Por Flávio Chaves*
Ninguém ensina a levantar depois de um amor que partiu. Ensinaram a cair. A se jogar sem rede, a amar com os olhos fechados, a acreditar no “pra sempre” como se fosse cláusula contratual. Ensinaram a sonhar com domingos de preguiça a dois, cafés da manhã com riso, abraços que curam. Mas o depois? O depois é terra devastada. É escombro emocional. É ruído de silêncio dentro de casa. É ter que conviver com a ausência como se fosse inquilina.
Você acorda e não sabe o que fazer com os braços que perderam o destino. Com as mãos que antes sabiam o caminho do rosto amado, mas agora só tremem no ar, tentando alcançar o que não está mais. Não sabe onde guardar a voz, o cheiro, as promessas. O corpo ainda dorme virado pro lado de quem já não está. E a cama inteira parece um campo de batalha: de um lado, a lembrança; do outro, o que sobrou de você.
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O mundo não para. E é aí que vem o gesto mais brutalmente corajoso: levantar.
Levantar com o peito afundado. Com a alma puxando a coberta pra não sair. Levantar mesmo sem acreditar que algo vai melhorar. Não por força. Por necessidade. Porque o relógio roda, a comida esfria, o trabalho chama, a vida exige presença mesmo quando tudo dentro de você está em greve. Levantar é tomar banho com o rosto encharcado de lágrimas e ninguém saber se é água do chuveiro ou do coração. É engolir o café com gosto de abandono. É sorrir no elevador com os olhos vermelhos da insônia. É responder “tudo bem” com a voz baixa e os dedos trêmulos.
Levantar é organizar a casa sem saber onde guardar a ausência. É abrir a geladeira e ver que o suco que ele gostava ainda está ali. É dobrar uma camiseta esquecida e não saber se guarda ou se cheira mais uma vez. É se obrigar a viver quando tudo dentro implora por um pouco mais de luto.
Mas aos poucos – aos lentos e tortos poucos – a gente reaprende.
Reaprende a respirar sem chorar. A sair sem olhar o celular esperando uma mensagem. A fazer compras sem pegar dois iogurtes por reflexo. A voltar pra casa e não sentir o coração despencar na porta. A cozinhar sem mesa posta pra dois. A dormir sem escutar a respiração do outro dividindo a noite.
E então, de repente, num dia qualquer, você se vê rindo. E essa risada não vem acompanhada de culpa. Nem de comparação. Ela vem limpa. Vem sua. Vem nova. E nesse riso, você percebe: não esqueceu, mas sobreviveu.
E isso já é muito.
Porque levantar depois de amar é o ato mais íntimo de resistência. É declarar ao mundo – e ao espelho – que mesmo ferido, você ainda é capaz de andar. Mesmo estilhaçado, ainda é inteiro o suficiente pra seguir. E continuar, meu amigo, é um milagre sem plateia. É um show pra ninguém. Mas é também o começo de tudo o que pode, um dia, voltar a ser amor – por você mesmo.
*Jornalista
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