
O embate comercial entre Estados Unidos e China atingiu um novo patamar nesta semana. Após o presidente Donald Trump anunciar que pretende impor uma tarifa adicional de 50% sobre produtos chineses — caso Pequim não recue de suas medidas retaliatórias —, o governo chinês respondeu com contundência.
Em comunicado oficial, o ministério do Comércio da China classificou a escalada como “chantagem” e afirmou que “lutar até o fim” é a única opção caso os EUA persistam nesse caminho.
A China já havia anunciado na semana passada a aplicação de uma tarifa extra de 34% sobre todos os produtos norte-americanos, como resposta à primeira leva de aumentos tarifários promovida por Trump no início do mês.
Na segunda-feira (7), o presidente norte-americano dobrou a aposta e ameaçou ampliar ainda mais as tarifas, provocando queda recorde nas bolsas asiáticas e forte retração nos mercados europeus.
Para Pequim, ceder às pressões dos Estados Unidos seria um erro estratégico. “A China tomará as medidas necessárias para proteger com firmeza seus direitos e interesses legais. Se os Estados Unidos ignorarem os interesses dos dois países e da comunidade internacional e insistirem em travar guerras tarifárias e comerciais, a China certamente lutará até o fim”, declarou o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, Lin Jian.
A retórica foi reforçada por artigo do People’s Daily, órgão oficial do Partido Comunista Chinês, que instou os cidadãos a manterem a confiança na economia nacional e exaltou o avanço do país em áreas como inteligência artificial e energias renováveis.
A resposta institucional também veio dos mercados. Para conter a volatilidade e restaurar a confiança dos investidores, o governo chinês mobilizou empresas estatais e o banco central para injetar liquidez no sistema e recomprar ações por meio de fundos públicos.
A Central Huijin Investment Ltd., uma das principais gestoras de capital estatal, anunciou que voltou a aumentar sua participação em fundos de índice — carteiras que reúnem ações das maiores empresas da bolsa chinesa, funcionando como um termômetro da saúde do mercado. O movimento foi apoiado diretamente pelo Banco Popular da China, que garantiu crédito para essas operações. Segundo a própria Huijin, a intenção é “salvaguardar com firmeza a operação estável do mercado de capitais”.
Outras estatais, como a China Chengtong Holdings e a China Reform Holdings, seguiram o mesmo caminho, enquanto o órgão regulador do sistema financeiro anunciou a ampliação do limite de investimentos em ações por parte dos fundos de seguradoras.
Para Wang Qing, analista-chefe da Golden Credit Rating, “a ação rápida e coordenada do capital estatal chinês vai ajudar a guiar as expectativas do mercado e mitigar o impacto dos choques externos”.
Apesar do tom beligerante de ambos os lados, a China reforça que está aberta ao diálogo — desde que ele ocorra em condições de igualdade e com respeito mútuo. A postura do governo de Xi Jinping, no entanto, não deixa margem para concessões unilaterais.
Segundo análise publicada no New York Times, recuar agora enfraqueceria a legitimidade interna de Xi e colocaria em xeque sua narrativa de liderança forte. “Pequim acredita que ceder a Trump não resolveria o problema de fundo, apenas adiaria a ofensiva norte-americana contra sua economia”, avalia Ryan Hass, do Brookings Institution.
Segundo Yun Sun, diretora do programa China no Stimson Center, “a separação total entre as economias pode ser o objetivo final” de Trump, e por isso a China não vê vantagens em abrir mão da disputa.
Já Wang Wen, diretor do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin, afirma: “Se for uma questão de quem aguenta mais dor, a China não vai perder. Os Estados Unidos precisam mais da China do que a China dos Estados Unidos. As fábricas chinesas fabricam componentes que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Outros países comprarão produtos da China e os revenderão aos Estados Unidos”.
Apesar do risco de uma recessão global, alguns países começam a vislumbrar oportunidades. Segundo análise da agência Reuters, o Brasil pode estar entre os poucos ganhadores da guerra comercial.
