40 anos sem Tancredo Neves: políticos, especialistas e eleitores refletem sobre a importância do político na redemocratização do Brasil


Quatro décadas após sua morte, o político nascido em São João del Rei (MG) continua a ser uma referência na luta pela redemocratização. Estudiosos, autoridades e eleitores compartilham suas memórias e destacam seu papel conciliador. Tancredo Neves
Divulgação
Nesta segunda-feira (21), a morte de Tancredo Neves completa 40 anos. Um dos políticos de maior expressão no país, ele nasceu em São João del Rei (MG), foi eleito presidente da República em 1985, durante o processo de redemocratização, mas morreu antes de tomar posse, em decorrência de complicações de saúde.
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Tancredo foi escolhido por meio de eleição indireta, articulada por um colégio eleitoral que simbolizou o início da transição democrática após duas décadas de ditadura militar. Com sua morte, o vice-presidente eleito, José Sarney, assumiu a Presidência da República.
Para marcar os 40 anos da morte do político, o g1 ouviu autoridades políticas, especialistas e também eleitores, que compartilharam suas impressões sobre seu legado.
Como autoridades se recordam de Tancredo
Tancredo Neves
Célio Azevedo/Agência Senado
Mesmo quatro décadas após sua morte, Tancredo continua sendo citado como referência do processo de redemocratização do país. Entre os que destacaram seu papel histórico está o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
“Tancredo Neves foi acima de tudo um democrata. Um homem público com talento extraordinário para a negociação e a conciliação. Tive a honra de dividir o palanque das Diretas Já com Tancredo e outras importantes lideranças políticas, numa página da nossa história em que a luta pela redemocratização estava acima das divergências partidárias ou ideológicas. Nesse momento em que a extrema direita ameaça o Estado de Direito, a memória de Tancredo Neves nos inspira a buscar a harmonia entre as instituições e a união de todos os brasileiros, em defesa da democracia e da construção de um Brasil cada vez desenvolvido e mais justo.”
Rodrigo Pacheco, Senador (PSD-MG) – “Se pudéssemos personificar o sentimento de orgulho inequívoco proporcionado pela redemocratização, o mineiro Tancredo Neves encarnaria esse papel. Outros homens e mulheres foram primordiais na luta contra a ditadura, mas Tancredo materializou a tão aguardada transição quando da sua eleição para a Presidência da República. Sempre aberto ao diálogo, ao entendimento e ao arrefecimento dos antagonismos, Tancredo tornou-se um estadista que continuamente nos inspira a mantermos nossa vigília em prol da democracia brasileira.”
Aécio Neves (PSDB), deputado federal e neto de Tancredo – “Eu costumo dizer que Tancredo era uma mistura de duas personalidades: uma do conciliador, do homem afável no trato, sempre disposto a ouvir opiniões contrárias e que passou muito essa imagem para a história, a do grande conciliador. Isso foi essencial ao Brasil. Mas Tancredo era também um homem de uma coragem pessoal poucas vezes vista. E demonstrou isso ao longo da sua vida. Quando o ministro da Justiça do presidente Getúlio, com apenas 42 anos de idade, por exemplo, quando parte do ministério já se rebelava contra a Constituição e contra a continuidade do presidente Getúlio, na última reunião ministerial, ele pede licença ao presidente Getúlio para sair dali e prender o ministro da Guerra que já se aliava a aqueles que queriam a deposição do presidente Getúlio. Um dos ministros presentes disse para Tancredo ser loucura: “Você pode ser morto”. E ele respondeu: “Existem poucas oportunidades de morrer por uma boa causa e essa é uma delas. Então, essa coragem pessoal aliada à sua cultura, ao seu preparo e à sua capacidade de conciliação fizeram dele realmente um político especial e que estaria vendo com muito desalento o que ocorre hoje no Brasil, onde a política do diálogo, a política do convencimento deu lugar à política da ofensa, do ataque gratuito, da tentativa de derrotar o seu adversário de qualquer forma, e não de construir uma agenda para o país. Infelizmente, o Brasil vive hoje a falta de homens públicos como Tancredo e tantos outros, como Ulysses, como Teotônio, que ajudaram o Brasil a superar aquela quadra de extrema dificuldade.”
Prefeitos mineiros, de várias regiões do estado, também comentaram sobre o papel dele na política:
Aurélio Suenes, prefeito de São João del Rei – “Tancredo Neves não foi apenas um político; ele foi um verdadeiro farol de esperança e união para o nosso país. Em sua trajetória marcada pelo espírito conciliador e pela busca incessante pelo diálogo, ele abriu caminho para a redemocratização do Brasil, mostrando que a política, quando feita com ética e compromisso, pode transformar sonhos em realidade. Para nós, sanjoanenses, e para os políticos de hoje, Tancredo é uma referência inestimável — um exemplo de coragem, sabedoria e integridade que nos inspira a construir pontes, a valorizar as diferenças e a colocar o bem-estar da população acima de interesses pessoais.”
Paulo Sérgio, prefeito de Uberlândia – “O Tancredo Neves teve um papel importantíssimo na transição democrática brasileira. Não só pela sua história nesse período, mas também pelo que ele representou para o País. Apesar de, infelizmente, não poder ter exercido o papel de Presidente da República, sua história e suas lutas pela democracia geraram e geram frutos até hoje. Foi uma personalidade muito relevante politicamente para o nosso país e um dos políticos mais importantes do estado de Minas Gerais, representando a mineirice, a habilidade de conversar, de dialogar, de ouvir as diferentes opiniões e de propor transformações na sociedade através do que verdadeiramente é política. É uma característica que me inspirou na adolescência e que hoje procuro imprimir nas minhas relações.”
