Por ciúme, o latin lover Vargas Llosa nocauteou Gabriel García Márquez

Autor de “Ulisses”, o escritor irlandês James Joyce é citado em seis páginas do livro “Gabriel García Márquez — Uma Vida” (Ediouro, 814 páginas, tradução de Cordelia Magalhães), do professor inglês Gerald Martin. Como li apenas excertos do cartapácio, sobretudo sobre “Cem Anos de Solidão” e “O Amor Nos Tempos do Cólera” (o quem-é-quem nas histórias é revelador, mas a crítica estético-literária de Gerald Martin é de uma pobreza haitiana), principais romances do escritor colombiano, consultei o índice de nomes e percebi que não são citados Machado de Assis, Henry James, Marcel Proust (exceto na introdução, mas não pelo biografado), Thomas Mann, Guimarães Rosa, José Lezama Lima e Virgilio Piñera (de Cuba aparentemente só interessa a dinastia Castro). Significa que García Márquez não os leu ou não os considera importantes? O biógrafo é omisso. O mais provável é que tenha lido.

No aspecto da fofoca-verdadeira esperava-se que Gerald Martin esclarecesse, de vez, a razão da inimizade entre García Márquez e o escritor peruano Mario Vargas Llosa. Em fevereiro de 1976, no México, o colombiano e Vargas Llosa compareceram para assistir à première do filme “Os Sobreviventes dos Andes” (o roteiro é do autor de “Travessuras da Menina Má”).

Ao abraçar o boxeador amador Vargas Llosa, chamando-o de “irmão”, García Márquez levou um soco no rosto e caiu, semiconsciente.

Satisfeito com o nocaute, Vargas Llosa gritou: “Isso é pelo que disse a Patricia” (mulher do escritor peruano). Outra versão: “Isso é pelo que fez a Patricia”.

Gerald Martin é econômico ao narrar o “caso”, mas sugere que, em meados dos anos 1970, o casamento de Vargas Llosa e Patricia Llosa estava em crise e o mui amigo García Márquez decidiu aconselhá-la.

García Márquez, Jorge Edwards, Vargas Llosa, Carmen Balcells, José Donoso e Ricardo Muñoz Suay: escritores e a agente literária que articulou o boom literário | Foto: Reprodução

Não fica claro por qual razão o biógrafo escreve que a sra. Llosa “estava ressentida e perturbada”, mas comentou-se, à época, que Vargas Llosa, tido como latin lover, mantinha relacionamentos amorosos com outras mulheres, o que irritava sua companheira. O discreto (e tudo que se pede a um biógrafo é que seja indiscreto) Gerald Martin, citando “outros”, que não são explicitados nem nas notas, relata que Gabo teria aconselhado a sra. Llosa a providenciar o divórcio.

De novo citando “outros”, Gerald Martin sugere que “o conforto foi mais direto”. Não é esclarecido se “direto” quer dizer que García Márquez “cantou” a sra. Llosa ou se tiveram algum relacionamento.

A sra. Llosa teria “começado” o affair com Gabo para se vingar do marido namorador? Por que o autor de “Cem Anos de Solidão” foi o escolhido, se era baixinho e feio? Porque era mais famoso do que o marido e os dois sempre foram rivais, em termos literários? Como o peruano, García Márquez sempre foi um paquerador inveterado. “É evidente que Mario concluiu que García Márquez colocara a preocupação por Patrícia na frente da amizade entre os dois”, aposta Gerald Martin.

Mario Vargas Llosa e Patricia Llosa: casamento longevo com crises intermitentes | Foto: Reprodução

Claramente favorável a García Márquez, como escritor e indivíduo, Gerald Martin tenta interpretar outra “motivação” de Vargas Llosa: “Por trás do evidente sentimento de traição de Vargas Llosa, pode ter se ocultado uma ansiedade de que o pequeno colombiano pouco sedutor estivesse se saindo melhor do que a encomenda. O próprio sucesso literário, extraordinário e bem-merecido, e a fina estampa de belos traços de Mario não eram suficientes em si mesmos — talvez a única arma que lhe restara fosse o soco poderoso. (…) Não importa quão bem Mario escrevesse, era sobre García Márquez que os jornais e o público queriam saber”.

Gerald Martin insinua que Vargas Llosa tinha inveja de García Márquez, do sucesso de sua obra, mas é contraditório, pois admite o próprio sucesso de Llosa — respeitado como prosador e crítico literário.

Tempos depois, Vargas Llosa e sua mulher se reconciliaram. Os escritores não se falam há mais de 30 anos. Recentemente, o autor do belo romance “Conversa no Catedral” autorizou a republicação de um ensaio sobre “Cem Anos de Solidão” — o que sinaliza uma détente. Talvez porque García Márquez está doente, senil.

Ao comparar o sucesso dos dois autores, Gerald Martin parece datado, pois o quadro mudou.

Depois dos mais recentes insucessos literários, e apesar da qualidade indiscutível de “Cem Anos de Solidão” e “O Amor nos Tempos do Cólera”, García Márquez anda fora de moda. Vargas Llosa, pelo contrário, é um dos autores mais comentados na Europa e nos Estados Unidos, como romancista e crítico literário.

Ao organizar “A Cultura do Romance” (Cosacnaify, 1120 páginas, tradução de Denise Bottmann), magnífica coletânea de ensaios, o crítico italiano Franco Moretti (também traduzido pelo professor Anselmo Pessoa, da Universidade Federal de Goiás) convocou Vargas Llosa para abrir o primeiro volume, com um artigo que não fica nada a dever aos textos dos maiores especialistas em literatura que colaboram na obra.

Politicamente, Vargas Llosa é democrata, enquanto García Márquez morre de amores por ditadores, como Fidel Castro e seu escravo mental, Raúl Castro. Quem ficou melhor na fita? Quem ama ditadores, de esquerda ou de direita, nunca fica bem na história. Curiosamente, a esquerda não aprecia o peruano, por considerá-lo de direita.

Em termos políticos, Gerald Martin é “alienado” (as aspas sugerem dúvida) e parece não entender bem o que acontece em Cuba e no mundo. Sua paixão desmedida pelo autor da excelente novela “Ninguém Escreve ao Coronel” turva sua mente. De resto, em termos estritamente políticos, García Márquez é quase tão canalha quanto o francês Louis-Ferdinand Céline. Mas, putz!, como escrevem bem. São, como escritores, admiráveis.

Texto publicado no Jornal Opção em julho de 2012

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