Centro de Goiânia tem apenas uma lixeira a cada 2.500 m², mostra levantamento do Jornal Opção

Em meio ao movimento incessante de pedestres no centro de Goiânia, uma equipe do Jornal Opção se dedicou a uma tarefa aparentemente simples, mas que revela muito sobre a situação urbana da capital: contar as lixeiras. O resultado, no entanto, trouxe à tona uma constatação: em uma área de 765.313 m², havia, em média, uma lixeira a cada 2.500 m². Especialistas apontam que esse número não só é insuficiente, como também reflete um problema maior, que é o planejamento urbano inadequado para áreas de alta circulação, como a região central da cidade.

No total, o centro da capital conta com 296 lixeiras, das quais 78 estão danificadas. Em locais como a Rua 4, por exemplo, existem 30 lixeiras, das quais 9 estão estragadas, enquanto na Avenida Anhanguera, com 25 lixeiras, 12 delas estão fora de uso. A situação não é muito diferente em outros pontos, como na Praça Cívica, onde das 29 lixeiras, 6 estão danificadas, e no Setor Campinas, na Praça Joaquim Lúcio, com 11 lixeiras, onde pelo menos 4 estão quebradas. 

Os números no Centro da Goiânia:

  • Araguaia: 24 lixeiras (4 estragadas)
  • Paranaíba: 39 lixeiras (6 estragadas)
  • Tocantins: 36 lixeiras (8 estragadas)
  • Praça Cívica: 29 lixeiras (6 estragadas)
  • Avenida Goiás: 96 lixeiras (31 estragadas) 
  • Rua 4: 30 lixeiras (9 estragadas)
  • Rua 3: 16 lixeiras (2 estragadas)
  • Rua 1: 1 lixeira 
  • Anhanguera: 25 lixeiras (12 estragadas)

Além disso, o cenário é agravado pela falta de lixeiras adequadas e pela resistência de uma parcela da população em contribuir para a limpeza pública, seja pela falta de conscientização ou pela ausência de incentivos. “O pessoal da Prefeitura passa aqui para varrer mas vem gente e joga lixo logo em seguida”, reclama Maria de Lurdes, comerciante da região da 24 de Outubro, destacando a dificuldade de lidar com o descaso de alguns pedestres.

Lixos na calçada da região da 24 de Outubro | Foto: Guilherme Alves

Em outros pontos da cidade, como na Avenida Araguaia e na Rua 3, comerciantes relatam que a coleta de lixo é irregular. “O lixeiro não passa direito aqui. Eu mesmo já pensei em soldar as lixeiras, mas não pode, pode ser multado”, conta José, que trabalha na Avenida Araguaia, enquanto Rodrigo W. Pereira, da Avenida Anhanguera, aponta a necessidade de mais lixeiras e de uma gestão mais eficaz. “As lixeiras têm que ser maiores e mais organizadas”, diz ele, destacando que a limpeza melhorou, mas a demanda por mais lixeiras continua crescente.

Jerônimo, comerciante da Rua 3, no Setor Central, também relatou problemas com a coleta de lixo, como a falta de sacos de lixo para os trabalhadores da varrição. Segundo ele, “o lixo da rua não está ensacado, de ontem não passaram. O lixo que eu pus lá até o molhado rasgou ele.” De acordo com o comerciante, embora a limpeza tenha melhorado, o sistema de coleta ainda enfrenta dificuldades estruturais. “As lixeiras precisam ser maiores, com material mais durável”, acrescentou. Já Maílson, outro comerciante da Avenida Anhanguera, ressaltou a falta de lixeiras, que tem levado ao acúmulo de lixo nas ruas. Ele afirmou: “Está faltando lixeira aqui, e o lixo está acumulando. Não acumula mais porque o pessoal que faz reciclagem de caixas acaba recolhendo.”

Em fevereiro, durante a abertura da 20ª Legislatura da Câmara Municipal de Goiânia, o prefeito Sandro Mabel (UB) explicou à imprensa que a Prefeitura não tem recursos para “gastar R$ 12 milhões com lixo”, alertando para o impacto financeiro da situação. Segundo Mabel, o aterro, que está sem licença ambiental desde 2014, não tem os tratamentos adequados para os resíduos.

