Por Elio Gaspari
Do jornal O Globo
Está na rede o documentário “Pindorama: Uma História do Brasil Ancestral” dirigido pelo jornalista Marcos Rogatto e produzido por Patrícia Ogando. Com 43 entrevistas de arqueólogos e paleontólogos, bem como visitas a dezenas de sítios históricos e museus, ele conta a vida de Pindorama há milhões de anos. Dura 98 minutos e traz belas lições.
A primeira expõe patrocínios culturais bem direcionados pela prefeitura de Campinas e pelo Ministério da Cultura. Com a segunda, valoriza gerações de cientistas e leva os curiosos da cultura dos povos que viviam nesta terra há uns 18 mil anos. O fóssil de Luzia, achado em Lagoa Santa (MG), tem 11,5 mil anos.
Nesta parte, “Pindorama” expõe, com critério de bom gosto, o vigor artístico das cerâmicas. A peça mais antiga do mundo pode ter sido feita na Amazônia. Hoje, novas tecnologias permitem ver rastros de civilização debaixo da floresta. Já acharam 24 novas estruturas e elas seriam mais de 10 mil.
Leia mais
Mais de uma centena de megalitos do Parque Arqueológico do Solstício, no Amapá, com alguns pesando quatro toneladas, foram movidos há mais de mil anos.
O Parque da Serra da Capivara, no Piauí, com dois belos museus e mais de mil sítios arqueológicos, alguns datados com 50 mil anos, guarda o Zuzu, um esqueleto de dez mil anos.
É na segunda parte de “Pindorama” que chegam surpresas. Ela trata de um tempo em que os continentes formavam um só bloco. Os dinossauros mais antigos, que viveram há cerca de 233 milhões de anos, surgiram onde hoje estão o Sul do Brasil e a Argentina. As rochas dos fósseis do Sítio Paleontológico da Alemoa, em Santa Maria (RS), seriam as mais antigas do mundo.
No Museu da Ciência Professor Tolentino, de São Carlos (SP), e no Vale dos Dinossauros, em Sousa (PB), estão as pegadas dos dinos. Em Uberaba (MG), foram criados lindos geoparques e a comunidade criou o Museu dos Dinossauros, no distrito rural de Peirópolis. Lá está o fóssil de Uberabatitan ribeiroi, com seus 27 metros de comprimento, achado em 2004.
O primeiro dinossauro com penas conhecido no mundo viveu no Ceará, há 115 milhões de anos. Encontrado em 1996, passou um quarto de século nas prateleiras de um museu alemão. Em 2023 retornou ao Brasil.
O “Pindorama” de hoje tem uma geração de arqueólogos, paleontólogos, museólogos e ambientalistas que cuidam desse patrimônio. O documentário mostrou alguns deles.
Na semana passada, graças a esses estudiosos e ao Ministério Público Federal (MPF), voltaram ao Brasil 25 fósseis retirados clandestinamente do Ceará e levados para a Inglaterra. Avaliadas em cerca de R$ 4 milhões, as peças irão para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que fica em Santana do Cariri (CE).
Outra equipe do MPF tenta resgatar um esqueleto quase completo de pterossauro da espécie Anhanguera com quase 4 metros de envergadura e outras 45 peças que estão na França.
A Agência Brasil informa que desde 2022 já foram resgatados mais de mil fósseis levados de forma irregular para a Europa. A História do Brasil é linda desde antes da chegada dos europeus e mesmo do gênero humano.
Serviço: “Pindorama” será exibido no dia 2 de maio na Cinemateca do MAM, no Rio, e no dia 23, na Rabeca Cultural, em Campinas.
Disponível no YouTube.
Trump piscou
Como os dinos extinguiram-se, é maliciosa qualquer suposição de que tenham deixado descendência nos Estados Unidos, mas Donald Trump piscou. Depois de ter abalado as economias mundiais, ele anunciou uma moratória em parte do seu “tarifaço”. Como a iniciativa partiu de poucas cabeças humanas socorridas por aplicativos de inteligência artificial, o doutor taxou até ilhas de pinguins.
Mais calmo, ouviu seu secretário do Comércio e o ronco das Bolsas. Ao seu estilo, no mesmo dia em que recuou, tratou da vazão dos chuveiros americanos, que o obrigam a gastar 15 minutos para molhar seus “lindos cabelos”. Pura gabolice. Nem ele tem tantos cabelos, nem os chuveiros são tão avarentos. No entanto, conseguiu que se perdesse tempo falando nisso.
Trump adora falar e faz o que lhe vem à cabeça. Como não há remédio para moderar suas ideias, vale a pena lembrar que em dois momentos os Estados Unidos descarrilaram pelo que os maganos diziam, seguindo o estilo da marquetagem.
Depois do crash da Bolsa de 1929, foi o presidente americano Herbert Hoover. Em dezembro, quando a Bolsa de Nova York tinha perdido boa parte do seu valor, ele disse que as coisas haviam “voltado ao normal”. Em maio de 1930 anunciou que “o pior já passou”.
Até então, ele havia feito mais coisas certas do que erradas. Em junho, Hoover assinou a lei do Congresso que elevou as tarifas de importação a patamares nunca vistos e agravou a crise. No caminho, pespegaram-lhe uma frase de que a prosperidade estava próxima. Ele perdeu a eleição e, sendo um homem capaz, passou por irredutível.
Anos depois, em 1968, o comandante das tropas americanas no Vietnã, general William Westmoreland, sabia que os vietcongues e o Norte comunista preparavam uma ofensiva, menosprezou-a e ela veio em janeiro. Do ponto de vista militar, custou caro aos comunistas. A “pavonice” do general alimentou a ideia de que os americanos haviam sido batidos, e a estrela de Westmoreland apagou-se.
Tarcísio se meteu com o Poupatempo
O governador paulista Tarcísio de Freitas é acusado de estar sucateando o Poupatempo com o objetivo de privatizar o sistema de processamento de dados do Estado. Carioca, talvez nunca tenha entrado numa agência do Poupatempo. Elas funcionam melhor que os governos Federal e dos estados. Muito melhor, seria “Poupatempar” a máquina estatal.
Deixando esse argumento de lado, o que não é pouca coisa, vale lembrar que o crime organizado infiltrou-se em Polícias Militares e secretarias de Segurança pelo Brasil afora. Não há notícia de bandido chancelado pelo Poupatempo.
Agora mesmo, foi a partir do Poupatempo que a polícia pegou o juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, que usava uma delirante identidade inglesa com sete nomes. Pode-se imaginar que tipo de relação teria com o crime organizado um Poupatempo privatizado. Basta declarar que o Poupatempo é intocável.
Israel encrenca
O governo brasileiro ainda não concedeu o agrément ao diplomata Gali Dagab, pedido em janeiro. De Tel Aviv sopram rumores que essa demora pode se transformar numa nova lombada nas relações entre os dois países.
Quando um governo demora para conceder um agrément, isso significa que gostaria de receber outra indicação. Não se discutem os motivos, apenas aponta-se outro nome.
A África do Sul demorou para conceder o agrément do pastor Marcelo Crivella como embaixador brasileiro. Apesar de uma gestão impertinente do então presidente Jair Bolsonaro, o Brasil mandou outro nome. Encrenqueiro não é quem não dá agrément, é quem reclama.
Leia menos