Dados de uma pesquisa recente realizada pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG) indicam que 70% dos magistrados federais já enfrentaram ameaças devido às suas decisões. Além disso, 65,3% dos juízes relataram ter se sentido vulneráveis ou ameaçados em algum momento da carreira, e 60,9% mencionaram ter sido vítimas de violência ou grave ameaça, ou que seus familiares sofreram com isso. A pesquisa revela ainda que as fontes mais comuns dessas ameaças incluem partes insatisfeitas com decisões judiciais, facções criminosas e criminalidade urbana.
Em Goiás, a crescente violência e as ameaças direcionadas a juízes e promotores de justiça têm se tornado um reflexo da instabilidade que afeta o sistema judiciário no estado. Dois exemplos de vulnerabilidade no exercício de suas funções são o juiz Abílio Wolney Aires Neto, titular da 9ª Vara Cível de Goiânia, e o procurador de justiça Fernando Aurvalle Krebs. Ambos enfrentaram situações de risco enquanto exerciam suas atividades, com destaque para os desafios relacionados ao combate ao crime organizado e à impunidade.
Em entrevista ao Jornal Opção, o juiz de Direito Abílio Wolney Aires Neto, titular da 9ª Vara Cível de Goiânia, compartilhou que iniciou sua carreira em Águas Lindas de Goiás, uma cidade marcada pela violência. Durante sua gestão, ele enfrentou a tensão de atuar em um contexto de graves ameaças. “Em Águas Lindas, um caso emblemático foi o assassinato do jornalista e candidato a vereador João Elisio. Após o crime, determinei a prisão de 14 policiais envolvidos no assassinato, o que me colocou em uma situação de grande vulnerabilidade”, relatou o juiz.
A situação foi tão crítica que, segundo Wolney, houve um reforço na segurança da região. “O então secretário de Segurança Pública do Estado nos enviou um novo contingente policial para proteger a área”, explicou. Contudo, o processo, que tramitou pelo Tribunal do Júri, acabou sem condenações.
Após esse episódio, o juiz foi transferido para Petrolina de Goiás, onde enfrentou uma nova realidade de violência. Em Petrolina, Wolney atuou em julgamentos relacionados à pistolagem e crimes de homicídios encomendados. “Tive casos em que membros de famílias com grande histórico de violência foram condenados, o que trouxe mais insegurança”, afirmou.
Ameaças de morte e desafios no Ministério Público
O procurador de justiça Fernando Krebs compartilhou sua experiência de ser alvo de ameaças de morte por três vezes ao longo de sua carreira. “Em algumas ocasiões, fui obrigado a andar com segurança devido ao risco à minha integridade física”, afirmou.
Krebs destacou que, muitas vezes, a profissão de promotor de justiça é vista como menos arriscada em comparação com outras funções de segurança pública, mas, na prática, a realidade é diferente. “Tanto o Ministério Público quanto a Magistratura são profissões de risco. Quando tomamos decisões que contrariam poderosos interesses, especialmente de facções criminosas, corremos sérios riscos”, explicou.
O procurador ainda enfatizou que, em determinadas regiões, como no Rio de Janeiro e em algumas áreas de Goiás, a violência contra membros do Judiciário e do Ministério Público tem sido crescente. “Em regiões como essas, juízes e promotores são frequentemente ameaçados e forçados a andar escoltados”, afirmou.
Ambos os profissionais concordam que a falta de proteção eficaz aos juízes e promotores agrava a situação de vulnerabilidade. “O porte de arma é uma medida importante para nossa defesa pessoal, mas, muitas vezes, isso não é suficiente”, afirmou Krebs, destacando que ele mesmo já foi alvo de diversas ameaças enquanto atuava no Tribunal do Júri, onde os profissionais ficam mais expostos.
Para o juiz Abílio Wolney, que também tem atuado em plantões de audiências de custódia, a segurança das autoridades judiciais é frequentemente comprometida. “Em Goiânia, no momento de um plantão, o juiz se vê vulnerável diante do grande número de presos sendo interrogados e das limitações da segurança disponível”, explicou.
Krebs ressaltou ainda a gravidade da situação ao afirmar que, em muitos casos, o Estado não consegue oferecer a proteção necessária aos próprios agentes do sistema de justiça. “O Estado não é capaz de defender nem mesmo os agentes do próprio Estado, e muito menos será capaz de proteger o cidadão comum”, disse. Segundo ele, para garantir a segurança pública, as autoridades precisam atuar de forma independente, sem temer represálias ou ameaças à sua integridade.
Medidas de segurança em andamento
A Corregedoria-Geral da Justiça Federal, em parceria com outros órgãos de segurança, tem implementado algumas medidas para aumentar a proteção dos magistrados. Cursos de capacitação sobre proteção de dados e privacidade digital, além de treinamentos de autoproteção e contra-acompanhamento, são algumas das iniciativas em andamento. A pesquisa também revelou que ações de segurança estão sendo discutidas com tribunais e comissões de segurança para fortalecer a proteção dos profissionais do Judiciário.
O procurador Fernando Krebs e o juiz Abílio Wolney reforçam a importância de que mais medidas de segurança sejam adotadas para garantir a integridade dos agentes do Estado. “Esses serviços são essenciais, porque sem a devida proteção, os profissionais ficam vulneráveis e a confiança da população no sistema judiciário pode ser comprometida”, concluiu Krebs.
O relato desses profissionais expõe uma realidade difícil e perigosa que afeta diretamente a efetividade da Justiça no estado. As ameaças e a violência contra juízes e promotores de justiça são ataques não apenas aos indivíduos, mas ao próprio Estado de Direito, que depende da liberdade e da segurança desses agentes para funcionar de forma justa e eficiente.
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