Por outro lado, o MPGO mantém uma postura rigorosa. A cobrança de regularização do aterro e a implementação de um tratamento adequado dos resíduos é uma das condições para autorizar a cobrança da Taxa do Lixo, algo que não pode ser realizado enquanto o serviço não estiver devidamente regularizado. Porém, o prefeito argumenta que a gestão não pode assumir o custo de readequação do aterro, especialmente com a dívida de R$ 4 bilhões herdada da administração anterior.

A crise das lixeiras urbanas

Ao avançar pelas avenidas e praças centrais, a reportagem captou diversas opiniões que se entrelaçam em uma narrativa que transcende a mera constatação dos números. Entre as declarações, sobressai a visão de dois especialistas entrevistados pelo Jornal Opção: a arquiteta, urbanista e doutora em Geografia, Maria Ester e o especialista em Planejamento Urbano e Ambiental, Gerson Neto, que ressaltam a importância de enxergar as lixeiras como parte integrante do mobiliário urbano. 

“A gestão pública tem o hábito de instalar o mobiliário como se fosse uma marca registrada da prefeitura e nunca mais voltar para fazer manutenção”, critica Maria Ester. Esse descaso se agrava com o processo de terceirização dos serviços. “Quando o serviço é terceirizado, começa uma disputa de responsabilidades: ‘isso é lixeira, não estava no contrato, então não vou mexer’”. Nesse sentido, ela observa que a gestão pública deveria tomar a frente do processo, assumindo a responsabilidade pela instalação e manutenção de lixeiras e outros equipamentos essenciais à cidade.

A urbanista também menciona a importância de melhorar o número de lixeiras na cidade, especialmente em áreas com grande concentração de pessoas, como parques urbanos, feiras e avenidas de alto fluxo. “A cidade carece de mobiliário. Acho que a gente tinha, sim, que ter mais lixeiras”, sugeriu, ressaltando que o aumento da quantidade de lixeiras deve ser acompanhado de um planejamento estratégico para garantir que elas estejam localizadas em pontos de maior circulação de pessoas.

“Tem que colocar lá. Daqui três meses, volta lá, às vezes soltou um parafuso, o carro bateu, alguém passou e roubou uma parte. Voltem lá, tem que consertar, tem que arrumar de novo”, alertou a urbanista. Para ela, a gestão pública deve se comprometer a dar continuidade ao trabalho de instalação e manutenção das lixeiras, de forma que elas não se tornem apenas um mobiliário urbano que se deteriora rapidamente.

Gerson Neto complementa e explica que os problemas atuais têm raízes profundas: “Na gestão anterior, houve um processo de estresse na relação com a Comurg, envolvendo casos de corrupção e supersalários”. Para ele, a solução encontrada na época – a terceirização do serviço para o consórcio LimpaGin – mostrou-se insuficiente. “Eles assumem apenas o mínimo necessário, enquanto parte do trabalho ainda fica com a própria Comurg, especialmente a varrição de rua”.

O especialista é enfático ao afirmar que “a nova prefeitura precisa planejar urgentemente a limpeza urbana e tomar decisões concretas”. Ele argumenta que a população só seguirá o exemplo do poder público quando puder ver ações efetivas. “Se as pessoas percebem que a prefeitura não faz sua parte, a tendência é relaxar ainda mais nos cuidados com a limpeza”.

Lixos na frente do Restaurante do Bem da região central, na Avenida Araguaia | Foto: Guilherme Alves

Além disso, Ester acredita que a crise no setor de resíduos também afeta a paisagem urbana e, por consequência, a relação dos cidadãos com a cidade. Para ela, quando uma cidade apresenta uma paisagem suja e deteriorada, a conexão afetiva dos habitantes com o local diminui. “Quando você tem uma cidade em que a paisagem dela só te remete a uma coisa que é suja, estragada, desagradável, a minha relação com essa cidade é muito diferente”, explica. Isso gera um ciclo de desinteresse e abandono por parte dos moradores, o que pode levar à degradação de espaços públicos e à privatização de áreas essenciais.

