O livro Goiás em Sol Maior revela o bom humor e a leveza do escritor Bernardo Élis

Marina Teixeira da Silva Canedo

Especial para o Jornal Opção

A minha impressão é que subiu a uma altura de mestre original com “Veranico de Janeiro”, e que na literatura brasileira poucos podem gabar-se de ter encontrado uma fórmula narrativa tão eficiente. — Antonio Candido

“Cidades goianas — Cada nome que, faça-me o favor”. Este título refere-se a um capítulo do livro “Goiás em Sol Maior” (Poligráfica, 1985, 170 páginas), do mestre Bernardo Élis (1915-1997), com capa de Maria Carmelita Fleury Curado (1932), artista plástica e mulher do escritor.

Quem quer conhecer um pouco mais sobre as características pessoais e literárias desse grande escritor, deve embeber-se nesse livro. Nele, o autor reúne assuntos variados, uma coletânea de prosas recheadas de descontração, informação e originalidade.

Como um caleidoscópio multicolorido, o livro reúne necrológicos proferidos por ele na Academia Goiana de Letras, em honra de ilustres confrades da seara literária; saudações a outros colegas, na mesma instituição; seu discurso de posse na Academia Brasiliense de Letras, e várias crônicas, por onde passam a criação de Goiânia e o descontentamento dos vilaboenses com a mudança para a nova capital, a arquitetura art déco e observações inerentes aos problemas regionais.

Dentre os problemas estão as grandes distâncias, quando afirma que “pode-se dizer que a história de Goiás é a história da luta contra as lonjuras” e que “Goiás só em 1824 conheceu veículos de rodas, que foram os pesados carros de bois vindos de Minas Gerais”.

O brilhantismo do autor dá aos textos a veracidade das informações aliada à leveza, bom humor e comicidade. É sabido que o viés do bom humor é uma característica dos escritores qualificados intelectualmente, que conseguem unir a austeridade de um texto bem construído ao lado cômico e leve, dando aos fatos descritos várias nuances interpretativas.

A face humorística e irônica na literatura é uma atividade elevada e de certa raridade, e nem todos os bons escritores estão aptos a desenvolvê-la a contento. Bernardo Élis praticou-a com mestria em suas crônicas, dando às mesmas o refinamento de um olhar irônico e sutil, tal como o mestre Machado de Assis o fez.

O prefácio é do escritor Kleber Adorno que, de maneira acertada e elegante, definiu apropriadamente a obra e o autor.

Uruaçu é um “nome sombrio”, disse Bernardo

O título do livro reporta aos grandes expoentes da literatura goiana, entre os quais estão Pedro Gomes, Eli Brasiliense, Monsenhor Primo Vieira, Léo Lince, Victor de Carvalho Ramos, José Xavier de Almeida e outros da mesma relevância, os quais são laureados em vida ou necrologicamente pelo confrade Bernardo Élis.

Torna-se desnecessário dizer, mas já dizendo: o protagonista-mor é o próprio autor do livro “Goiás em Sol Maior”.

Nesta obra Bernardo deixa de lado o regionalismo de seus contos e mostra sua versão multifacetada, de homem culto e antenado com o mundo, e expõe a profundidade de seus conhecimentos sobre os temas que se propôs a escrever, como nos necrológicos de seus estimados confrades e no discurso de posse na ABrL.

Suas referências clássicas demonstram sua erudição sem, contudo, tirarem a leveza e o bom humor, que são como fios diáfanos que perpassam todos os textos, deixando os ecos dos trinados em Sol Maior a embelezarem a sua escrita.

No capítulo destinado a comentar a nominata dos topônimos goianos, isto é, os nomes das cidades goianas, que é o objeto desta matéria, Bernardo Élis mostra quão bizarra e sem originalidade é a maioria deles.

O escritor diz: “Predominam nas cidades nomes de pessoas acrescidos do sufixo ou terminação pólis, lândia, ânia, ésia, ônia”. Eis aí Hidrolândia, Babaçulândia, Cristalândia, Mozarlândia, Portelândia, Amorinópolis, Avelinópolis, Firminópolis, Pirenópolis, Anápolis, Rianápolis, Abadiânia, Goiânia, Aragoiânia, Silvânia, Goianésia, Caiapônia, Turvânia Aurilândia, Cristalina, Pontalina, Hidrolina etc.

Prosseguindo, com boa dose de ironia e humor, Bernardo Élis assinala: “…tão logo a povoação começa a se dar ares…. vai ficando cheia de requififes, de não me toques, e a primeira coisa que faz é mudar o primitivo nome para algum empertigado e majestoso, geralmente de mau gosto…”. E é o que se observa.

Caiapônia substituiu Torres do Rio Bonito. Uruaçu (pássaro preto grande) sucedeu a Santana, que sucedeu a Santana do Maxambombo.

Segundo Bernardo Élis, Uruaçu é um nome sombrio, nublado, ameaçador, lembrando céu carrancudo, exatamente ao contrário da amplidão e claridade que lá existem. Se você pensa que Jaupaci é nome indígena, engana-se. Vem de Jaú (Jau), Pacu (Pa) e Cipó (Ci), riachos da região.

Itajá é o contrário de Jataí. Quem sabe de onde veio o nome Mara Rosa? Muito poucos saberão. Esse nome substituiu Amaro Leite, um admirável bandeirante, que foi trocado pelo nome da filha de um prefeito…

De onde veio o nome Edéia? Não foi de nenhum acidente geográfico ou coisa e tal. Por delicadeza, e sem querer ferir suscetibilidades, nosso autor se omitiu de dar a resposta, e manda o leitor consultar o dicionário.

O município de Peixe teve, originalmente, o nome de Santa Cruz das Itãs, belo nome, substituído por Peixe, devido a uma estranha história de um peixe gigante, que surgiu numa estrondosa cheia do Rio Santa Tereza. Voltando as águas ao seu leito original, ficou a carcaça do enorme animal nas barrancas do rio, e as pessoas se referiam ao lugar como “lá no peixe”; e assim ficou registrado.

“O que consola”, diz o escritor, “é que para contrabalançar essa monotonia de pólis, lândia, ânia, etc., há belos topônimos como Aruanã, em homenagem aos Carajás, há Dueré, em homenagem aos Javaés, há Caiapônia, para perpetuar a memória dos valentes irmãos de Damiana da Cunha…”.

Enfim, cita também Anicuns, Inhumas, Itumbiara, Crixás, Pilar de Goiás, Corumbá e Jaraguá, tidos como nomes bonitos “que despertam na gente as melhores emoções”.

O capítulo sobre os topônimos goianos é, ao mesmo tempo, informativo e hilário.

Bernardo retirou Goiás do ostracismo literário

Em face das comemorações pelos 50 anos da entrada de Bernardo Élis na Academia Brasileira de Letras (1975-2025), inúmeras atividades relativas à sua obra serão realizadas, por meio da iniciativa dos dinâmicos dirigentes do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado (Icebe) e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG).

Loas ao grande escritor Bernardo Élis, que há cinquenta anos tirou Goiás do ostracismo literário, mostrando a todo o país que o cerrado e sua cultura são inspiradores de uma rica literatura.

Os ermos não são gerais quando se trata da extraordinária literatura de Bernardo Élis, que mesmerizou Monteiro Lobato, Guimarães Rosa e Antonio Candido.

Goiânia, com muita honra e orgulho, será a nossa Bernardópolis.

Marina Teixeira da Silva Canedo, poeta, cronista e crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.

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