Diferente de parceiros tradicionais dos EUA, como União Europeia, Japão e Coreia do Sul — alvos de tarifas de até 20% — o Brasil recebeu uma tarifa simbólica de 10%.
Além disso, como importador líquido (termo usado para descrever um país que importa mais do que exporta determinado tipo de produto ou serviço) de produtos norte-americanos, o país pode ampliar suas exportações justamente nos setores em que os EUA perderem competitividade, como o agronegócio.
Na primeira gestão de Trump, os produtores de soja e milho brasileiros foram beneficiados pelas barreiras impostas à agricultura dos EUA — movimento que agora pode se repetir.
O momento também reacendeu expectativas quanto ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, há décadas em negociação. Segundo a agência, o Brasil pode sair como principal beneficiário, especialmente se os europeus buscarem diversificar seus mercados diante da instabilidade causada pelas políticas unilaterais de Washington.
Economia norte-americana também está na linha do fogo
Mas o confronto tarifário não ameaça apenas o crescimento chinês. Diversas empresas norte-americanas — especialmente as que atuam no setor de tecnologia — também estão entre as principais prejudicadas com a escalada do conflito. A Apple, por exemplo, perdeu US$ 311 bilhões em valor de mercado logo após o anúncio das primeiras tarifas, em 3 de abril. No dia seguinte, com a retaliação chinesa e novas ameaças por parte da Casa Branca, as ações da companhia continuaram em queda.
A fabricante do iPhone, que tem mais de 90% de sua produção concentrada na China, está entre as multinacionais mais expostas ao conflito. Além de enfrentar custos maiores para importar seus produtos ao mercado doméstico, a Apple corre o risco de ver suas vendas despencarem na China — seu segundo maior mercado. Em 2024, a receita da empresa no país asiático já havia encolhido 8%, e analistas preveem um agravamento dessa tendência diante do apelo crescente por alternativas nacionais, como Huawei e Xiaomi.
Com tarifas que chegam a 60% sobre a cadeia produtiva do iPhone, o custo de um aparelho pode saltar de US$ 550 para quase US$ 880, segundo estimativas do banco UBS. A companhia até tentou garantir isenções com promessas de investimento em território americano — o CEO Tim Cook chegou a anunciar US$ 500 bilhões em aportes —, mas até o momento, a ofensiva tarifária de Trump não poupou o setor.
Outros gigantes da tecnologia, como Alphabet (Google), Meta e Amazon, também estão na mira de possíveis retaliações. Em diferentes partes do mundo, crescem as investigações antitruste, os impostos sobre serviços digitais e as barreiras regulatórias a empresas americanas. Segundo reportagem da revista The Economist, os parceiros comerciais dos EUA podem adotar o “caminho inverso” e começar a atacar o setor de serviços norte-americano — justamente o que apresenta superávit na balança comercial. Em 2024, os EUA exportaram US$ 1,1 trilhão em serviços, quase o dobro de qualquer outro país.
A União Europeia, por exemplo, já aprovou um “instrumento anti-coerção” que permite retaliar práticas unilaterais com medidas que vão desde a exclusão de empresas de licitações públicas até o bloqueio de direitos de propriedade intelectual. Para Michael Froman, ex-negociador comercial dos EUA, o problema é que o governo Trump parece mais interessado em manter as tarifas como forma de coerção do que usá-las como barganha para abrir mercados.
Além das empresas, o impacto das tarifas já começa a ser sentido no bolso dos consumidores norte-americanos. Em grandes redes como Walmart e Costco, moradores de Nova Jersey e outros estados iniciaram um movimento de estocagem, temendo alta nos preços e desabastecimento. “Estou comprando o dobro de tudo — feijão, farinha, produtos enlatados”, disse à Reuters Thomas Jennings, de 53 anos. Já a aposentada Maggie Collins, com renda fixa, trocou marcas tradicionais por versões mais baratas. “Pagar mais num item significa cortar outro”, lamentou.
