A quem incomoda a justiça fiscal? Aos “iguais mais iguais que os outros”

A recente aprovação do projeto de lei que isenta o Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 milhões mensais reacendeu debates sobre justiça tributária e redistribuição de renda no Brasil. Embora setores do mercado e parte da imprensa classifiquem a medida como “eleitoreira”, ela representa um passo necessário — ainda que tímido — na tentativa de reequilibrar uma estrutura tributária historicamente injusta, que penaliza os mais pobres e poupa os mais ricos.

No Brasil, mais da metade da arrecadação tributária vem de impostos sobre bens e serviços, como o ICMS e o IPI. Trata-se de uma cobrança regressiva, que pesa mais proporcionalmente no bolso de quem tem menos. Os dados da Receita Federal mostram que menos de 20% da arrecadação vem da tributação sobre a renda — um modelo que, se mais progressivo, poderia contribuir para uma sociedade menos desigual. Em outras palavras, o Brasil tributa mais o consumo do arroz e feijão do que o patrimônio dos milionários.

A estrutura tributária brasileira é uma máquina de concentração de renda. E o problema não é apenas em quem paga, mas também em como o dinheiro arrecadado é utilizado. Cerca de metade do orçamento federal é destinada ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. E quem ganha com isso? Principalmente bancos, fundos de investimento e os grandes rentistas. Apenas 1,8% da dívida pública está nas mãos de pessoas físicas. Quase 90% dela é controlada por instituições financeiras e investidores estrangeiros.

Essa lógica perversa também se perpetua por meio das privatizações. Empresas estatais, construídas com o dinheiro de toda a sociedade, são vendidas a preços módicos para grandes grupos econômicos. Não raro, os compradores são justamente os mesmos que lucram com os juros pagos pelo governo — um ciclo perfeito de concentração de poder econômico.

Por isso, quando medidas como a liberada do Imposto de Renda para negociações mais baixas são aprovadas, geram tantos incômodos entre os que vivem do privilégio. Não se trata de um ataque ao mercado, mas de um esforço tímido, porém simbólico, para que o sistema pare de sangrar apenas o trabalhador enquanto preserva os milionários. O desconforto dos que estão no topo não é com o impacto fiscal da medida — é com a ideia de que os pobres podem, enfim, respirar um pouco mais aliviados.

Os dados são claros: os 100 milhões de brasileiros mais ricos possuem mais patrimônio nos bancos do que os 100 milhões mais pobres. Apenas o imposto sobre a propriedade rural no país arrecada o montante irrisório de R$ 1 bilhão ao ano — menos do que o IPTU da cidade de São Paulo. É difícil imaginar outro país em que a elite econômica tenha tantas privilégios e pague tão pouco por eles.

O que está em jogo, portanto, é mais do que uma faixa de isenção: é um modelo de país. Um país onde a ascensão social dos mais pobres não seja vista como ameaça, mas como progresso. Um país que abandona a lógica de beneficiar o que já tem tudo em detrimento do que pouco possui. Um país onde a justiça fiscal não seja tratado como tabu.

É preciso coragem política para romper com os interesses que sustentam o sistema atual. A transformação que o Brasil precisa vai além de ajustes pontuais: exige uma revolução na forma como arrecadar, investir e distribuir riqueza. Se isso parece radical para alguns, talvez seja porque a equidade incomoda mais do que a desigualdade em país onde “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

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