Apesar de estarem entre os grupos mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, crianças e adolescentes seguem excluídos das instâncias formais de decisão sobre o tema. A avaliação é do guia Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Pauta Climática, publicado pela ANDI – Comunicação e Direitos, que alerta para a baixa incidência de representantes infantojuvenis nas negociações internacionais, mesmo com a proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro em Belém.
“As crianças e os adolescentes não estão subrepresentados somente nos documentos sobre clima, mas também nos espaços em que suas vozes, opiniões, desejos e propostas de soluções possam efetivamente ser ouvidos e levados em consideração”, afirma o documento, que se utiliza da Convenção sobre os Direitos da Criança, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal para reforçar a obrigação do Estado em garantir essa participação.
Aos 14 anos, Cristiano P., de São Paulo, diz que gostaria de participar da COP30, mas considerando que se os organizadores “realmente ouvirem os jovens, […] não só para cumprir tabela”. “Parece que a nossa opinião não conta muito, só porque a gente é novo. Mas no fim das contas é o nosso futuro que tá em jogo”, critica. A estudante paulista Luanna S., 13, tem opinião semelhante: “Eu sinto que os adolescentes não têm espaço para opinar ou participar das decisões sobre o futuro do planeta, porque muitas vezes reprimem as nossas opiniões ou as nossas participações […] muitas vezes a gente observa as coisas que os adultos não observam”.
Esse vácuo de representação também se reflete nas etapas de preparação da COP30, segundo denúncia da representante da ONG Plan International Brasil Julia Gouveia sobre a demora na divulgação de informações oficiais básicas sobre o evento – o que, segundo ela, dificulta a participação de parte da sociedade civil.
“Essa falta de coordenação entre atores, sobretudo esses atrasos que estão tendo no repasse de informações essenciais, [que] têm dificultado bastante toda essa estruturação de presença”, afirma Gouveia.
“Há uma resistência generalizada de que crianças e adolescentes não podem participar da construção política climática. Isso se dá pela falta de reconhecimento deles como sujeitos de direitos e que podem contribuir profundamente nas medidas adotadas por essas políticas”, explica, em nota, a Coalizão pelo Clima, Criança e Adolescente (Clica), que reúne 14 organizações, e classifica o espaço reservado aos jovens no debate como “simbólico, usado apenas para cumprir protocolos”.
“Os espaços de decisão da COP30 são, em sua essência, formais, burocráticos e fortemente politizados. Além disso, costumam ser ambientes institucionalmente hostis, o que torna extremamente difícil a inserção efetiva de crianças, adolescentes e jovens”, complementa a Clica.

Impacto das mudanças climáticas na juventude brasileira já afeta milhões
Mais de 40 milhões de crianças e adolescentes no Brasil vivem expostos a dois ou mais riscos ambientais, ou climáticos, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) citados no guia. Entre os perigos apontados, destacam-se a escassez hídrica, que afeta 8,6 milhões, e o risco de enchentes, presente na vida de outros 7,3 milhões.
A Pública ouviu representantes de movimentos voltados à infância e clima que alertaram impactos na educação, como escolas que permanecem fechadas no Rio Grande do Sul desde as enchentes de 2024, e a ausência de infraestrutura adequada também quando se trata de acolhimento em situações emergenciais. Segundo o guia Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Pauta Climática, ao menos 1,17 milhão de estudantes brasileiros foram afetados por enchentes ou secas apenas no ano passado.
“A gente também precisa falar sobre como a poluição atmosférica está associada às doenças cardiovasculares, pulmonares, principalmente em crianças que estão no desenvolvimento dos seus pulmões”, afirma a representante do Instituto Ar Brenda Kauane.
“Essa falta de protagonismo e escuta das juventudes também é uma espécie de angústia para eles sobre como podem construir um futuro que seja mais aberto também pros posicionamentos, identidades e pra quem eles querem ser no mundo”, diz a representante do Vertentes – Ecossistema de Saúde Mental Sofia Guimarães.
“Do ponto de vista dos gestores, sejam da área pública ou da iniciativa privada, é um segmento invisível, a criança e o adolescente. Não percebi nenhuma referência, nenhuma preocupação [em eventos oficiais recentes em São Paulo]”, complementa a representante do Instituto Árvores Vivas Marilena Flores.

Sorry: Juventude de portas abertas pero no mucho
Para a integrante da Rede Jandyras Tatianny Soares, a frustração de lidar com o risco de não participar da conferência climática da ONU é maior por se tratar de uma iniciativa no Brasil. “A gente imaginava que teria mais espaço, mais escuta, que a gente poderia estar co-construindo soluções, programações”, afirma a moradora de Belém, que ainda busca meios de se fazer presente na COP30. “Parece que eles nos colocam nos critérios: ‘a gente quer mulher, e, se possível, que seja uma mulher indígena ou uma mulher negra, periférica’. Mas você [o programa] está pedindo uma trajetória privilegiada e a gente não tem”, avalia.
A crítica se dirige especialmente ao programa Jovem Campeão Climático da COP30, lançado pelo governo federal para selecionar representantes de 18 a 35 anos para a conferência. O edital estabelece critérios como fluência em inglês, passaporte internacional válido — mesmo para brasileiros que participariam da conferência no Pará —, comprovada experiência mínima de cinco anos em temas ambientais, além de dedicação voluntária durante o evento, sem apoio financeiro.

A inscrição para o programa foi feita parcialmente em inglês e foram valorizadas experiências anteriores em eventos internacionais. “O perfil pedido não é um perfil de um jovem amazônico. […] Pra que você coloca essas questões afirmativas quando não é de fato a sua intenção cumpri-las?”, questiona Soares. “Nem todas as portas que se abrem são pra gente”, conclui.
Questionados pela Pública sobre as acusações de que o programa Jovem Campeão Climático seria excludente ao não promover acesso a pessoas sem experiência ou privilegiadas, com formações expressivas, a comunicação da COP30 e a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) responderam, em nota, que “o edital em questão se refere a um processo de chamamento público inédito na história das COPs”, que seria “bastante inovador e participativo”, mas não negaram o teor das críticas:
“O processo de designação do Jovem Campeão Climático busca designar uma pessoa que possua o conhecimento prévio sobre o tema, sobre o funcionamento das conferências e tenha capacidade autônoma de negociar diretamente com os demais países e, a partir destes requisitos, possa facilitar a participação das juventudes que nunca participaram destes espaços, não falam outro idioma e/ou estejam iniciando neste importante debate para o futuro do planeta”, justificou.