Trump suspende tarifas após sugerir compra de ações e levanta suspeitas

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender por 90 dias a aplicação das tarifas “recíprocas” contra a maioria dos países — com exceção da China — provocou um forte rali nas bolsas internacionais e abriu uma nova frente de desgaste político para a Casa Branca. 

A medida foi anunciada na quarta-feira (9), poucas horas após Trump publicar em sua rede social que aquele era “um ótimo momento para comprar”. O comentário, feito antes da abertura oficial do mercado norte-americano, coincidiu com uma das maiores valorizações diárias registradas desde a crise de 2008.

O índice Nasdaq, focado em tecnologia, subiu 12%, enquanto o S&P 500 avançou 9,5% e o Dow Jones ganhou 8%, cerca de 2.800 pontos. A recuperação eliminou cerca de 70% das perdas acumuladas nos quatro pregões anteriores, segundo analistas. Em outras palavras, a previsão presidencial foi imediatamente confirmada pelos movimentos do mercado — e é justamente isso que levantou suspeitas de manipulação.

Mais do que os índices amplos, chamou atenção o desempenho de empresas diretamente ligadas a Trump. As ações da Trump Media and Technology Group — controladora da Truth Social, rede usada para a mensagem — fecharam o dia em alta de 22,67%. A postagem foi assinada com as iniciais “DJT”, que coincidem com o código da empresa na bolsa. A valorização gerou um ganho patrimonial de cerca de US$ 415 milhões para o fundo de investimento que detém a participação de Trump, hoje em nome de seu filho mais velho.

A oposição democrata reagiu com rapidez. Senadores como Adam Schiff, Chris Murphy e Richard Blumenthal pediram uma investigação imediata do Congresso e dos órgãos reguladores. “Essas flutuações constantes de política criam oportunidades perigosas de uso de informação privilegiada”, escreveu Schiff. Já a deputada Alexandria Ocasio-Cortez cobrou que membros do Congresso divulguem qualquer compra de ações feita nas 48 horas anteriores. “Tenho ouvido conversas interessantes nos corredores”, afirmou.

Ambiguidade nas declarações e silêncio da Casa Branca alimentam dúvidas

Em entrevista após o anúncio da suspensão das tarifas, Trump foi questionado por jornalistas sobre quando teria tomado a decisão. A resposta foi vaga: “Eu diria que foi esta manhã. Nos últimos dias venho pensando nisso”, disse. Em seguida, reforçou que a ideia surgiu “bem cedo hoje”. A falta de precisão, somada ao impacto direto da postagem sobre o mercado, ampliou a percepção de que o presidente pode ter agido com objetivos políticos e financeiros.

A Casa Branca não comentou o conteúdo específico da mensagem de Trump nem a menção direta ao ticker “DJT”. Em nota genérica, afirmou que a postagem tinha o objetivo de “tranquilizar os mercados” e acusou os democratas de “tentarem marcar pontos políticos”. Já o secretário de Comércio, Howard Lutnick, alegou que Trump apenas expressava sua confiança no país: “Ele entende que os EUA são o maior país do mundo e têm enorme capacidade de prosperar”.

Especialistas em ética pública não viram da mesma forma. Richard Painter, ex-advogado de ética da Casa Branca no governo George W. Bush, disse que a situação levanta sérias dúvidas. “Esse tipo de postagem pode expor o presidente a acusações de manipulação de mercado. Ele deveria focar em garantir uma política comercial previsível e deixar que o mercado funcione por si”, afirmou. Painter também lembrou que não é a primeira vez que Trump é acusado de operar em zonas cinzentas entre negócios e política, como no caso da criptomoeda lançada por aliados do ex-presidente.

O Departamento de Justiça se recusou a comentar o caso. A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) também não se pronunciou até o fechamento desta reportagem. Fontes ouvidas pelo New York Times afirmam que o Congresso pode ser pressionado a abrir uma investigação formal caso surjam evidências de que aliados de Trump operaram no mercado com base em informações antecipadas.

Tarifas continuam sobre a China, e tensão com Pequim pode crescer

Apesar do recuo parcial, o presidente manteve a escalada contra Pequim. A tarifa sobre produtos chineses, que havia subido para 104% na terça-feira, foi elevada novamente para 125%. A decisão isola a China como alvo exclusivo da nova rodada tarifária e pode aprofundar o confronto entre as duas maiores economias do mundo.

Pequim, que já havia anunciado tarifas de 84% sobre bens norte-americanos, ainda não respondeu formalmente à nova escalada. Fontes ligadas ao Ministério do Comércio da China disseram à agência Xinhua que o governo “avaliará cuidadosamente a resposta apropriada”, sem descartar novas retaliações. A expectativa é que setores como agricultura, semicondutores e serviços entrem na próxima lista de alvos.

Internamente, analistas avaliam que Trump tentou evitar um colapso total da confiança dos investidores ao preservar aliados estratégicos da nova rodada de sanções comerciais. A Casa Branca também estuda propostas de negociação com a União Europeia, que já anunciou represálias contra produtos norte-americanos e sinalizou que pode acionar mecanismos da Organização Mundial do Comércio.

Próximos passos: pressão por investigações e possível desdobramento jurídico

Mesmo sem provas formais até agora, o episódio amplia o desgaste institucional da Casa Branca e alimenta a percepção de que interesses privados seguem misturados à condução da política econômica norte-americana. A reação dos mercados e a valorização das ações da Trump Media colocam mais lenha na fogueira de um governo já pressionado por denúncias de favorecimento e conflitos de interesse.

A oposição deve insistir na abertura de uma investigação parlamentar, e há expectativa de que órgãos reguladores como a SEC sejam acionados oficialmente. A depender da evolução das próximas semanas, o caso pode se tornar um novo ponto de inflexão na campanha presidencial — e colocar a política comercial no centro do debate eleitoral de 2025.

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