
Indígenas do povo Pémon, os irmãos Santiago, Luis e Greccia Páez formam o trio musical em que a filosofia artística se baseia na diversidade cultural das comunidades originárias, uma das questões celebradas neste dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas. Eles conectam musica e migração. Trio de irmãos indígenas da Venezuela une tradição ancestral com sinfonias clássicas
“A música é um tesouro universal, ela serve para nos unir”. Essa é a filosofia dos irmãos Santiago Valentin Palma Páez, de 28 anos, Luis Palma Páez, de 26, e Greccia Palma Páez, de 21. Juntos, eles formam o Trio Pémon, com repertório que transita das canções tradicionais do povo Pémon a clássicos da música europeia, como Bach e Beethoven. Indígenas da Venezuela, apostam no som e na arte como formas de romper fronteiras e aproximar culturas ancestrais – especialmente com o Brasil, onde vivem atualmente.
Eles são indígenas da comunidade Manacru, localizada na região Sul da Venezuela — próxima à cidade de Santa Elena de Uairén, na fronteira com Roraima. Originários do povo Pémon — homenageado no nome do trio —, os irmãos chegaram a Boa Vista, capital de Roraima, em 2022. Desde então, têm se dedicado a fortalecer e difundir a cultura por meio da música em todo o país.
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Neste sábado (19), Dia dos Povos Indígenas, é celebrada a diversidade cultural das comunidades originárias — e é por meio da música que o trio se conecta com o mundo, reforçando uma identidade coletiva marcada por história, cultura e ancestralidade.
“A universalidade do nosso som está até no significado do nosso nome: Pémon. É um nome geral para vários povos, e significa ‘pessoa’. São vários povos indígenas que compõem nosso povo. Quem canta as músicas antigas saberá que elas já foram compartilhadas há muito tempo em terras de Makunaima”.
“É sobre ensinar e lembrar que há muito tempo todos eram só um povo unido mas separados por linhas imaginárias”, disse Santiago Valentin, membro do Trio Pémon.
🎹 Música e migração
A história deles se entrelaça com a de outras centenas de famílias indígenas que migraram para o Brasil. Eles estão entre as 464 famílias indígenas venezuelanas que vivem atualmente nos municípios de Roraima, segundo dados mais recentes da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Roraima se destaca por apresentar a maior diversidade de povos indígenas vindos da Venezuela, sendo um dos estado brasileiro onde esses povos se estabelecem sem seguir para outras regiões do país. Apenas do povo Pémon, ao qual pertencem os irmãos músicos, mais de 69 famílias vivem hoje no estado, de acordo com o estudo.
A proposta do trio é criar fusões musicais que reflitam o contexto da migração indígena para Roraima. Para isso, cada irmão desempenha um papel fundamental na construção dessa sonoridade: Greccia assume o violoncelo, Luis se dedica à viola, e Santiago, o multi-instrumentista, transita entre o piano, o violão e também o violoncelo, conforme a música pede.
Nas apresentações, eles tecem uma harmonia que resgata as raízes dos povos indígenas e transforma a vivência migratória em expressão artística.
“A gente não quer apagar a raiz, quer mostrar que ela continua viva, mesmo quando se mistura com outros instrumentos”, completa Luis.
No início de abril, mês em que se celebra o Dia dos Povos Indígenas, o trio lançou primeiro videoclipe para a música, “Wakü pe nak apororo nai”. A canção é originária do povo Pémon e os irmãos fizeram uma adaptação que mistura as raízes com os sons de instrumentos clássicos como a viola, o violino e o violoncelo.
Queremos unir a música da nossa ancestralidade como as outras técnicas e estilos que aprendemos enquanto continuamos a estudar
Gravado no igarapé Água Boa, em Boa Vista, o vídeo mostra cenas dos irmãos com os instrumentos em meio à paisagem amazônica típica do estado. A ideia do vídeo é levar e adaptar a cultura da comunidade para o público geral. Assista abaixo:
🎻 Início de tudo
Os irmãos Pémon vieram da Venezuela para Roraima convidados a integrar uma orquestra indígena. Embora o projeto não tenha se concretizado, eles encontraram maneiras de continuar mantendo vivas as tradições do povo por meio da arte da música.
Greccia é a irmã mais nova e que começou primeiro na música, quando tinha apenas 6 anos. Ela fez parte de um programa na Venezuela que incentiva jovens a aprender instrumentos de orquestra.
À época, ela tocava flauta doce ao lado de Luis, que tinha 11 anos. Ele começou a participar dos ensaios quase por acaso — acompanhava a irmã como quem só iria levar, mas acabou sendo envolvido pela música, e uma coisa levou à outra.
Greccia Páez no clipe ‘Wakü pe nak apororo nai’
Reprodução/YouTube: @TrioPémon
“Minha trajetória na música começou cedo e dura até hoje. É como se fosse uma paixão de criança. Hoje, é o que me une com os meus irmãos”, disse Greccia.
Ambos aprofundaram os estudos e atualmente tocam instrumentos totalmente diferentes dos que iniciaram eles no mundo da música. Greccia toca violoncelo e Luis toca Viola.
“Eu ia para as aulas junto com a Greccia, já que ela era muito nova para ir sozinha. Eu fui da flauta doce para a viola e uma coisa foi levando à outra”, disse Luis.
