O que acontece com o corpo ao ficar dias sem comer, como no caso de Glauber Braga

Glauber Braga (PSOL-RJ) fez uma greve de fome de oito dias

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Ascom/Divulgação

Após uma semana sem comer, o corpo entra em estado de emergência metabólica. O açúcar estocado (glicogênio) já se esgotou, e o cérebro passa a viver basicamente de corpos cetônicos -substâncias produzidas pelo fígado quando já não há glicose suficiente disponível para gerar energia. O metabolismo desacelera, e surgem sintomas como frio, fraqueza e cansaço.Podem ter sido esses os sintomas que o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) sentiu após fazer uma greve de fome de oito dias em protesto contra a cassação que enfrenta na Câmara. Ele foi acusado pelo Partido Novo de quebra de decoro por agredir um militante do MBL. Ingerindo apenas isotônicos e soro, o político estava sendo monitorado por profissionais de saúde e passou por exames frequentes.Com início em 9 de abril, o jejum acabou nesta quinta-feira (17), após o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), concordar com uma negociação para suspender o processo de cassação contra Glauber por 60 dias, empurrando eventual votação no plenário para o segundo semestre.Segundo especialistas, nas primeiras 24 h de jejum, o corpo consome as reservas de glicogênio. A gordura corporal se torna, então, a principal fonte de energia por meio da cetogênese, processo em que o fígado transforma gordura em corpos cetônicos.O excesso dessas substâncias é eliminado pela urina e pela respiração. “Tanto que você começa a ficar com um hálito mais forte, um hálito cetônico”, afirma o endocrinologista Ricardo Barroso, diretor da Sbem-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional São Paulo).Após 72 h, inicia-se a fase de inanição, que pode se estender por semanas, dependendo das reservas energéticas. “O limite médio de sobrevivência sem ingestão calórica, mas com hidratação, varia entre 30 e 60 dias, conforme IMC [Índice de Massa Corporal], estado de saúde e ambiente”, afirma a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).Entre cinco e seis dias de jejum, o corpo reduz o uso de proteínas como fonte primária de energia, priorizando corpos cetônicos e ácidos graxos. A prioridade passa a ser economizar reservas, especialmente as proteínas musculares. Isso pode levar à perda de 300 g a 600 g de massa muscular, dependendo da composição corporal e das reservas iniciais.No caso de Glauber Braga, que estava se hidratando, o endocrinologista afirma que “líquidos com eletrólitos conseguem suprir a função de hidratação e minimizar os efeitos de médio ou, às vezes, longo prazo”.Durante a restrição alimentar, os primeiros órgãos a ser afetados são os rins, devido ao desequilíbrio hidroeletrolítico e à desidratação. Isso ocorre porque grande parte da água e dos eletrólitos vem da alimentação, inclusive de alimentos sólidos. Mesmo com reposição líquida, não é possível compensar totalmente essas perdas.O coração e o cérebro também sofrem. O primeiro pela falta de energia e o segundo por alterações metabólicas, o que pode causar fraqueza e mudanças de humor e de disposição. Com o tempo, o fígado também é impactado, pois ele é o órgão responsável por gerar energia a partir das reservas do corpo.Quando essas reservas se esgotam, o fígado começa a sofrer danos mais sérios, como inflamações causadas por estresse oxidativo, morte de células hepáticas e dificuldade para manter a produção de glicose -o que pode levar à hipoglicemia e, em casos severos, à insuficiência hepática.A reposição de líquidos com eletrólitos não é suficiente para manter o funcionamento pleno do organismo. “Eles suprem aquela necessidade imediata de evitar a desidratação e o desequilíbrio hidroeletrolítico, que poderia causar alterações fatais em poucos dias -às vezes em três ou quatro dias, se não fosse feita essa reposição de água e eletrólitos”, diz o médico.O sistema imunológico também é afetado nesse período, que é quando ocorre a imunossupressão, redução da produção de células T e B, linfopenia e diminuição de mediadores inflamatórios. “A barreira intestinal também enfraquece, aumentando risco de infecções. Após cinco a dez dias, o risco de infecção grave cresce substancialmente”, explica a nutróloga.As consequências são significativas, com alterações metabólicas, queda nos níveis de glicose e perda muscular notável. Embora a diminuição da massa magra seja mais intensa no início, ela tende a se estabilizar com o tempo.Ao entrar em estado de inanição, “os órgãos vão entrando em falência por não terem mais nada com que se nutrir. O cérebro, o coração, os rins, começam a parar”, explica o endocrinologista. Se o corpo ficar 10 dias sem alimentação, entra em inanição metabólica, completa Marcella Garcez, diretora da Abran.A nutróloga reforça que a forma mais segura de interromper um jejum prolongado é com a reintrodução gradual de alimentos, começando por líquidos ricos em eletrólitos, como caldos claros com sódio e potássio. Após 12 a 24 h, podem ser incluídos alimentos de fácil digestão, como purês, frutas cozidas e arroz branco -sempre sem gordura ou açúcar.É importante evitar o consumo de grandes quantidades de carboidratos simples, pois isso pode desencadear a síndrome da realimentação. Em jejuns superiores a 72 h, o acompanhamento médico é essencial para garantir uma recuperação segura e equilibrada.Ricardo Barroso lembra ainda o caso de Angus Barbieri, que entrou para o Guinness Book em 1971 como a pessoa que ficou mais tempo em jejum: foram 382 dias sem comer.”Com acompanhamento médico, ele estava internado em um hospital e recebeu reposição de minerais, eletrólitos e vitaminas. Com isso, conseguiu perder peso durante o tratamento, mas é algo que não se recomenda, nem se faz de rotina”, frisa o endocrinologista.

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