todas elas estão funcionando hoje.”

Das 23 casas de bomba, 17 já têm geradores de energia, mas eles movem no máximo uma bomba por vez, ao passo que essas estações possuem ao menos quatro motores ou mais cada.

Sobre a comportas portuárias ao longo de diversos pontos do Guaíba, Melo defendeu a decisão do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae), órgão da prefeitura, de fechar 7 das 14 existentes. 


Porto Alegre (RS), 01/05/2025 - Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, fala com agência Brasil.
Ha um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Porto Alegre – Prefeito da capital gaúcha, Sebastião Melo, fala à Agência Brasil – Joédson Alves/Agência Brasil

Até o momento, três já foram vedadas, e em outras quatro o serviço ainda será executado. As comportas que permanecerão ainda passarão por reformas.

“Essas comportas que nós estamos fechando não vão afetar a mobilidade da área portuária, porque ela praticamente não existe hoje. Então, em vez de tu manter um portão de ferro, nós tomamos a decisão de fechá-lo, mas nós estamos mantendo todas as comportas que são necessárias, que a mobilidade nos apresentou, esses não podem fechar. Essa decisão foi tomada numa base técnica de mobilidade urbana”, justificou.

Concessão do Dmae e plano diretor

Sebastião Melo também comentou o processo de privatização dos serviços de saneamento do Dmae, que está em discussão na Câmara dos Vereadores a partir da iniciativa do Poder Executivo, que apresentou o projeto no mês passado.

“[Sobre] a concessão dos serviços, vejo governos de diferentes partidos fazerem. Não é mais uma questão ideológica, mas de necessidade. Nós temos apenas 52% de esgoto tratado da cidade, isso não é possível.”

“Eu optei pelo modelo que eu penso que dá uma segurança jurídica enorme, que é manter a produção de água na mão do Dmae, 100% da produção da água, a drenagem urbana, não demitir nenhum funcionário público, eles serão repassados para essas funções. A parte do esgoto será a concedida. Eu nem precisaria mandar para os vereadores. A lei do marco regulatório estabeleceu, ela excepcionalizou, dizendo que, no caso de saneamento, os gestores estão autorizados a fazer concessão sem lei autorizativa. Mas em respeito à democracia, eu estou levando para a Câmara, vai ter um tempo para debater e eu vou respeitar a decisão”.

Melo afirmou que ainda este ano também enviará à Câmara o projeto que atualiza o plano diretor e zoneamento urbano da cidade. Ele defendeu a permanência de famílias em áreas de incidência de enchentes que estão consolidadas na mancha urbana há décadas.

“Estas áreas alagadas todas estão consolidadas ao longo dos últimos 60 anos. E muito consolidadas. Eu não tenho como, nesse momento, tomar decisão outra que não seja manter essas áreas. São milhares de pessoas que moram nelas, o que eu tenho que ter é um sistema de proteção de cheias que dê segurança para as pessoas. Esse é o caminho que nós optamos”, insistiu.

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Fundo para obras

Sebastião Melo também comentou as grandes obras para estruturar o sistema de proteção contra enchentes de toda a região metropolitana, a cargo do governo estadual. 

O assunto ganhou repercussão nos últimos dias em meio à pressão para que a gestão de Eduardo Leite acelere a atualização dos projetos. O governo federal abriu um fundo de R$ 6,5 bilhões para financiar essas obras, mas o recurso ainda não foi utilizado.  

“O governo estadual fez uma mesa de negociações, e ficou acertado que o governo federal criaria esse fundo, e estas obras que envolvem a bacia [hidrográfica] da região metropolitana serão realizadas pelo governo estadual. O governador abriu um processo para que os municípios se inscrevessem nesse Plano Rio Grande. Nós escrevemos vários projetos de proteção de cheias. Mas isso tá lá, nenhum foi autorizado ainda. Deve ter custo em torno de R$ 700 milhões. Tem agora essa governança, que não compete à prefeitura, mas o município se coloca ao lado para ajudar”.


Porto Alegre (RS), 01/05/2025 – Vista aérea de Porto Alegre que a um ano foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história do estado, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Porto Alegre – Vista aérea de Porto Alegre que há um ano foi atingida por cheias sem precedentes no estado – Joédson Alves/Agência Brasil

Harmonia entre governos

Sobre a relação com os governo do estado e federal, o prefeito da capital gaúcha foi diplomático e criticou a “disputa política” no contexto da reconstrução.

“O mesmo povo que elege o presidente, elege o prefeito e o governador. Eu penso que, especialmente em uma crise, uma disputa política é terrível. Eu tenho uma relação boa com o governo federal, tenho uma relação boa com o governo estadual, e vou continuar nesse diapasão. Os três deveriam estar juntos, sempre a falar a mesma linguagem, porque o povo não entende o que é federal, estadual, municipal. Ele quer ver isso ser resolvido. A crise nos traz dores e perdas, mas nos traz a oportunidade de fazer um Rio Grande melhor, uma cidade melhor”, concluiu.

 


mapa do rio grande do sul

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