Em O Livro Branco, Han Kang usa a dor pessoal para examinar as cicatrizes coletivas

Carlos Willian

Especial para o Jornal Opção

Sétimo livro lido em 2025, “O Livro Branco” (Todavia, 160 páginas, tradução de Marcelo Delamanha), de Han Kang.

Uma parte de “O Livro Branco” foi escrita em Varsóvia, cidade onde as marcas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) coexistem com edifícios reconstruídos. O contraste entre destruição e reconstrução leva a coreana Han Kang — Nobel de Literatura de 2024 — a refletir sobre sua irmã, que morreu poucas horas após nascer. Esse evento trágico, paradoxalmente, possibilitou sua própria existência e, de alguma forma, a acompanha desde o nascimento. A narrativa se desdobra como uma meditação sobre a ausência e a dor invisível que molda nossas vidas.

A cor branca, central à narrativa, simboliza tanto o luto quanto a renovação nas tradições orientais. Cada capítulo é ancorado em um objeto branco — neve, sal, magnólia — que transcende sua materialidade para se tornar uma metáfora da perda e da memória. Sem cair no melodrama, Han Kang, com capítulos curtos e contundentes, constrói imagens que, por trás da aparente delicadeza, possuem a precisão de um bisturi, onde até os espaços em branco entre os capítulos parecem dizer tanto quanto sua escrita.

Han Kang, escritora coreana | Foto: David Levene/Divulgação

Nesse lugar de memórias e reconstrução, Varsóvia e Coreia do Sul se fundem: ambas marcadas por traumas históricos, ambas buscando formas de renascer. Han Kang utiliza a dor pessoal como lente para examinar cicatrizes coletivas, explorando como o vazio deixado pela ausência pode, paradoxalmente, dar forma a algo novo. O branco não é apenas ausência, mas também, de alguma forma, um espaço ou lugar de reinvenção.

“O Livro Branco” não é propriamente sobre luto, mas sobre reconstrução, embora utilize a perda como matéria-prima. Com uma prosa contida, mas também visceral como uma lâmina, Han Kang nos mostra que mesmo o que está perdido pode deixar vestígios capazes de sustentar e iluminar novos caminhos. Um livro breve, que transforma o silêncio em resistência, o vazio em um grito, e as lacunas em território de criação.

Nota: 9

Carlos Willian Leite, poeta, jornalista e editor da “Revista Bula”, é colaborador do Jornal Opção.

O post Em O Livro Branco, Han Kang usa a dor pessoal para examinar as cicatrizes coletivas apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.