Fonte de proteínas, amendoim é a semente que ajudou a moldar a história da América do Sul


Registros históricos revelam como o cultivo da espécie acompanha o homem há milênios e ajuda a entender as rotas indígenas no continente. Espécie de amendoim cultivada comercialmente é a Arachis hypogaea
jih26 / iNaturalist
Cru, torrado, salgado ou açucarado. Na paçoca, pé-de-moleque, cajuzinho e brigadeiro com amendoim. Em pratos salgados como farofa, molhos e escondidinho. Até manteiga de amendoim existe. A semente está presente na cozinha dos brasileiros e também na história dos primeiros moradores da América do Sul.
Muito além de petisco de festa, o amendoim guarda uma longa trajetória de domesticação, cultura e ciência. E, por meio de registros históricos, é possível perceber como a história da semente está entrelaçada com a própria trajetória humana no continente.
De acordo com o botânico Douglas Ribeiro, registros arqueológicos mostram que os povos indígenas já cultivavam amendoim há mais de 7 mil anos.
“Eles não apenas comiam o amendoim cru ou cozido, mas também o moíam para fazer pastas ou o misturavam com outros alimentos. O amendoim também tinha valor espiritual e era usado em cerimônias religiosas”, explica.
Um estudo elaborado por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia mostra que a Arachis hypogaea, nome científico da espécie de amendoim mais cultivada, foi essencial para a dieta de povos pré-colombianos, como os Moche, no Peru. Eles chegavam a representar o amendoim em colares de ouro e prata que eram usados por sacerdotes.
Nos dias atuais, o consumo do amendoim que foi herdado pelos indígenas sul-americanos integra muitas festas e tradições brasileiras: a paçoca de pilão (interior de São Paulo), o doce mole de amendoim (culinária afro-brasileira) e o bolo de amendoim (comum no Nordeste).
Bolo de amendoim é uma receita tradicional do Nordeste brasileiro
TV Clube
“O amendoim é uma fonte barata de proteína vegetal, além de conter gorduras saudáveis, vitaminas e minerais. Isso o torna uma opção acessível e nutritiva para muitas famílias brasileiras. A domesticação do amendoim no Brasil teve uma importância enorme, tanto no contexto histórico e cultural quanto no econômico e agrícola”, relata Douglas.
Origem sul-americana
O amendoim pertence ao gênero Arachis, formado por mais de 80 espécies de plantas, a maioria nativa da América do Sul. De acordo com os estudos da Embrapa, o Brasil abriga 63 dessas espécies, sendo 46 delas exclusivas do território nacional.
Amendoim é cultivado globalmente nos dias de hoje
Dr. C. F. Chaudhari / iNaturalist
Considerada nativa da Bolívia ou norte da Argentina, a espécie Arachis hypogaea é tradicionalmente cultivada em todos os estados do Brasil, sendo o cultivo comercial mais expressivo em estados como São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Ainda segundo a organização de pesquisa, espécies como Arachis stenosperma e Arachis villosulicarpa ainda são cultivadas por comunidades indígenas brasileiras, como os Waurá e os Yawalapiti, no Parque do Xingu. Esse uso tradicional ajuda a reforçar teorias de migração e de trocas culturais entre tribos, como as pertencentes ao tronco linguístico Aruak.
A pesquisa moderna ajuda a reconstruir a jornada evolutiva do amendoim. Ferramentas como cruzamentos interespecíficos, análise de DNA e estudos citogenéticos permitem entender as relações entre as espécies silvestres e a planta cultivada.
Esses estudos não apenas contribuem a contar a história do homem e da planta, mas também abrem caminho para o melhoramento genético da semente. A introdução de genes de resistência a doenças, por exemplo, pode vir de suas “parentes selvagens”, garantindo mais segurança alimentar e sustentabilidade na produção.
Povos indígenas já cultivavam amendoim há mais de 7 mil anos
Zhital Vusitarione / iNaturalist
Uma semente que conecta culturas
Além da biologia, o amendoim serve como uma chave para entender antigas rotas culturais, como o Caminho do Peabiru – trilha usada por indígenas e posteriormente por colonizadores, que ligava o litoral paulista ao interior do continente.
Em sítios arqueológicos em São Paulo e no Mato Grosso, a presença de espécies do gênero Arachis reforça a ideia de que os povos originários carregavam e cultivavam essas sementes ao longo de suas jornadas.
“Do outro lado da história do amendoim, está a história do próprio homem, que não apenas selecionou as primeiras plantas desta espécie, direcionando parte das mudanças genéticas e evolutivas pela qual a espécie passou nestes últimos milênios, como também difundindo o amendoim pelas diversas regiões da América e, posteriormente, do mundo”, escrevem os pesquisadores no artigo “O amendoim contador de histórias”, da Embrapa.
Hoje, ao consumirmos uma porção de amendoim, é possível que estejamos saboreando mais do que um simples alimento: estamos experimentando um fragmento da história dos nossos ancestrais, das suas trocas culturais e da sua relação com a terra.
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