Elisa Araújo, prefeita de Uberaba – “Tancredo Neves foi uma das mais expressivas lideranças políticas da história do Brasil. Habilidoso, soube conduzir, com coragem e articulação, o país pelo caminho da redemocratização, em um dos períodos mais decisivos da nossa trajetória republicana. Ele representa um marco fundamental na história do país. Passadas quatro décadas de sua partida, seguimos inspirados por sua visão de um Brasil plural, justo e comprometido, pautado pela sensatez e pelo diálogo. O legado dele ultrapassa o tempo e permanece vivo como símbolo da transição pacífica e democrática. Como prefeita de Uberaba, reverencio com respeito e gratidão, lembrando o valor da política feita com responsabilidade, escuta e espírito público — princípios que continuam a nos inspirar na gestão da nossa cidade.”
Gleidson Azevedo, prefeito de Divinópolis – “Me inspiro em Tancredo Neves, que foi um dos líderes políticos mais influentes do país e esperança de mudanças. Assim como ele, também luto pelo respeito à democracia, pela justiça social e pelo desenvolvimento econômico. Assim como transcrevo, minha missão é deixar um legado de transformação e dignidade para toda população de Divinópolis!”
Janete Aparecida, vice-prefeita de Divinópolis – “Tancredo Neves, político conciliador, que usou sua habilidade e dinamismo para vencer as eleições de 1985, mesmo de forma indireta, e transformou os rumos da política brasileira com o retorno de um civil à presidência da República e devolvendo a todos nós a democracia desejada. Ainda que levado pela morte, deixou para todos nós o legado de que política se faz com diálogo.”
Tancredo Neves
Célio Azevedo/Agência Senado
A importância política de Tancredo Neves
O professor Fernando Perlatto, do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), relembrou a trajetória de Tancredo, iniciada ainda jovem. “Ele começou como vereador em São João del Rei e ocupou diversos cargos, como deputado federal, ministro da Justiça e governador de Minas Gerais”, afirmou.
Na avaliação dele, o papel conciliador, marcado pela capacidade de negociação, foi um dos elementos mais importantes nos passos de Tancredo.
“Isso permitiu que ele transitasse bem por diferentes momentos da história, adquirindo experiência política e se projetando como uma figura importante na República Brasileira”, avaliou o historiador, que também relembrou do poder de negociação em vez do enfrentamento, uma tradição política de Minas Gerais.
Segundo o historiador, o perfil conciliador e a habilidade de negociação foram elementos centrais na atuação de Tancredo. Essa característica o tornou uma figura de destaque nas Diretas Já e, depois, na eleição indireta, quando foi visto como uma opção moderada, capaz de unir grupos divergentes, inclusive setores que apoiaram a ditadura.
Ainda de acordo com Perlatto, caso tivesse assumido o cargo, Tancredo provavelmente teria exercido um mandato legitimado, graças à sua aceitação política à época.
O historiador Sebastião Vianney, de Uberlândia, ressaltou o compromisso de Tancredo com a democracia e sua habilidade de articulação. “Tancredo participou de dois momentos históricos de redemocratização: o primeiro no fim do Estado Novo (1937–1945) e o segundo durante a ditadura militar, culminando no processo de abertura que levou ao fim do regime em 1985.”
A ‘costura política’ do mineiro
A visão sobre seu perfil moderado também é compartilhada por outros estudiosos. O doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Paulo Roberto Leal, destacou que, ao longo da carreira, Tancredo adotou posições centristas e construiu pontes entre opositores da ditadura e antigos aliados do regime militar.
“Tancredo foi visto como um denominador comum entre diferentes grupos políticos, o que o tornou uma figura importante no processo de transição”, analisou.
Leal reforçou que, apesar das diferenças ideológicas entre as lideranças da época, havia uma percepção comum sobre a ilegitimidade do regime. “E isso talvez seja a lição que deve ficar na nossa memória”, disse.
“Ditaduras matam, torturam e cerceiam direitos. Quem defende valores democráticos, independentemente da ideologia, deve se opor a essas posturas. No contexto atual, quando se discute a anistia para quem tentou dar um golpe, não podemos esquecer o que foi o período terrível da ditadura brasileira de 21 anos.”
Memórias de eleitores
Tancredo ainda é lembrado por quem viveu aquele período. Eduardo Macedo de Oliveira, morador de Uberlândia e ex-atleta de natação, recorda o momento em que o mineiro foi eleito.
“Morava em Belo Horizonte quando Tancredo foi eleito para presidente. Eu era atleta de natação no Minas Tênis Clube e morava a poucos metros da Praça da Liberdade e Palácio da Liberdade. Foi emocionante e inesquecível, pois a vibração de todos era impressionante”.
Eduardo Macedo de Oliveira, ex-atleta de natação
Arquivo Pessoal
José Carlos Rienda Silva, ex-funcionário da extinta Rede Ferroviária também acompanhou a trajetória do político.
“As pessoas gostavam do Tancredo Neves, tanto é que ele foi governador de Minas Gerais, deputado e Ministro da Justiça. Eu vim acompanhando isso, desde 1961, desde a época do João Goulart, desde a época do Juscelino”, recordou-se.
José Carlos Rienda Silva, ex-funcionário da extinta Rede Ferroviária
Arquivo Pessoal
Programação especial em São João del Rei
A segunda-feira, que marca os 40 anos da morte de Tancredo, terá homenagens em São João del Rei, com quatro eventos oficiais.
Entre os convidados que já confirmaram presença, estão o ex-presidente da República José Sarney e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Confira a programação:
10h30 – Missa Solene na Igreja de São Francisco de Assis
11h45 – Visita ao túmulo do presidente
12h30 – Reabertura do Memorial Tancredo Neves
13h15 – Almoço – Solar do Presidente
Enterro de Tancredo Neves mobilizou país em 21 de abril de 1985
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