Flávio Dino joga parado

Por Marcelo Tognozzi

Colunista do Poder360

Faltando pouco mais de um ano e meio para a campanha de 2026, um ator político relevante vem marcando posição de forma discreta, porém eficaz. O ministro Flávio Dino foi para o Supremo em 2024, depois de comandar o Ministério da Justiça. Entre os 11 integrantes do STF, ele é de longe o mais bem preparado para o exercício do poder. Tem no DNA aquilo que Maquiavel define como “virtú” (talento para conquistar e manter o poder). Seu apetite é imenso.

Dino começou a carreira na política estudantil da Universidade do Maranhão e participou da campanha de Lula em 1989, coordenando a jovem guarda. Foi filiado ao PT, ao PC do B e ao PSB. Aprovado em 1º lugar no concurso de juiz federal em 1994, ficou na magistratura até ser candidato a deputado federal em 2006, eleito com mais de 120 mil votos. Em 2014, foi eleito governador e reeleito em 2018. Depois, eleito senador em 2022, ministro da Justiça e, agora, ministro do Supremo.

Sabe tudo de poder o doutor Flávio, cuja família está na política há 200 anos. Dono de uma habilidade incomum para seduzir e comandar, foi indicado por Lula como sendo o primeiro comunista a ocupar uma cadeira no Supremo. Um comunista de sangue azul, de uma família tradicional na política maranhense, cujo patriarca Manoel Antônio Monteiro Tapajós, rico proprietário de terras, combateu a revolta da cabanagem ao lado das tropas do então governo imperial comandado pelo regente Diogo Antônio Feijó.

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Ao derrotar os líderes da cabanagem, revolta que explodiu no Pará em 1835 e durou até 1840, Tapajós angariou enorme prestígio na Corte e era chamado de herói por Feijó. Dino tem no DNA essa mesma capacidade de comando e de exercício da força. Não é pouca coisa.

Adversário figadal da família Sarney no Maranhão, ele encontrou na esquerda o espaço para crescer que não teria no centro ou na direita. Antes dele, Edson Vidigal, ex-ministro do STJ, tentou um caminho pelo PSB até o Palácio dos Leões e acabou em 3º lugar, atrás de Jackson Lago e Roseana Sarney.

Dino foi construindo sua rota até o poder tijolo por tijolo. Eleito deputado federal em 2006, foi candidato a prefeito de São Luiz em 2008 e perdeu para João Castelo, oriundo do grupo de Sarney. Em 2010, derrotado por Roseana Sarney na disputa pelo governo, ganhou de Dilma a presidência da Embratur como prêmio de consolação. Nesta época, perdeu um filho adolescente, morto depois de passar mal na escola. A dor imensa não passou nunca.

Em 2014, finalmente chegou ao governo do Maranhão, derrotando o grupo da família Sarney. A partir desta eleição, foi consolidando seu poder no Estado, ocupando a pista toda, como é do seu feitio.

Neste mesmo ano, depois de deixar o Senado e a vida pública, o ex-presidente Sarney montou um escritório no Setor Hoteleiro Norte, em Brasília. Era um local até modesto para o tamanho e a importância política de Sarney. Correu forte o boato de que Dino mandou alugar uma sala ao lado, na qual teria montado escutas para monitorar o ex-presidente. Verdade ou não, o fato é que Sarney mudou seu escritório para um shopping algumas quadras adiante.

Dino enfrenta problemas de saúde causados pela obesidade e tem procurado se cuidar mais desde que assumiu sua cadeira no Supremo. Assim que Lula bateu o martelo para sua nomeação, tratou de procurar o ex-presidente José Sarney a quem pediu apoio. Sarney, cuja sabedoria é um ativo valioso, deu sinal verde a Dino. De adversário, passou à condição de credor.