Santiago Páez no clipe no clipe ‘Wakü pe nak apororo nai’
Reprodução/YouTube: @TrioPémon
Santiago seguiu um caminho diferente dos irmãos. Aos 12 anos, chegou em Boa Vista para tratar de uma apendicite e, durante a recuperação, acabou se encantando com os livros de teoria musical da mãe.
Desde então, nunca mais deixou de estudar ou praticar. Hoje, além de tocar violão, piano e outros instrumentos, também atua como professor de música.
Luis Páez no clipe ‘Wakü pe nak apororo nai’
Reprodução/YouTube: @TrioPémon
Luis e Santiago sempre transitaram entre o Brasil e a Venezuela, realizando shows e apresentações — especialmente em Pacaraima, região de fronteira entre os dois países. Em 2022, foram convidados a integrar uma orquestra formada exclusivamente por músicos indígenas, em Boa Vista.
A partir daí, passaram a viver no Brasil e, um ano depois, Greccia também se juntou aos irmãos para fazer parte da orquestra.
“Migramos porque tivemos uma oportunidade de buscar novos desafios e nos aperfeiçoar na música”, disse Luis ao g1.
🎶 Estilo, raízes e adaptações
Cena do clipe ‘Wakü pe nak apororo nai’
Reprodução/YouTube: @TrioPémon
O repertório dos irmãos é diverso: vai de músicas indígenas, sinfonias clássicas, rock e, claro música popular brasileira — sempre com uma pitada de tradição. Para eles, a música é o que os une, independentemente da geração ou nacionalidade.
Interpretar canções com novas técnicas e sonoridades é uma forma de compartilhar esse “presente”, mas, segundo os irmãos, o mais importante é respeitar a origem da música, o estilo e o ritmo.
“Se eu colocar um violão nessa música indígena, ela deixa de ser indígena? Muitas pessoas tem opiniões diferentes sobre isso, mas o que fazemos é interpretar e deixar nossa identidade nessas músicas”, afirma Santiago.
A proposta dos irmãos, portanto, não é reinventar as canções, mas sim dialogar com elas — como se cada nota fosse uma ponte entre o passado e o presente. O resultado é um som que carrega tanto a ancestralidade quanto a vivência contemporânea.
🎼 Música rompendo fronteiras
Santiago se apresentando no evento “Esquina Livre”
Arquivo Pessoal
Atualmente Luis e Santiago trabalham e moram juntos na capital de Roraima. Santiago é professor de música, Luis atua como artista plástico e estuda artes da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Greccia está morado em Joinville, no estado de Santa Catarina, para estudar relações internacionais. Lá, ela trabalha como jovem aprendiz em uma empresa do ramo de metais.
Santiago trabalha totalmente com música, sendo professor de instrumentos, fazendo arranjos para outras bandas e também com apresentações e shows próprios.
Luis e Greccia se apresentando no evento “Esquina Livre”
Arquivo Pessoal
Luis, assim como seu irmão, também faz algumas apresentações e como artista plástico faz retratos e artes para diversos projetos e pessoas, vive da música e artes plásticas.
Mesmo vivendo em lugares diferentes, os irmãos seguem encontrando maneiras de se reunir e gravar juntos, mantendo viva a conexão através da música.
Quando a saudade bate e surge um tempo livre, Santiago e Luis costumam visitar os familiares na Venezuela, já que a comunidade fica 3 horas de distância de Boa Vista.
🎙️ Planos para o futuro
World Tour? Disco de Platina? Apesar da música ser a paixão que une os três irmãos, cada um também tem seus pés em outros estilos de arte assim como planos únicos para o futuro. Apesar disso, todos eles têm um interesse em comum: seguir se aperfeiçoando na música.
Greccia, Luis e Santiago quando se apresentaram no evento “Esquina Livre”
Arquivo pessoal
Santiago quer incentivar os jovens a entrar no mundo da música e conhecer as tradições desse meio. Ele também quer fazer produções audiovisuais, gravando mais videoclipes, e espera usar a arte em aulas para ensinar sobre a ancestralidade.
“Quero que essa material possa ser usado em aulas, mostrando como mesmo com outros instrumentos incluídos ainda faz parte de uma identidade, que essa melodia e ritmo são originais de um povo” contou Santiago.
Greccia atualmente foca mais nos estudos e confessa que tem desejo de voltar a tocar em uma orquestra.
“Meus planos por enquanto são apenas me aperfeiçoar e continuar estudando música. Também gostaria de tocar novamente em uma orquestra um dia, é algo que eu realmente amo” disse ela.
Luis quer se aperfeiçoar tanto na música, quanto nas artes plásticas. A ideia dele é chamar a atenção dos jovens das comunidades indígenas para a própria cultura. Segundo ele, muitos jovens Pémon tem tem vergonha das origens e, por meio da arte, ele deseja que retomar o orgulho dos mais novos.
“Quero que eles vejam como é interessante, que eles se identifiquem. Como músico e artista plástico, quero recuperar o orgulho dos mais jovens em nossos valores e cultura” contou Luis.
*Estagiário sob supervisão de Caíque Rodrigues, do g1 RR
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