Diante dessa situação, a equipe do Jornal Opção buscou o posicionamento da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) e da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) sobre a distribuição de lixeiras e o descarte irregular de resíduos na cidade. Ambas as entidades enviaram suas notas de resposta. A Seinfra, em sua nota, declarou: “que está fazendo um levantamento da atual situação para planejar uma redistribuição e colocar novas lixeiras na cidade”. 

Já a Amma destacou que “o descarte irregular de resíduos é infração ambiental passível de multa a partir de R$ 5.000, além da apreensão do equipamento usado para cometer o crime”. A Amma informou ainda que, em 2025, a fiscalização na cidade foi intensificada, com 786 vistorias realizadas, 176 notificações, 191 autos de infração e 12 apreensões. Confira a nota completa na íntegra.

O desafio da reciclagem e o custo ambiental

Além da questão dos equipamentos deteriorados, a educação ambiental também é uma área que requer maior atenção.  “Goiânia já esteve muito melhor em relação à política de coleta seletiva. Hoje nós estamos mal, estamos fazendo o mínimo possível”, afirmou Gerson Neto, ressaltando a necessidade de um investimento contínuo em campanhas educativas que incentivem a população a separar corretamente os resíduos recicláveis. 

“O lixo nas ruas entope bocas de lobo com as chuvas, causando enchentes e alagamentos. Também aumenta vetores de doenças como ratos, baratas e mosquitos da dengue”, diz Neto. Esses problemas, segundo o especialista, demonstram como a limpeza urbana está intrinsecamente ligada ao saneamento básico e à saúde pública.

Outro ponto abordado por Maria Ester é a conscientização da população sobre o lixo e a responsabilidade de cada cidadão em relação aos seus resíduos. Ela sugere que a população deveria repensar o modo como lida com seus resíduos, adotando práticas mais sustentáveis e responsáveis. “Por que o lixo pessoal de uma pessoa, o particular, tem que ser responsabilidade da prefeitura? Por que eu não posso tomar conta do meu lixo?”, questiona, enfatizando que a mudança de comportamento começa na consciência individual.

A urbanista defende que parte do lixo poderia ser reaproveitada, reciclada ou destinada de forma mais eficiente, sem sobrecarregar os serviços públicos. Para ela, a educação ambiental também é o caminho base para que a cidade se torne mais consciente e sustentável. “Se cada um tivesse esse pensamento, pelo menos mais da metade do lixo que a gente vê na rua, não estaria na rua. Estaria destinada em outros locais”, afirma.

Gerson Neto também propôs incentivos para aqueles que praticam a separação de resíduos e a compostagem em casa, afirmando que a Prefeitura poderia oferecer descontos para cidadãos e empresas que contribuíssem de forma ativa para o processo de gestão sustentável de resíduos. “É preciso que a prefeitura implemente uma política de biocompostagem desses resíduos orgânicos, para a gente aproveitar o máximo possível desses resíduos”, disse ele, destacando o potencial de geração de emprego e renda por meio do reaproveitamento dos materiais recicláveis.

A busca e solução mencionada pelos especialistas em relação a reciclagem, é baseada em exemplos e em um recente estudo elaborado pela Fundação Dom Cabral e o Instituto Atmos que revela que a gestão de resíduos no Brasil poderia gerar entre 197 mil e 244 mil empregos, caso sejam feitos investimentos estratégicos em infraestrutura, tecnologia e mudanças educacionais. O estudo aponta, ainda, que o Brasil gera cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, dos quais 33,6% são recicláveis. No entanto, a taxa de reciclagem no país é extremamente baixa, variando entre 2,4% e 8,3% do total de resíduos gerados. Esse quadro resulta em uma perda econômica estimada em R$ 14 bilhões por ano.

O aumento da reciclagem, se alcançado, pode ser uma solução tanto ambiental quanto econômica para o país. “Cada aumento de 1% na taxa de reciclagem pode gerar cerca de 9.315 empregos diretos. Se a reciclagem avançar 10 pontos percentuais, seriam criados aproximadamente 93 mil novos postos de trabalho”, aponta o estudo. 

