Pesca ilegal e falta de fiscalização ameaçam “tesouros” no mar

Ilha Escalvada, em Guarapari: um dos pontos mais ricos em número de espécies do litoral brasileiro

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Divulgação/João Luiz Gasparini

Reconhecida oficialmente como a Capital Nacional da Biodiversidade Marinha, Guarapari esconde no fundo do mar um grande número de espécies marinhas extremamente importantes em vários grupos, incluindo peixes, tartarugas e invertebrados, muitas ameaçadas de extinção.Porém, a pesca excessiva, e muitas vezes ilegal, somada à falta de medidas de proteção e fiscalização têm colocado em perigo os tesouros naturais localizados na região. O assunto se tornou tema de uma pesquisa realizada através de uma parceria entre o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).Intitulado Peixes pro Amanhã, o projeto monitorou as comunidades de peixes recifais das ilhas Escalvada, Rasas e Três Ilhas. O coordenador da ação, Ciro Vilar, conta que as pesquisas mostraram um cenário preocupante em relação à conservação da biodiversidade. “Espécies com elevado valor comercial e muito visadas pela pesca, como os badejos, garoupas e vermelhos, foram muito raras ou não identificadas na região, sobretudo aquelas de grande porte”.O pesquisador chama a atenção para a importância da fiscalização e da criação de áreas de proteção na região.“A proteção dessas áreas é muito importante, principalmente por meio de unidades de conservação onde a pesca é proibida, para a manutenção e recuperação das populações de peixes e outros organismos marinhos. Essas áreas poderiam funcionar, inclusive, como ‘áreas de produção’, fomentando a pesca nas regiões adjacentes”, reforça Ciro.A diversidade da região é originada da localização das águas da cidade. O litoral sul capixaba, entre Vitória e Marataízes, é onde ocorre o contato de duas grandes correntes que atuam no País.“A água quente da Corrente do Brasil que desce do Nordeste e a água fria que sobe da Corrente das Malvinas, vinda do Sul, é potencializada pela ressurgência na região de Arraial do Cabo. Portanto, no sul do Estado há o encontro dessas águas e, consequentemente, dessas faunas e floras das duas províncias”, detalha o biólogo especialista em peixes, João Luiz Gasparini.Medidas para preservaçãoPara Ciro Vilar, os dados obtidos durante as pesquisas podem influenciar a realização de ações de conservação na região e políticas públicas ambientais de diversas formas.“Eles podem embasar, por exemplo, a seleção de áreas prioritárias para a proteção na região, avaliações das populações de peixes, inclusive de espécies atualmente ameaçadas, medidas de manejo da pesca, bem como auxiliar a avaliar a efetividade das medidas de conservação existentes, como a Zona Marinha de Uso Controlado da APA de Setiba, para a conservação da biodiversidade local”, defende o doutor em Ecologia e Conservação.As pesquisas do projeto Peixes pro Amanhã foram realizadas em três diferentes regiões marinhas de Guarapari. Uma delas, o Arquipélago das Três Ilhas, é parte da Zona Marinha de Uso Controlado (ZMUC) da APA de Setiba, onde certas modalidades de pesca são proibidas.O relatório sugere uma reconfiguração nas medidas de proteção, apontando para um envolvimento maior dos principais usuários da região — pescadores, operadoras de mergulho e agências de turismo — durante o processo de planejamento, em conjunto com o reforço da fiscalização para assegurar que os objetivos de conservação sejam alcançados.Quinze espécies sob risco de extinção

Pesquisadores do projeto Peixes pro Amanhã em Guarapari

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Divulgação/Ciro Vilar

No relatório, o projeto Peixes pro Amanhã classificou 15 espécies como ameaçadas de extinção, sendo que duas apresentam maior perigo no Espírito Santo do que em nível nacional. Todas as espécies ameaçadas, seja em nível estadual ou nacional, são alvo de diferentes modalidades de pesca ou capturadas como fauna acompanhante.Entre as espécies que apresentam maior perigo de extinção na região estão a garoupa, o badejo e a cirioba.Pioneiro em pesquisas nas ilhas de Guarapari, o biólogo João Luiz Gasparini explica que, além da pesca sem controle, outros problemas também prejudicam a biodiversidade da região: poluição por esgoto doméstico e lixo (plástico e microplástico), coleta de corais e estrelas do mar para virar souvenirs, empreendimentos portuários, campos eólicos marinhos, e de petróleo e gás, recifes artificiais e o aquecimento global.“Aquecimento das águas oceânicas e aumento do nível do mar – apenas esses dois efeitos já colocam milhares de espécies em risco. Os corais podem desaparecer por completo com o aquecimento das águas, e as espécies que só vivem em águas rasas serão extirpadas por conta da subida do nível do mar e a destruição completa dessas áreas berçários”, conclui o profissional.Espécies encontradasPeixe-dardo ou peixe-flexa (Ptereleotris randalli)

Peixe-dardo ou peixe-flexa (Ptereleotris randalli)

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Divulgação/João Luiz Gasparini

Endêmico da Província Brasileira, vive na zona de cascalho e rodolitos de alga calcária que circundam as ilhas costeiras do Brasil. Também descrita a partir dos estudos feitos nas Ilhas de Guarapari.Gramma brasiliensis (vulgo Gramma brasileiro)

Gramma brasiliensis (vulgo Gramma brasileiro)

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Divulgação/João Luiz Gasparini

Espécie endêmica dos recifes brasileiros, descrita a partir dos estudos nas ilhas de Guarapari e mar de Marataízes. Belíssimo peixe com coloração exuberante, muito desejado pelo mercado de aquarismo. Hoje figura nas listas de espécies ameaçadas de extinção.Labrisomus cricota (vulgo Maria-da-toca cabeluda)

Labrisomus cricota (vulgo Maria-da-toca cabeluda)

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Divulgação/João Luiz Gasparini

Espécie restrita dos recifes rasos do Brasil. Comum em poças de maré e nos recifes rasinhos nos costões rochosos. Também descrita a partir dos estudos feitos nas ilhas de GuarapariPeixe-periquito brasileiro (Sparisoma tuiupiranga)

Peixe-periquito brasileiro (Sparisoma tuiupiranga)

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Divulgação/João Luiz Gasparini

Espécie pequena da família dos peixes-papagaio. Possui uma dentição em forma de bico, especializada em raspar as algas que nascem sobre os corais. Esse grupo de peixes inicia a sua vida como fêmeas e depois que cresce e atinge a fase final, entra em inversão sexual e vira macho. A espécie foi descoberta e descrita a partir dos estudos nas ilhas de Guarapari.Fonte: João Luiz Gasparini, ictiólogo especialista em taxonomia.

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