Por que ‘Pecadores’, de Ryan Coogler, está causando alvoroço em Hollywood?

O número ficou acima das projeções do mercado e foi impulsionado pelas críticas positivas

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Reprodução/Youtube

Em meio à avalanche de refilmagens, sequências e derivados que há pelo menos duas décadas dita a agenda de lançamentos dos cinemas, um blockbuster do qual pouco se falava, com personagens e história totalmente novos, vem chamando a atenção.Desde a sua estreia na semana passada, “Pecadores”, de Ryan Coogler, tem desafiado a lógica de mercado que pauta Hollywood nos últimos anos –inclusive o estúdio que bancou o filme, a Warner Bros.– ao alcançar resultados de bilheteria que deixariam muitos personagens conhecidos, como os super-heróis da DC, com inveja.”Pecadores” teve a maior abertura de um longa baseado numa ideia original –isto é, que não recicla personagens e cenários de outros filmes ou de livros e quadrinhos– desde a pandemia de Covid-19, que abateu as bilheterias mundo afora. Foram US$ 60 milhões em seu primeiro fim de semana, cerca de R$ 340 milhões.O número ficou acima das projeções do mercado e foi impulsionado pelas críticas positivas e por uma aprovação de 98% no Rotten Tomatoes, ferramenta que compila resenhas dos principais veículos e portais de cinema de língua inglesa. Há quem já chame “Pecadores” de um novo clássico do blockbuster americano.Na nota do público, recebeu 97% de aprovação, alcançando uma difícil sintonia entre críticos profissionais e cinéfilos no geral. “Este é um caso a ser estudado sobre como uma campanha de marketing e distribuição de um filme de alto nível pode ser potencializada pelos influenciadores mais poderosos do planeta, os espectadores”, disse Paul Dergarabedian, analista da Comscore, à revista The Hollywood Reporter.Há quem veja o aparente sucesso com ressalvas, porém. A Variety gerou polêmica e entrou numa briga com Ben Stiller, que a criticou nas redes, ao registrar a boa bilheteria de estreia, um consenso para os padrões atuais da indústria, junto ao adendo de que “uma margem de lucro continua distante”. “Em que universo uma abertura de US$ 60 milhões para um filme original gera esse tipo de manchete?”, questionou o ator.Alguns viram racismo na chamada, já que “Pecadores” é dirigido e protagonizado por artistas negros. Esta, aliás, era uma das principais barreiras que poderiam se impor ao sucesso do longa, ao atrair uma parcela demasiadamente específica de público aos cinemas. O roteiro fala de forma bastante direta sobre a segregação racial nos Estados Unidos, num momento em que Donald Trump desencoraja empresas e instituições a manter programas pró-diversidade.Não foi o caso, e Coogler repetiu o sucesso de seu “Pantera Negra”, outro que driblou a polarização em torno de pautas identitárias para conquistar um público diverso. Se na estreia de “Pecadores” mais da metade dos espectadores nas salas americanas eram negros, nos dias seguintes a balança se equilibrou, com 38% contra 35% de brancos.Também jogavam contra o sucesso de “Pecadores” sua classificação indicativa, a mais excludente dos Estados Unidos, acima de 17 anos, e o fato de ser um filme de terror, gênero que causa aversão em parte significativa do público.Michael B. Jordan, protagonista em dose dupla ao viver irmãos gêmeos no longa de vampiros, pode até ser popular, mas o resto do elenco não é nenhum chamariz de espectadores.Os números e as boas projeções para as próximas semanas podem mostrar a uma Hollywood cada vez mais resistente a aprovar grandes projetos autorais que apostas no escuro podem trazer bons resultados. Mais do que isso, “Pecadores” promete mexer também nas relações entre artistas e os grandes estúdios.Ao vender “Pecadores” para a Warner Bros., Coogler adicionou uma cláusula pouco frequente ao seu contrato, que o define como detentor dos direitos autorais do longa pelos próximos 25 anos. Ou seja, o filme não é uma propriedade da Warner Bros., como é praxe na indústria, mas de seu criador.Não é comum que produções hollywoodianas fiquem nas mãos daqueles que o conceberam, como é o caso de “De Volta para o Futuro”, de 1985, que não terá uma refilmagem enquanto seu diretor, Robert Zemeckis, estiver vivo.A existência da cláusula talvez demonstre, justamente, que a Warner Bros. não tinha tanta fé no projeto, apesar de ter liberado US$ 90 milhões de orçamento. Uma campanha de marketing tímida também corrobora a tese.Num momento em que Hollywood vive uma crise, sem saber que tipo de projeto priorizar e em que discute vigorosamente direitos de imagem e questões de propriedade intelectual, “Pecadores” deve pôr lenha na fogueira se continuar com os dentes cravados nas bilheterias.

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