Em 7 de março de 1875, nasceu no sul da França um dos compositores mais singulares da música ocidental. Maurice Ravel cresceu entre culturas: o pai suíço, engenheiro de espírito aberto; a mãe basca, apaixonada por canções populares. Essa mistura de referências ajudou a formar um artista que, mesmo inserido no ambiente acadêmico do Conservatório de Paris, sempre trilhou seu próprio caminho.
Ravel não era dado a grandes gestos. Preferia a solidão do ateliê ao barulho dos salões. Trabalhava com minúcia, quase como um relojoeiro, buscando em cada obra o equilíbrio entre clareza, cor e invenção. Para ele, a música não precisava contar histórias. Bastava sugeri-las.
Na sua juventude, ainda estudante, Ravel compôs uma peça que, anos depois, se tornaria um dos seus maiores sucessos: “Pavane pour une infante défunte” ou “Pavana para uma princesa morta”. O título soa melancólico, mas o próprio compositor dizia que o escolheu apenas pelo som das palavras. A peça não descreve uma morte, tampouco uma princesa real. É antes uma dança lenta, como as que eram feitas nas cortes espanholas do século XVII, embalada por uma delicadeza quase suspensa no tempo.

Alguns dizem que Ravel se inspirou em quadros de Velázquez, como As Meninas, para imaginar essa princesa ausente. Outros falam da atmosfera de um sonho distante, de algo que se desvanece sem pressa. O que importa é que, ao ouvir a Pavane, temos a impressão de estar olhando para uma pintura feita de som.
Ravel compôs para muitos formatos: orquestras, piano solo, pequenos conjuntos, vozes. Era capaz de brincar com o jazz americano, homenagear danças antigas, ou evocar paisagens imaginárias. Em “Boléro”, talvez sua peça mais conhecida, um único tema se repete incansavelmente, ganhando força até atingir um clímax avassalador. Em “Jeux d’eau”, para piano, a água parece ganhar vida em notas que cintilam. Em “Ma mère l’Oye”, ele narra contos infantis com sons quase mágicos.
Por trás de tudo isso, há uma escuta muito atenta do mundo: dos ritmos de outros povos, das vozes do passado, dos gestos simples da vida cotidiana. Ravel não queria reinventar o mundo, queria organizá-lo num delicado jogo de formas, onde cada detalhe importa.
Em 2025, celebramos os 150 anos de seu nascimento. Um bom pretexto para ouvir — ou redescobrir essa música que diz tanto com tão pouco. Quem nunca ouviu Ravel pode começar pela Pavane. São apenas seis minutos, mas que podem abrir uma porta para algo maior. Basta estar disposto a escutar com calma. Como quem olha uma pintura antiga, sem pressa, deixando os olhos, ou os ouvidos, encontrarem os contornos da beleza.
E talvez esse seja o maior presente de Ravel: nos lembrar que há beleza nas coisas pequenas. Que a música pode ser suave e, mesmo assim, ficar gravada na memória.

Sugerimos a audição do Concerto para piano e orquestra em Sol maior de Ravel. Entre as muitas gravações disponíveis, a interpretação de Martha Argerich, acompanhada pela Royal Stockholm Philharmonic Orchestra, sob a regência de Yuri Temirkanov, é um verdadeiro espetáculo. Argerich, conhecida por sua expressividade eletrizante e virtuosismo intuitivo, é uma das maiores especialistas nessa obra.
Vale observar, logo de início, como ela encara o “Allegramente”: com energia viva, precisão quase acrobática e uma leveza contagiante. A sua maneira de lidar com o ritmo sincopado, os timbres brilhantes e os contrastes dinâmicos revela tanto domínio técnico quanto inteligência musical refinada. No “Adagio assai”, é o lirismo que domina. Argerich sustenta a longa melodia com um toque tão delicado que parece fazer o tempo parar — um momento de pura contemplação, em que cada nota respira. Já no terceiro movimento, “Presto”, ela retorna com fôlego renovado: os saltos, os trilos e os ataques rápidos surgem com precisão e espontaneidade, como se tudo fosse fácil — embora saibamos que não é.
É uma escuta que evidencia justamente o que Ravel desejava: brilho, cor e leveza — tudo com um toque pessoal de gênio. Uma interpretação à altura de uma obra que, mesmo sem a “profundidade” pretendida, revela o quanto a leveza também pode ser uma forma de arte profunda.
O post Maurice Ravel, 150 anos: quando o som se faz imagem apareceu primeiro em Jornal Opção.