Papa Francisco reconhece o brasileiro Padre Ibiapina como Venerável

O Papa Francisco publicou, nesta segunda-feira (31), decreto em que reconhece as “virtudes heroicas” do sacerdote brasileiro José Antônio Maria Ibiapina. Com o reconhecimento o “apóstolo do Nordeste” passa de Servo de Deus para o título de Venerável, que são etapas anteriores a Beato e a de canonização, quando se torna santo.

A Diocese da Guarabira, na Paraíba, divulgou a imagem oficial de veneração por meio da Comissão para a Causa de Beatificação e Canonização: “A âncora, a flor do cedro e elementos do sertão nordestino estão aos pés do Padre Mestre [Ibiapina] que sempre teve a fé como âncora e o sertão do nordeste como ponto forte de sua missão através da caridade”, relata a diocese.

Imagem: Diocese de Guarabira /PB

Quem foi o “Apóstolo do Nordeste”?

Para entender melhor quem foi o Padre Ibiapina, o Portal Vermelho conversou com o Educador e Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará, Joan Edesson de Oliveira.

De acordo com o pesquisador, para entender a vida do ‘Apóstolo do Nordeste’, nascido em Sobral em 5 de agosto de 1806, é preciso ter dimensão que antes ele foi jurista, parlamentar e só muito depois sacerdote.

Ele explica que Ibiapina foi muito marcado pela vida do seu pai, Francisco Miguel Pereira Ibiapina, fuzilado há duzentos anos, em 07 de maio de 1825, como um dos líderes da Confederação do Equador no Ceará. O pai nasceu em Sobral, em 3 de junho de 1774. Foi tabelião e escrivão nas cidades de Icó, Crato e Fortaleza, e eleito deputado cearense no Congresso Federativo em Pernambuco. Como tantos outros revolucionários, que incorporaram nomes de árvores ou animais nativos ao seu nome, Francisco Miguel Pereira acrescentou o Ibiapina, de origem indígena.

“Sem dúvida, a vida revolucionária do pai teve muita influência no futuro sacerdote. Não esqueçamos que o irmão mais velho do Padre Ibiapina, Raimundo Alexandre Pereira Ibiapina, também revolucionário em 1824, foi deportado para Fernando de Noronha, onde morreu”, explica Joan.

Ele também lembra que o novo Venerável para a igreja católica perdeu a mãe quando tinha 17 anos (o pai quando contava 19 anos). Com isso, estando órfão tão cedo, tendo convivido com a miséria e as injustiças dos sertões e também com a trajetória revolucionária do pai que ousou se levantar contra o autoritarismo do imperador, “sua personalidade deve ter sido moldada, desde a juventude, na luta em favor dos desvalidos do sertão”, ressalta.

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De acordo com Joan, o Padre Ibiapina está na matriz do chamado “catolicismo popular” brasileiro: “Líderes como Antônio Conselheiro, Padre Cícero, o Beato José Lourenço, beberam das prédicas do Padre Mestre, como Ibiapina foi tantas vezes chamado. Alguns historiadores afirmam, sem exagero, que Ibiapina foi precursor da Teologia da Libertação, um século antes”, diz.

Joan ainda lembra que a antropóloga Luitgarde de Oliveira Cavalcanti Barros, uma das principais pesquisadoras sobre a vida e a obra de Ibiapina, celebra a contribuição dele na religião, na saúde, na educação e na arquitetura do Nordeste, quando o coloca como “um dos maiores pensadores deste país, o homem que assumiu espontaneamente o trabalho de reeducar o povo do Sertão, completamente abandonado e desprezado pelos governantes”.

O Apóstolo do Nordeste ou Padre Mestre, ambas alcunhas pela qual ficou conhecido, faleceu em 1883, após ser acometido por uma paralisia progressiva dos membros inferiores desde 1875, condição que o fez se locomover por cadeira de rodas, mas não perder sua fé e altruísmo.

Importância histórica

Segundo o pesquisador, Ibiapina é uma das mais importantes figuras da história brasileira e mesmo com a profusão de estudos sobre ele, considera que seja “personagem relativamente esquecido pela historiografia.”

Para Joan, o país ainda não aquilatou de forma justa o seu valor: “Apenas o fato de que ele é uma espécie de matriz do catolicismo popular brasileiro já bastaria para que fosse reconhecido como um dos mais extraordinários brasileiros. Mas, infelizmente, ele é ainda pouco mais do que um desconhecido.”

Ao analisar o porquê desse desconhecimento, o educador observa que a natureza andarilha na obra tenha ocasionado isto. Ele lembra que Ibiapina foi um peregrino incansável, diferente de Antônio Conselheiro, que deixa os sertões do Ceará e, após percorrer centenas e centenas de léguas, vai se instalar na Bahia, ali se radicando, e também do Padre Cícero, que nunca saiu do Juazeiro em peregrinação. Além disso, ressalta que Antônio Conselheiro morou em Ipu e, conforme pesquisas, teve em Sobral o primeiro contato com as prédicas do Padre Mestre, “tanto que, na sua peregrinação pelos sertões, reproduz várias das suas práticas, como a reconstrução de capelas, templos católicos e cemitérios.”