Segundo um centro de pesquisa apartidário citado pela agência, o tarifaço de Trump pode custar US$ 3,1 trilhões à economia dos EUA nos próximos dez anos — um impacto equivalente a US$ 2.100 por família apenas em 2025. Diante desse cenário, analistas e consumidores temem o retorno da inflação, o encolhimento do consumo e o risco real de uma recessão.
Brasil pode se beneficiar da disputa entre potências
Em meio à turbulência global provocada pela guerra tarifária entre Estados Unidos e China, algumas economias emergentes vislumbram oportunidades. É o caso do Brasil, que foi um dos poucos países a escapar com uma tarifa “recíproca” mais branda, de apenas 10%, imposta pelo governo de Donald Trump. A nova rodada de tarifas entra em vigor nesta quarta-feira (9), e pode representar uma vantagem competitiva para o país em áreas estratégicas como o agronegócio e a exportação de manufaturados.
A ofensiva tarifária de Trump mira especialmente economias com superávit comercial significativo em relação aos EUA, como China, Japão, Coreia do Sul, Vietnã e Bangladesh — todos penalizados com taxas superiores a 20%, chegando a até 46%. O Brasil, por outro lado, é importador líquido de produtos norte-americanos, o que o posiciona como um parceiro comercial de menor risco aos olhos da Casa Branca. Além disso, o país pode herdar parte da demanda que será redirecionada por empresas chinesas atingidas pelas tarifas norte-americanas.
O histórico recente também joga a favor. Durante o primeiro mandato de Trump, os produtores brasileiros de soja e milho lucraram com o vácuo deixado pela suspensão das compras chinesas de grãos norte-americanos. Esse cenário pode se repetir agora, com a China buscando novos fornecedores de commodities agrícolas, carnes e alimentos processados. A expectativa é que o Brasil amplie sua presença no mercado chinês, ao mesmo tempo em que reduz sua vulnerabilidade às oscilações nos EUA.
Outros países emergentes também estão atentos às brechas que se abrem com o tarifaço. Egito, Marrocos e Turquia, todos com déficits comerciais com os EUA, enxergam espaço para avançar em setores como têxteis e siderurgia, à medida que concorrentes diretos — como Bangladesh e Vietnã — enfrentam pesadas sobretaxas. “A oportunidade está à vista, só precisamos agarrá-la”, afirmou Magdy Tolba, presidente da empresa egípcio-turca T&C Garments, à Reuters.
Na Ásia, a Índia aposta na redistribuição da cadeia de suprimentos global para ampliar sua fatia no mercado norte-americano, principalmente nos setores de vestuário, calçados e produção de eletrônicos. Há ainda expectativa de que parte da fabricação de iPhones, hoje concentrada na China, seja transferida para o país, em razão das novas tarifas impostas a Pequim.
Apesar disso, analistas alertam que nenhum país sairá completamente ileso. Em Cingapura, por exemplo, o índice Straits Times registrou sua maior queda desde 2008, e o governo já admite que uma recessão nos EUA ou na economia global pode anular qualquer benefício imediato. “Não há vencedores em uma guerra comercial”, disse a economista Selena Ling, do banco OCBC. “Tudo é relativo.”
Na América do Sul, além do Brasil, há expectativa de que o impasse entre Washington e Pequim reacenda as negociações em torno do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Com suas exportações ainda fortemente concentradas em commodities, o Brasil poderia se tornar o maior beneficiário de um eventual avanço no tratado, ganhando acesso facilitado ao mercado europeu em um momento de reconfiguração das rotas globais de comércio.
Embora as oportunidades existam, especialistas alertam que os ganhos serão limitados pelos impactos de uma recessão global. A instabilidade nos fluxos de capitais, a volatilidade cambial e a retração na demanda por bens industriais podem frear qualquer impulso mais consistente. Ainda assim, diante do caos, países como o Brasil seguem buscando brechas para ampliar sua presença nos mercados globais — mesmo em tempos de guerra.
O post China reage a tarifaço de Trump e ameaça “lutar até o fim” apareceu primeiro em Vermelho.