Nesta semana, políticos da esquerda e do centro com bom trânsito no Congresso e na Faria Lima, mencionaram Dino como potencial candidato que joga parado de olho na Presidência. Desde que chegou ao STF, o ministro tem se pautado pela discrição e atuação firmes. Numa rara derrapada, se meteu no caso das tarifas dos cemitérios de São Paulo, miudeza incompatível com seu tamanho.

Nascido em 1968, em 30 de abril completará 57 anos. Ninguém no Supremo tem seu currículo ou talento semelhante para o exercício do poder, como reconhecem até seus adversários mais robustos. Ele quer ser candidato, deseja, sonha, mas em silêncio. Seu timing depende de uma definição de Lula. Nesta semana, ouvi de deputados da esquerda que essa história de candidatura é espuma fabricada pelo próprio Dino.

Creio ser improvável que, nesta altura do calendário, ele esteja dedicado a esse tipo de movimento. Dino sabe que o presidente Lula enfrenta uma crise, tem perdido popularidade e soltar balões de ensaio sobre sua possível candidatura pode ser visto, no mínimo, como traição. Diferentemente da intriga, o ministro é leal ao presidente.

A realidade política tem mostrado um Lula com popularidade claudicante, sem o encanto dos mandatos anteriores, como escrevi aqui outras vezes. Por toda sua trajetória, o presidente não merece destino semelhante ao de Joe Biden, defenestrado pela realidade.

Também não estou defendendo a candidatura do ministro Flávio Dino, embora reconheça seus méritos como profissional do direito e homem público. Creio que o mais provável é Lula manter sua candidatura à reeleição, mesmo que para isso tenha de fazer das tripas coração ou escolher Dino seu vice.

A esquerda tem enfrentado um problema crônico de renovação, embora tenhamos alguns oásis como o prefeito João Campos (PSB), a deputada Tabata Amaral (PSB) ou Camila Jara (PT). A renovação na esquerda se tornou urgente, porque seus quadros estão cada vez mais velhos e menos conectados com o eleitorado jovem, diferentemente da direita.

Lula quer e pode tentar um quarto mandato. Terá 81 anos na eleição de 2026. Se agora, prestes a completar 80 anos em outubro, demonstra pouca ou nenhuma paciência para o dia a dia da política, imagine daqui a dois anos. Qualquer um depois dos 80, sabe que cada dia a mais de vida é lucro. São raros líderes como Konrad Adenauer. Chegou ao poder com 73 anos, em 1949, governou até os 87 e morreu aos 91 reverenciado como o grande líder do pós-guerra.

No atual cenário, Dino é o quadro mais qualificado da esquerda, o único a transitar nos 3 Poderes. Por isso, é difícil imaginá-lo como carta fora do baralho da sucessão. Numa conversa há poucos dias, um político experiente opinou que dificilmente o PT abriria mão da cabeça de chapa e que, se candidato fosse, Dino teria de sair pelo PT. Não vejo problema nisso, porque ele já foi filiado ao PT antes de ir para o PC do B. Seria como voltar para suas origens.

Por enquanto, uma eventual candidatura de Dino é tratada como mera especulação. Mas qualquer observador razoavelmente atento enxerga que o ministro joga parado, tem ocupado espaço positivo na mídia, não deixa de ser lembrado e segue fazendo política no Maranhão, sua fonte primária de poder.

Em fevereiro Dino mostrou ao governador Carlos Brandão (PSB), eleito com seu apoio, quem é que manda. Brandão esboçou desafiar o poder de Dino e perdeu três vezes.

Não conseguiu nomear um advogado seu amigo para o Tribunal de Contas e amargou uma decisão de Dias Toffoli, que suspendeu o foro privilegiado para diretores da Assembleia Legislativa, entre eles o irmão do governador, Marcus Brandão. Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Marcus para o cargo de secretário de Assuntos Legislativos do Maranhão.

Ao colocar Brandão no seu devido lugar, Dino mostrou que continua firme e forte jogando o jogo do poder.

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