Sobre “pilantras” dos ovos, cafezinho caro e falsos profetas

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Se o presidente Lula quiser recuperar a popularidade, vai ter que fazer bem mais do que apontar o dedo para os “pilantras dos ovos”. A alta na alimentação é uma tendência global e no país do agronegócio a crise dos preços dos ovos, do café, do cacau e de outros itens bem brasileiros tem contornos próprios. De 2012 para cá, o preço dos alimentos subiu 162% no país, e a tendência, infelizmente, é de alta nos próximos anos. 

O vilão é o clima, ou melhor, as mudanças que o nosso modo de vida vem trazendo para o planeta. O calor, a seca ou as chuvas excessivas afetam a produtividade das lavouras, como aconteceu com o café por aqui, já inflacionado pela quebra da safra no Vietnã, o segundo maior produtor do mundo, atrás apenas da gente. 

Com o café brasileiro impactado principalmente pelo calor e a estiagem no Sudeste, produzimos quase 2% a menos do que no ano anterior, contrariando as expectativas. Explico: o café, essa substância mágica que nos ajuda a viver, tem uma característica singular, chamada de bienalidade, e, depois da decepção de 2023, se esperava uma colheita maior em 2024. 

E aí entra outro fator tão global quanto a emergência climática: as commodities. Se falta o café asiático e a produção brasileira é menor, o preço sobe, e os cafeicultores – que estão rindo à toa – vão vendendo o produto aos poucos para segurar a alta. O preço mundial do café subiu quase 38,7% em 2024 em relação ao ano anterior. No Brasil, terra do cafezinho, o aumento foi de 66,18% no acumulado em 12 meses em fevereiro de 2025. 

Com os ovos – alta de mais de 40% – a situação é semelhante pelas mesmas razões de fundo, embora com características diferentes e consequências ainda mais preocupantes, como mostra o episódio desta semana do videocast/podcast Bom dia, Fim do Mundo (não vou dar spoiler, ouça lá rs). 

Pelo menos desde 2022, como mostra essa reportagem da Agência Pública, o calor vem prejudicando a produtividade das galinhas – que comem menos, botam menos ovos, e com a casca mais fininha, o que traz perdas no armazenamento e transporte. 

Além disso, a ração das galinhas poedeiras é composta basicamente de soja e milho, duas commodities que subiram de preço também por questões climáticas – o que inclui a catástrofe no Rio Grande do Sul, além da estiagem no Centro-Oeste. 

Ou seja, produzir ovos ficou mais caro e a produtividade caiu; dois fatores que impulsionaram a alta com uma pitada de “pilantragem” depois da explosão dos preços dos ovos nos Estados Unidos, que vivem um surto de gripe aviária. E nem foi por causa da venda de ovos para o país de Trump, que cresceu mais de 60% nos últimos meses. Afinal, ainda assim, 99% da nossa produção vão para o mercado interno, ou seja, há mais especulação do que exportação.

Para além das apostas do mercado e de características próprias dos produtos em alta (câmbio, sazonalidade, tipo de transporte etc.), o certo é que os governos – Lula e os que virão depois – terão que lidar com uma realidade climática em que comer custa caro. Isso em um quadro de crescimento da desigualdade, o que aumenta a preocupação com a segurança alimentar das famílias brasileiras. Não é à toa que o presidente escolheu os ovos como objeto de sua indignação: essa é a proteína de qualidade mais barata do mercado e a mistura mais comum no nosso arroz e feijão de todo dia. 

Mas, se a tendência dos preços dos alimentos segue em alta junto com a emergência climática, também há luz no fim do túnel, como diria nosso anjo Gabriel no podcast Bom dia, Fim do Mundo (se você não entendeu a brincadeira, ouça o podcast rs). Nesta quarta-feira (19), o MST celebrou a safra de 14 mil toneladas de arroz agroecológico no Rio Grande do Sul, depois de uma queda de 50% na produção do ano passado por causa das enchentes. 

“A utilização dos bioinsumos pelos agricultores, tanto na produção de hortaliças quanto na produção de arroz, ajudou na recuperação desse solo. O cuidado com a terra, com a natureza, já é uma prática dos agricultores”, explicou Nelson Luiz Krupinski, do setor de produção do MST-RS, à coluna de Míriam Leitão.

Para conter os preços e garantir a segurança alimentar dos brasileiros, o governo tem que investir na transição energética, incentivar a inovação e tecnologia para criar sementes e lavouras mais resilientes, dar mais crédito para a agricultura familiar e de baixo carbono, manter e gerenciar estoques, enfim, adotar políticas públicas eficazes

Nada que a taxa Selic, que chegou a 14,25% nesta semana, possa resolver, como me explicou a pesquisadora Clara Brenck, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP. Isso porque a inflação dos alimentos é motivada pela escassez da oferta, que tem como principal fator as mudanças climáticas

“O Banco Central usa os juros para controlar a inflação, mas isso funciona quando é uma inflação de demanda, e, nesse caso, é uma inflação de oferta. Então você usa o instrumento de aumentar os juros para desaquecer a economia para diminuir a demanda e reduzir a inflação dos preços, mas não resolve a inflação dos alimentos e encarece o crédito para investir em capacidade, produtividade, adaptação nas culturas”, esclarece Brenck. 

Ou seja, para quem gasta quase todo o salário no supermercado só fica pior. Sem falar em um governo, já com os recursos canibalizados pelo Congresso, que fica cada vez mais endividado em um cenário em que precisamos de mais – e melhores – políticas públicas. 

Lembre-se disso quando escutar as vozes do mercado amplificadas no noticiário. A emergência climática não é mais um assunto restrito a ambientalistas e cientistas, como sabem agrônomos, economistas, povos tradicionais e agricultores familiares de todo o país. Aliás, é para tirar as mudanças climáticas do cercadinho dos especialistas que fazemos o Bom dia, Fim do Mundo. Já falei para você ouvir?

PS. O Bom dia, Fim do Mundo é apresentado por Ricardo Terto, Giovana Girardi e eu. Vai ao ar todas as quintas-feiras cedinho nos tocadores de podcast e no YouTube da Pública. Nos vemos lá!

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