“A peregrinação do Padre Ibiapina, deixando Sobral, na zona noroeste do Ceará, e cruzando o estado inteiro até a região do Cariri, vai se dar sempre em contato com o povo. O seu trabalho era para o povo. As casas de caridade construídas por ele em inúmeras cidades eram para o povo. O seu cuidado com os órfãos, especialmente com as meninas órfãs, o seu cuidado com as mulheres, o seu cuidado com o povo, faziam dele um missionário diferente dos tantos que cruzavam os sertões do nordeste em peregrinação”, entende.

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Conforme Joan, o “Padre Mestre” atuou em um sertão esquecido pelas autoridades, o que lhe configurava inúmeras desavenças com governantes.

“Ibiapina fez o papel que deveria ser do Estado, onde este era completamente ausente e omisso. Naqueles sertões de então, o Estado só era onipresente na cobrança de impostos e na repressão. No mais, era a ausência completa. Ibiapina era a presença, o exemplo. Construiu igrejas, capelas, hospitais, cemitérios, orfanatos. Suas casas de caridade eram lugar de acolhimento e assistência à saúde, mas eram também espaços de educação cultural e de formação religiosa e profissionalizante”, destaca.

Na sua trajetória ainda se sublinha a contribuição durante a grave epidemia de cólera, que assolou os sertões, para que a tragédia não fosse maior.

“Qual a dimensão desse homem? Gigantesca. Ibiapina, nunca é demais se repetir, foi um gigante, um homem extraordinário, muito além da maioria dos homens do seu tempo e do porvir. Quem se der ao prazer de percorrer os sertões do Ceará, embrenhando-se pelo Rio Grande do Norte e pela Paraíba, vai encontrar a presença constante de Ibiapina. No cariri cearense, ainda hoje é visível a sua presença e a sua influência na cultura popular. Por isso, a dimensão de Ibiapina é gigantesca”, enaltece Joan.

Canonização popular

Sobre o processo de canonização, Joan lembra que é um processo lento e difícil. Também observa que movimentos religiosos populares são tratados de forma reticente: “À época do chamado Milagre do Joaseiro, quando se disse que a hóstia recebida das mãos do Padre Cícero pela beata Maria Araújo se transformara em sangue, no século dezenove, não faltou quem atacasse o episódio como charlatanismo e Juazeiro do Norte como valhacouto de fanáticos, refúgio de párias da pior espécie. Assim foram atacados todos os movimentos religiosos populares no Brasil, como as peregrinações de Ibiapina, Conselheiro em Canudos, Padre Cícero e o Beato José Lourenço no cariri cearense. Sempre, a igreja tratou esses movimentos como cismáticos, como fanatismo. Na época do Padre Cícero alguém escreveu, de forma ácida e bem-humorada, que os padres do Seminário da Prainha, em Fortaleza, pareciam não acreditar que Cristo deixaria as terras da Europa para operar milagres entre os pobres do Juazeiro.”

Casos como os dos Servos de Deus Padre Cícero e do e mártir da igreja Dom Expedito Lopes (também nascido em Sobral), da mesma forma como Ibiapina, são demorados, o que faz o pesquisador exaltar o reconhecimento da população como mais importante.

“Não creio em um rápido avanço no processo do padre Ibiapina. Em Sobral, o monsenhor Francisco Sadoc de Araújo, um dos postuladores da causa da canonização, está com 93 anos, já sem lucidez, e não poderá nem se animar com essa notícia de agora. É do padre Sadoc um dos melhores estudos sobre Ibiapina, intitulado Padre Ibiapina, peregrino da caridade. Se bem que esse reconhecimento seja importante para os católicos e os que creem, acho que, no caso de homens como Ibiapina, o mais importante é o reconhecimento do povo, a canonização popular”, entende o Mestre em Educação.

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“Nos caminhos e nas veredas do sertão, nas casas pobres sertanejas, nos sertões do cariri cearense, nos outros estados por onde o Padre Mestre Ibiapina passou, especialmente a Paraíba, onde veio a falecer, nesses lugares todos Ibiapina já é santo. Santo do povo, santo da gente pobre, para quem a história de Ibiapina, transmitida oralmente de geração a outra, é mais do que suficiente para a canonização. No altar sertanejo, ao lado de Cícero Romão Batista, de José Lourenço, de Maria Araújo, de Expedito Lopes, de Antônio Conselheiro, de tantos e de tantos outros, o padre mestre Ibiapina há muito alcançou a santidade”, reforça Joan Edesson de Oliveira.

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