Por Jorge Cosme
Do Diário de Pernambuco
O primeiro passo para o armamento gradual da Guarda Municipal do Recife ocorreu na última quarta-feira (9), com o prefeito João Campos (PSB) protocolando o pedido de cooperação técnica na Polícia Federal em Pernambuco, procedimento necessário para iniciar o processo de autorização. Especialistas ouvidos pela reportagem se mostram descrentes com a eficácia da medida, classificando o armamento dos guardas como uma decisão política, arriscada e de pouca efetividade.
Para o ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar (PM), José Vicente da Silva Filho, é importante que a guarda municipal “procure o seu devido espaço”.
“O aparato da prefeitura não é para combater, é para prevenir a violência. A prefeitura tem estrutura, política e recursos para trabalhar bem essa questão da prevenção”, acrescenta Filho, citando como exemplos, a regulação do silêncio urbano, do fechamento de bares, mediação e conciliação de conflitos nos bairros, iluminação e arrumação de praças. “O ambiente tem impacto sobre o comportamento das pessoas”, completa.
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“Essa ilusão de que vai afetar a segurança através do trabalho armado não funciona”, ele resume. Segundo o ex-secretário, há estudos com guardas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais indicando que não houve impacto do armamento nos níveis de crimes contra a vida ou contra o patrimônio.
“Ou seja, vai armar a guarda municipal e não vai mexer nos indicadores de violência da cidade”, acredita ele, que já visitou um Centro Comunitário da Paz (Compaz), no Recife, e elogia o projeto na redução da violência envolvendo jovens.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, teme que o aspecto ostensivo tome o espaço do trabalho preventivo e comunitário da guarda.
“Dependendo do contexto, se é um lugar muito violento, talvez a guarda precise ter arma, mas eu acho que é um risco investir nisso”, ela resume.
Ricardo avalia que o tema do armamento está associado ao campo da direita, mas, por falta de repertório, tem sido utilizada pela centro-esquerda e esquerda. “Esse campo progressista não sabe o que fazer na segurança pública”, diz.
“Se eu fosse o prefeito João Campos, se eu quisesse realmente armar minha guarda, eu prepararia um projeto mais amplo, de profissionalização da guarda, para ela ser a mais treinada e profissional do Brasil. Está difícil agora voltar, mas eu trabalharia fortemente para agregar outras transformações na guarda”.
Opinião semelhante é defendida pelo membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Roberto Uchôa. Segundo ele, o problema de segurança pública é multidimensional e “está longe de se resumir à questão das armas de fogo”.
“A gente tem observado nos últimos anos vários municípios tendo essa ação como uma forma de atuar na segurança pública, quando teriam muitas outras formas mais efetivas”, diz Uchôa.
“Quando você tem a mistura do gestor com o agente político, ele toma medidas pensando não somente na efetividade dela, mas no impacto político que ela terá”, pondera o conselheiro da FBSP. “O gestor está preocupado com a implantação de uma política pública, análise de evidências, como ela foi implantada em outros locais. O político, não. Esse quer saber o impacto eleitoral da medida dele e está pensando no curto prazo”.
Riscos
Uchôa avalia que um dos riscos do projeto é tornar os guardas municipais potenciais alvos. “O criminoso, sabendo que aquele guarda está armado, vai atuar de outra forma. Você aumenta o potencial de letalidade em qualquer confronto”, afirma.
Ele também comenta sobre o treinamento desses profissionais. “A gente sabe que tem um plano de cooperação e treinamento. Agora, como vai ser a continuação disso? Qual vai ser o acompanhamento desse profissional? A gente hoje tem várias polícias que passam por processos de treinamento e não têm outro treinamento posterior”.
“Meu medo é a gente colocar as guardas municipais em uma corrida armamentista com o crime organizado, que não vai ganhar nunca”, acrescenta.
Uchôa se recorda que um estudo mostrou que municípios no interior de São Paulo que passaram por esse processo registraram uma participação mais efetiva das guardas em registros de ocorrências, abordagens e prisões.
“Isso quer dizer que seja reflexo do armamento da guarda? Não. Mas pode ser que com esse armamento a guarda passe a atuar de forma mais presente, mais firme”, diz ele, que concorda que grupos táticos e que atuem em áreas mais perigosas possam ter armas, mas se preocupa com o uso indiscriminado do instrumento.
Nesta semana, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma nota técnica expressando preocupação com um projeto no município do Rio de Janeiro que busca permitir o armamento da guarda municipal. A coordenadora regional do Fogo Cruzado em Pernambuco, Ana Maria Franca, analisa que os pontos levantados também dialogam com a realidade do Recife. “Eles listaram a falta de treinamento adequado, porque a arma traz um risco muito grande e vai expor a sociedade, e também o adoecimento mental desses guardas, que é algo que já vem sendo apresentado pelas polícias”, diz Franca.
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar (PM), José Vicente da Silva Filho lembra que muitos guardas em São Paulo procuraram o serviço médico alegando estarem com problemas mentais. “A partir daí, o médico dá uma restrição para o uso da arma. A gente chegou a ter 30% do efetivo da guarda que não podia trabalhar porque não podia usar arma”.
Categoria comemora
Enquanto os especialistas criticam a decisão, a categoria dos guardas tem comemorado as últimas notícias. Ainda em fevereiro, o presidente da Associação das Guardas Civis Municipais de Pernambuco (AGCMPE), Etevaldo Genuíno, celebrava os avanços da proposta na cidade.
“Finalmente a prefeitura do Recife vai armar a Guarda Municipal. Já não era sem tempo. A violência é cada dia maior e a guarda municipal é um órgão policial”, declarou em vídeo postados nas redes sociais da associação.
Para o presidente da Associação dos Cabos e Soldados de Pernambuco (ACS-PE), Luiz Torres, a guarda municipal armada está chegando de forma tardia ao Recife. “É de suma importância o apoio da guarda. A gente recebe a notícia de hoje com grande satisfação, porque precisamos unir as forças”.
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