Com doença rara, menina de 8 anos já passou por 12 cirurgias e sonha ser médica: ‘Sempre tem uma razão para viver’; VÍDEO


Júlia Ferreira Geremias, de São Carlos (SP), nasceu com condição conhecida como megacólon congênito e, mesmo com dores e dificuldades, ensina sobre como ter leveza na vida. Menina de 8 anos com doença rara no intestino sonha ser médica após 12 cirurgias em SP
Até onde vai a força de uma criança? Para a moradora de São Carlos (SP) Júlia Ferreira Geremias, de 8 anos, o verbo lutar é parte da própria história desde o início. Reclamar, não, ainda que dor e dificuldades também sejam palavras presentes.
A menina nasceu com a doença de Hirschsprung, também conhecida como megacólon congênito, uma condição rara que afeta o funcionamento do intestino. A doença afeta 1 em cada 5 mil nascidos vivos. De 2016 para cá, foram 12 cirurgias e uma verdadeira batalha pela vida, o que não significa falta de alegria, sorrisos e sonhos.
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Quando Júlia nasceu, a mãe, Michele Ferreira Geremias, notou que, dois dias depois, ela não evacuava e apresentava vômitos escuros. Menos de uma semana após o nascimento, diante da suspeita da doença, foi necessária a primeira cirurgia.
“Nesses anos todos, a Júlia precisou abrir a barriga inúmeras vezes. Com seis dias de vida, já colocaram a bolsinha de colostomia porque o intestino dela estava muito grande, dilatado. Aí, quando ela tinha oito meses, fizeram uma biópsia e confirmaram a doença”, lembrou.
Júlia Ferreira Geremias, de São Carlos (SP), não tira o sorriso do rosto mesmo em meio às dificuldades
Arquivo Pessoal
Em meio a tantas intervenções, Júlia passou alguns períodos sem poder se alimentar normalmente pela boca. Ela, inclusive, precisou retirar todo o intestino grosso e uma parte do íleo, que fica na parte final do intestino delgado e, entre outras funções, serve para absorver nutrientes.
Depois da última cirurgia, feita no Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil (Gpaci), em Sorocaba, a menina voltou a usar bolsinha de colostomia pela terceira vez na vida.
“Agora, como ela tirou todo o intestino grosso e uma parte do íleo, se ela tirar a bolsinha, fica incontinente, com fezes líquidas e perdendo bastante quantidade. Aí eu falei: ‘entre você usar fralda e usar a bolsinha, eu acho mais confortável a bolsinha’. Só que está na pele dela, né? Agora ela está grandinha, já entende, vai saber o que é melhor. Graças a Deus, do jeito que está, não tira a liberdade de ser uma criança como todas as outras”, disse Michele.
Essa decisão não precisa ser imediata. O momento é de recuperação. Tanto que ela tem viajado semanalmente a Sorocaba para continuar recebendo acompanhamento médico e uma assistência mais próxima da equipe responsável pela última cirurgia.
Uma mudança também não está descartada. Aliás, ela até foi matriculada em uma escola da cidade para receber atividades que possa fazer em casa durante os 120 dias de afastamento.
“Ela nos ensina muito o tempo todo. A maneira que trata as pessoas, como se preocupa comigo também. Está numa situação em que toda a atenção deveria ser para ela e, mesmo assim, às vezes olha e fala: ‘mãe, por que você está com essa cara, o que está acontecendo, você está triste?’. Ela é uma criança que, mesmo em situações difíceis, passa uma leveza”, acrescentou Michele.
Júlia Ferreira Geremias, de São Carlos (SP), e a mãe, Michele, que acompanha a luta da filha
Esdras Pereira/g1
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Lições e sonhos
A maneira particular de Júlia encarar os obstáculos fica evidente mesmo com a timidez inicial.
A paixão por pintar e a companhia da cadelinha Luna deixam um pouco mais leve a rotina que já teve muitos dias sofridos pelas crises de enterocolite, uma inflamação do intestino delgado e do cólon. A condição é associada à doença de Hirschsprung e causa fortes dores abdominais, vômitos e diarreias intensas.