O caminho para uma Goiânia mais limpa

Além da conscientização sobre o descarte de lixo, Maria Ester ressalta a importância de um planejamento abrangente por parte da Prefeitura de Goiânia para a gestão dos resíduos sólidos. Segundo ela, a gestão pública precisa implementar um plano eficiente que contemple não apenas a coleta seletiva, mas também a educação ambiental e a fiscalização. “Tem que partir do poder executivo o primeiro passo para isso começar a mudar”, defendeu. Segundo a urbanista, o plano deveria estabelecer diretrizes claras para a coleta de lixo reciclável, a destinação de resíduos para cooperativas e a promoção de programas educativos nas escolas municipais.

Maria Ester destaca que, além de promover a coleta seletiva, a Prefeitura precisa agir em várias frentes para garantir que os resíduos sejam corretamente tratados. “O plano de gestão de resíduo sólido também vai indicar a gestão do aterro controlado na cidade. O aterro controlado, nosso aqui, ele já tem um problema de operação porque ele já tá super lotado”, explicou. Para ela, a solução para o problema do aterro controlado passa, entre outras coisas, pela ampliação da coleta seletiva e pelo investimento em cooperativas de reciclagem, além de um trabalho mais focado na indústria da construção civil, que gera um grande volume de resíduos recicláveis.

Dentro desse cenário, Gerson Neto apontou que uma das alternativas mais viáveis para a melhoria da gestão de resíduos seria a ampliação dos ecopontos, locais específicos onde a população poderia descartar resíduos volumosos, como móveis e entulho. “Hoje nós temos só quatro [ecopontos], nós precisamos multiplicar em muito essa quantidade, pelo menos para 40”, sugeriu. Ele afirmou que, ao criar mais pontos de descarte e promover a compostagem, seria possível reduzir o impacto ambiental e fomentar a economia circular na cidade. 

Para Gerson Neto, o sucesso dessa gestão dependerá da capacidade de implementar um sistema mais eficiente, acessível e justo, que envolva toda a sociedade no processo de preservação ambiental e na melhoria da qualidade de vida urbana. “A gente tem que ter um super investimento nas cooperativas de reciclagem para que a gente diminua o volume do lixo produzido”, conclui Maria Ester, destacando a importância de uma mudança cultural profunda em relação à gestão de resíduos na cidade.

Nota completa da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra)

A Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), está fazendo um levantamento da atual situação para planejar uma redistribuição e colocar novas lixeiras na cidade.

Nota completa da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma)

A Amma reforça que o descarte irregular de resíduos é infração ambiental passível de multa a partir de R$ 5.000, além da apreensão do equipamento usado para cometer o crime. A Agência intensificou a fiscalização e, em 2025, realizou 786 vistorias, 176 notificações, 191 autos de Infração e 12 autos de apreensão por descarte irregular. O descarte correto, pelos pequenos geradores, deve ser feito em um dos 5 Ecopontos ou dos 8 novos pontos de descarte inaugurados na última sexta-feira.

A legislação estabelece que a responsabilidade pelos resíduos sólidos é compartilhada entre população e poder público. Nesse sentido, a Agência intensificou as atividades de educação ambiental, que sempre envolvem a educação sobre resíduos, incluindo eventos na Vila Ambiental, palestras e outras ações. Como exemplo, pode-se tomar a realizada na manhã desta sexta-feira (28/3), em que foi feito o reflorestamento, com a participação da população, em uma área que era usada para descarte irregular no Jardim Guanabara. O plantio das 120 mudas foi realizado por estudantes da rede municipal de ensino e, anteriormente, profissionais da Amma foram até as casas orientar os moradores sobre a importância da ação.

Outro projeto da Amma que merece destaque são as Zonas de Desenvolvimento Sustentável, que, entre vários sistemas de gestão ambiental, está contemplado o sistema de gestão de resíduos sólidos, com a implantação de lixeiras, novas pontos de entrega voluntária de resíduos e educação ambiental voltada pasa a saúde ambiental da cidade.

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