Apesar da situação extrema, o comportamento de Caramelo na clínica surpreendeu. “Por incrível que pareça, ele estava muito tranquilo, sem demonstrar agressividade durante os procedimentos médicos”, relatou o veterinário. A recuperação física também foi notável. Em cerca de duas semanas, Caramelo já não demandava cuidados médicos intensivos, necessitando apenas de água, ração e carinho, é claro.Antes mesmo do resgate, pairava a incerteza sobre a sobrevivência do animal. “Havia um receio grande diante da condição em que ele se encontrava. Mas, ao chegar aqui e após os exames, vislumbramos uma boa recuperação”, revelou Henrique Cardoso.A decisão da Ulbra de acolher Caramelo transcende o simples ato de resgate. Um laudo veterinário apontou evidentes sinais de maus-tratos pregressos, incluindo desnutrição severa, indícios de restrição física prolongada e abandono. Diante desse histórico, a universidade compreendeu a impossibilidade de devolver o animal a uma situação de vulnerabilidade, especialmente diante da ausência de um tutor identificado.Com a saúde restabelecida – Caramelo ganhou peso, teve suas vacinas regularizadas e passou por tratamento odontológico –, a Ulbra formalizou o pedido de sua tutoria definitiva. A instituição justifica a decisão por sua infraestrutura completa, que engloba um hospital veterinário com equipe especializada e a disponibilidade de recursos como ração e pastagem em sua fazenda-escola, oferecendo ao animal uma “aposentadoria” digna.
Veterinário Henrique Cardoso lembra que Caramelo tinha alterações clínicas, lesões cutâneas, desidratação e lesões musculares. Foto: Luciano Nagel/Estadão
Para a Ulbra, Caramelo se tornou um símbolo da resiliência da comunidade gaúcha frente à tragédia climática. “Ele se transformou em uma espécie de herói, que necessita de todos os cuidados que uma instituição como a nossa pode oferecer”, enfatiza a universidade.A oficialização da adoção ocorreu em dezembro passado, com o apoio da então secretária municipal de Bem-Estar Animal de Canoas, Fabiane Borba, e do vereador Cris Moraes, ambos defensores da causa animal.Os planos da Ulbra para Caramelo vão além dos cuidados básicos. A universidade pretende integrá-lo a atividades acadêmicas, como aulas de observação para estudantes de Medicina Veterinária e em pesquisas. O equino também recebe visitas de crianças de escolas, promovendo a conscientização sobre o bem-estar animal. A instituição também se mostra aberta a participar de eventos e campanhas de proteção animal.“A Ulbra se sente orgulhosa de ter acolhido no campus Canoas mais de 8 mil pessoas desabrigadas pela enchente e, agora, garantir uma nova vida ao cavalo Caramelo, um símbolo da resiliência dos gaúchos”, declarou o reitor da universidade, Adriano Chiarani, reforçando o compromisso da instituição de ensino com a responsabilidade social.O próximo passo da Ulbra é ambicioso: a construção de um santuário para Caramelo, um espaço onde ele poderá viver livremente e na companhia de outros equinos. Para concretizar esse projeto, a universidade busca parcerias que compartilhem o ideal de proteção e bem-estar animal.‘Foi cansativo, mas não desistimos’A rotina de Caramelo na Ulbra é acompanhada de perto por Ovídio Roque Hennicka, de 70 anos, o tratador dedicado que cuida dele e de outros cavalos da instituição há mais de duas décadas. “Ele acorda assim que me ouve chegar e já pede comida. Dou alfafa e ração, e depois levo ele para o pátio. Ao meio-dia, ele descansa na cocheira e depois volta para a pastagem na sombra”, detalha Roque.O tratador, que também atuou no resgate de diversos animais durante a enchente de maio do ano passado, notou mudanças no comportamento de Caramelo após o trauma. “No início, ele tinha umas manias estranhas, era meio revoltado, mas aos poucos foi se acostumando. Comigo, ele é mais obediente”, conta. Entre as “manias” iniciais estavam se empinar e ameaçar morder, comportamento que, felizmente, acabou.
Tratador Ovídio Roque Hennicka: ‘Caramelo era meio revoltado, mas aos poucos foi se acostumando’. Foto: Luciano Nagel/Estadão
Roque, que é apaixonado pela sua profissão, relembra com angústia do período das enchentes, da escassez inicial de ajuda e do esforço incansável dos voluntários. “Foi cansativo, mas não desistimos, pois o bem-estar animal também é importante. Fizemos o máximo possível”, disse emocionado.Apesar da recuperação, o convívio de Caramelo com outros cavalos da Ulbra ainda apresenta desafios. “Ele quer brigar, quer dominar a área. Preciso sempre deixá-lo isolado dos outros equinos”, explica o tratador, evidenciando que, apesar do novo lar e dos cuidados, a história de Caramelo ainda reserva capítulos em sua jornada de superação.