Manuella Mirella, primeira negra e nordestina a chefiar a UNE, quer renovar a política

Por Weslley Galzo

Do Estadão

Da periferia de Paulista, cidade da região metropolitana do Recife, para as disputas de poder no movimento estudantil e na política institucional em Brasília. O trânsito por realidades diferentes e a adaptabilidade nesses espaços são marcas da trajetória de Manuella Mirella, atual presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Aos 28 anos, ela é a primeira mulher negra e nordestina a presidir a entidade estudantil.

Manuella Mirella faz parte da nova série do Estadão “Nomes para ficar de olho”, que traz perfis em texto e vídeo de jovens que devem ganhar projeção no debate público nacional nos próximos anos.

Em 87 anos de existência, a UNE revelou diversos quadros da política nacional, como o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB), o líder do PT na Câmara, deputado federal Lindbergh Farias (RJ), e o também deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). Esse histórico sempre torna o presidente da organização estudantil uma grande promessa.

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Há anos, a entidade é presidida por estudantes da União da Juventude Socialista (UJS), braço jovem do PCdoB. Manuella não foge à regra, o que a coloca com um pé na política partidária e de olho nos movimentos da política institucional.

Mas para isso foram anos de preparação. Ela é filha de feirante e empregada doméstica e foi a primeira da família a ingressar no ensino superior. É formada em Química pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e cursa Engenharia Ambiental na FMU.

A jovem, aliás, teve no ensino superior o berço de sua formação política. “Na universidade comecei a sentir na pele a luta de classes. Via ali a discrepância da realidade. Se eu não tivesse os R$ 2 para comer no RU (Restaurante Universitário), ia ficar com fome (…), enquanto outros amigos iam para restaurantes”, diz em entrevista ao Estadão.

Foi também na Rural de Pernambuco que Manuella Mirella exerceu seu primeiro cargo de liderança, como presidente do Centro Acadêmico do curso de Química e do Diretório Central dos Estudantes. As experiências pavimentaram o caminho para que a jovem assumisse a liderança da UNE em julho de 2023, aos 26 anos, com quase 75% dos votos.

Funcionamento da política na prática

As atribuições do mandato fazem com que Manuella tenha papel relevante em discussões nacionais relacionadas à educação e integre órgãos de participação popular do governo federal, como o Conselhão – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, composto por representantes da sociedade civil.

A experiência no governo Lula, afirma, a ensinou sobre o funcionamento da política na prática e sobre a importância do diálogo. A participação no Conselhão, no Conselho de Participação Social e nos grupos de trabalho de Educação e Periferia fizeram-na interagir com setores sociais dos quais não é próxima, a exemplo do empresariado.

Apesar de integrar órgãos consultivos, a jovem afirma que a relação com o governo Lula demanda luta para conseguir que as pautas da UNE sejam efetivadas. Ela, no entanto, pondera que a correlação de forças e a abertura para negociações com a atual gestão melhoraram em relação ao tratamento que a entidade recebia no governo de Jair Bolsonaro. “No governo Bolsonaro a gente não chegava nem na porta do MEC, era expulso pela polícia. Hoje, dentro do Ministério da Educação, a gente segue lutando”, diz.

Manuella e a UNE têm no Congresso Nacional outra importante frente de luta e articulação. A jovem cita como principal bandeira de seu mandato a participação nas discussões de renovação da Lei de Cotas no País – política da qual foi beneficiada na universidade.

Outra disputa que tentou liderar no comando da entidade, mas sem resultados tão positivos, foi a mobilização por uma reforma universitária. A proposta defendida pela UNE é de que haja mais verba para as universidades e investimento em tecnologia de ponta, assim como regulação do setor privado.

Futuro político

Manuella não esconde que a presença em espaços institucionais e de disputa de poder a deixam animada, ainda mais com o histórico de ex-presidentes da UNE que migraram para a política institucional. Por outro lado, é cautelosa em relação às pretensões para o futuro – o mandato à frente da entidade estudantil acaba em julho. Por ora, seus planos de carreira envolvem terminar a segunda graduação e iniciar um mestrado sobre biocombustíveis e energia renovável, mas frisa que segue “à disposição para lutar onde for necessário”.

“A nossa luta é pela renovação. Tanto a Câmara, quanto as Assembleias Legislativas e nas vereanças do Brasil, acho que é necessário renovar com pessoas que tenham ideais progressistas, que pensem no coletivo, na melhoria do nosso povo”, afirma.

O comedimento de Manuella contrasta com o opinião de seus mentores na política, caso do deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB-PE). Ele classifica a estudante como uma “militante muito combativa e inteligente” e projeta a presidente da UNE em disputas na política institucional e partidária nos próximos anos.

“Eu penso que é o caminho natural (ela ser candidata). É claro que isso não é só uma questão de querer, de achar que é possível, de vontade. Está relacionado a certas condições que se criam, porque há um processo eleitoral”, afirma Calheiros. “Nenhum jovem é mais credenciado que ela, pela projeção, pela experiência que adquiriu, pela liderança que tem.”

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