As lembranças das crises não são boas, mas, ao mesmo tempo, não carregam lamentação. E, ao passo que começa a se soltar mais, mesmo falando baixinho, a menina revela traços de uma simplicidade inteligente. Sobre pessoas que reclamam muito, a resposta está na ponta da língua: “Eu acho elas sem respeito pela vida”.
Júlia vai completar 9 anos no dia 7 de maio e deixou claro que “sempre tem uma razão para viver”. E os sonhos fazem parte dessa razão. O primeiro, um pouco menos ambicioso, é o de ganhar um cachorrinho que possa ser “irmão” para Luna. O outro é mais a longo prazo: ser médica. “Eu acho uma profissão boa. Vou cuidar bem das pessoas e das crianças também”, contou.
Júlia Ferreira Geremias e duas paixões: a cadelinha Luna e pintar
Esdras Pereira/g1
Legado
Júlia é motivo de orgulho para toda a família: além de Michele, o pai Claudinei Geremias e o irmão Ayran Ferreira Geremias também sabem e enaltecem as lutas gigantescas enfrentadas por ela para ter saúde.
E Michele, há oito anos, entendeu que as informações sobre a doença de Hirschsprung precisavam ser mais e melhor compartilhadas entre pessoas envolvidas com o diagnóstico – principalmente familiares de pacientes. Então criou um grupo que reúne mais de 140 pessoas para conversas e trocas.
“Eu percebo hoje que as crianças operadas da maneira correta logo de início fazem no máximo duas cirurgias. Tem criança que às vezes o cirurgião pega ainda recém-nascida, identifica a doença e já faz a cirurgia sem necessidade de colostomia. O ideal, eu falo para as mães, é procurar logo de cara um especialista em tratamento colorretal”, pontuou.
Nesses anos todos de médicos, exames e cirurgias, Júlia também passou pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e, segundo Michele, uma porta maior se abriu.
“De fevereiro a junho de 2019, ela ficou internada no HC e os médicos ficaram próximos da gente. Eu comentei sobre o grupo com as mães e os médicos falaram sobre o Programa de Manejo de Cólon. Então, quando a criança está em atendimento e a família quer uma opinião, eles fazem uma teleconsulta. Se houver realmente uma necessidade, muitas vezes eles conseguem atender as crianças.”
A família de Júlia Ferreira Geremias: o pai Claudinei, o irmão Ayran e a mãe Michele
Esdras Pereira/g1
Ganhando peso e encantando pessoas
Depois da última cirurgia, Júlia perdeu cinco quilos e está com 20 kg. Ela ficou mais de 40 dias apenas com a chamada nutrição parenteral, um método de alimentação pelas veias. Neste período, chegou a dizer que desejava muito poder voltar a comer. Quando os médicos autorizaram, quis experimentar uma coxinha de uma padaria tradicional de Sorocaba.
Dali em diante, retornou à alimentação normal. “Ela gosta bastante de arroz, feijão, carne, frango. E, para ganhar peso, está tomando alguns suplementos também”, contou a mãe.
A resiliência da menina cativa e encanta quem está convivendo com ela no Gpaci. Não à toa, os profissionais de saúde resolveram colocar em um caderno as palavras de carinho dedicadas à Júlia.
“Julinha, entre todos os pacientes que já tive no Gpaci você é minha preferida. Eu até pediria para você guardar segredo, mas todo mundo já sabe. Obrigado por ter confiado em mim desde o primeiro dia que chegou no hospital. Quero que você se lembre o quanto é forte e corajosa, uma menina doce e abençoada por ter uma família tão incrível”, escreveu a tia Bárbara em uma das várias mensagens.
Júlia Ferreira Geremias está em período de recuperação e voltando a se alimentar após a 12ª cirurgia
Arquivo Pessoal
A quantidade de pessoas que a querem bem deixam a mãe extremamente honrada.
“A Júlia ter nascido assim mudou a nossa forma de ver a vida, de dar valor a pequenas coisas. Por exemplo, a gente não imagina que têm crianças sofrendo porque não conseguem evacuar ou fazer coisas básicas, como beber água, comer, né? Com a Júlia a gente foi aprendendo a dar importância a essas pequenas coisas. E também sou muito grata pelas pessoas que entraram na nossa vida através dela. São pessoas que a gente vê que trabalham com amor, humanização e tudo isso deixa a gente motivado a ser pessoas melhores.”
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