Há brincadeiras que se tornam um problema sério e, às vezes, explosivo. Quando articuladas por adultos, com ou sem malícia, podem piorar o quadro. É o que parece ter acontecido com os diplomatas Pablo Cardoso e Cristiano Ebner. Como se fosse um adolescente, o primeiro desenhou um “pinto alado” e o enviou para o segundo, o que gerou um quiproquó.
A história foi relatada pelo repórter Rodrigo Castro, da coluna de Lauro Jardim, de “O Globo” (21 de março), e depois comentada pelo antropólogo Roberto DaMatta, no mesmo jornal (26 de março).
O desenho do “pênis com asas” gerou uma denúncia de Cristiano Ebner, chefe da Divisão de Saúde e Segurança do Servidor (DSS) à Polícia Federal. O material teria sido enviado pela fictícia Fundação Kresus.
Observando imagens do circuito de segurança, a Polícia Federal descobriu que um funcionário da Eletronorte havia enviado o desenho, numa unidade dos Correios, em Brasília, em junho deste ano.
Localizado, o servidor admitiu que havia enviado a correspondência, mas não era o autor do desenho do “pênis alado”.
Pablo Cardoso, talvez para reduzir o impacto da denúncia, procurou Cristiano Ebner e esclareceu que era o “Picasso” tropical por trás (epa!) do desenho do “pênis com asas”. O diplomata criativo, ao sublinhar que tudo não passara de uma “brincadeira”, pediu desculpas ao colega de Itamaraty.
Radicado em Lisboa, Pablo Cardoso, ministro de segunda classe do Itamaraty, foi intimado a prestar esclarecimentos à Polícia Federal.

À Polícia Federal, Pablo Cardoso confirmou ter desenhado o “pênis alado” e que enviou cópias para outras pessoas. Admitiu também que sabe desenhar.
A dita Fundação Kresus é uma referência ao rei Creso da Lídia, apontado como o homem mais rico de seu tempo.
A Polícia Federal assinala o feito de Pablo Cardoso configura “crime de ameaça. “Estes preceitos [‘alto nível de escolaridade e cargo de elevada complexidade’, e capacidade precisa de intepretação], considerados em conjunto com o cenário de recebimento da correspondência especificamente direcionada à vítima, com qualificação completa e conhecimento acerca do local exato de trabalho, são capazes de gerar o temor exigido pelo tipo penal” (seis meses de detenção ou multa).
Porém, o delegado Thiago Peixe não indiciou Pablo Cardoso, por considerar o “delito de menor proporção”. A Justiça arquivou o caso por “falta de elementos para a consumação do delito”.
No Itamaraty, para evitar uma punição grave, Pablo Cardoso assinou um documento se comprometendo a não reincidir nas “brincadeiras” infantis — seja com “pênis alado” ou “pênis sem asas”.
Apesar da brincadeira, pela qual quase foi fisgado pela Justiça, Pablo Cardoso vai assumir a embaixada brasileira na Guiné-Bissau, país africano de Língua Portuguesa. Ele terá de ser sabatinado no Senado.
Bom humor do antropólogo Roberto DaMatta

No artigo “Sobre pênis alados”, um dos mais importantes antropólogos brasileiros, Roberto DaMatta, sugere que não viu nenhuma gravidade no desenho do “pênis com asas”.
Transcrevo, a seguir, dois trechos de seu informativo e bem-humorado texto.
“Não pude evitar a ponderação que ouso aqui compartilhar, contida no seguinte paradoxo: como um pênis com asas ou um antigo e célebre cazzo volante — o membro viril capaz de voar — pode ter causado tanto rebuliço entre profissionais cuja missão é desfazer as patifarias inomináveis de caudilhos, terroristas e neofascistas; e acabar com guerras e agressões?”, assinala Roberto DaMatta.
“Pior que fantasiosos ‘pênis voadores são os drones e foguetes que — ao contrário desses símbolos de amor e fertilidade — destroem cidades e vidas”, anota o antropólogo, numa referência, quem sabe, às guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza.
Roberto DaMatta enfatiza que, “nas grandes civilizações, o pênis ereto foi (e ainda é) apreciado como sinal de força e sinceridade. Se, porém, for dotado de asas, ele se transforma num símbolo de sorte, liberdade, força e, acima de tudo, petulância e fertilidade. Caralhos — com a devida vênia pelo português castiço — somente são agraciados com asas, como os anjos, quando querem muito bem a quem são endereçados”.
Apesar do mau gosto da brincadeira de Pablo Cardoso — que, por sinal, desenha libidinosamente mal —, é melhor rir que lamuriar. A história afigura-se mais no terreno da comédia do que da tragédia, diriam Sófocles, Shakespeare, Racine, Ibsen e Tchékhov.
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