China dá lição ao mundo na resposta às tarifas de Trump, diz ex-diretor da OMC

Em entrevista recente ao programa WW da CNN Brasil, Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) e atual presidente global de operações da Ambipar, descreveu como a China tem se destacado no cenário internacional ao responder à política tarifária protecionista de Donald Trump. Para Azevêdo, a abordagem chinesa é “cirúrgica”, minimizando os danos ao próprio mercado enquanto maximiza o impacto político e econômico nos Estados Unidos.

Enquanto economias como a União Europeia (UE), México e Canadá têm respondido às tarifas impostas pelos EUA de forma considerada “razoavelmente bem”, segundo Azevêdo, a China se destaca por sua precisão estratégica. “Quem eu realmente acho que está dando uma lição para o mundo é a China”, afirmou.

Segundo Azevêdo, muitos acreditavam que as negociações seriam tradicionais, mas o ex-presidente norte-americano dobrou a aposta, adotando uma postura de “irracionalidade de conveniência” que, embora compreendida por ele mesmo, não se alinha com uma análise racional dos impactos.

Uma abordagem calculada: mirando grandes empresas americanas

De acordo com Azevêdo, o governo chinês tem adotado medidas restritivas direcionadas especificamente a grandes corporações dos EUA. Essas restrições são vistas como um “atestado de óbito” para o desempenho dessas empresas no mercado global, com repercussões diretas sobre a economia norte-americana.

Azevêdo explicou que a China não apenas busca proteger seus interesses comerciais, mas também explorar as vulnerabilidades do sistema político americano, ampliando o impacto das retaliações. “Estão tomando as ações certas para minimizar o impacto na China e maximizar o impacto americano e no seu sistema político”, disse.

Essa postura contrasta com a reação de outros países, que muitas vezes têm adotado medidas mais genéricas ou menos coordenadas. Para o especialista, a diferença está na capacidade da China de antecipar e explorar as consequências políticas e econômicas de suas decisões.

Trump e a narrativa da irracionalidade conveniente

Azevêdo também criticou duramente a narrativa de Trump de que os exportadores pagarão pelas tarifas impostas pelos EUA. Segundo ele, trata-se de uma “irracionalidade de conveniência”, já que Trump compreende perfeitamente que os consumidores americanos serão os verdadeiros responsáveis pelo custo adicional repassado nas prateleiras.

“Ao contrário do que se diz, o exportador não vai ser quem vai arcar com os custos – é o consumidor americano que, no final, vai pagar pelas tarifas”, ressaltou.

“Ele sabe exatamente o que está acontecendo, mas não serve à narrativa dele”, afirmou Azevêdo. Para o ex-diretor da OMC, a insistência de Trump em culpar outros países reflete uma estratégia política deliberada, destinada a consolidar sua base eleitoral e justificar suas decisões protecionistas.

Esse comportamento, segundo Azevêdo, torna ainda mais difícil negociar com o ex-presidente. Ele comparou a dinâmica das negociações com Trump a uma relação pessoal, onde a falta de “química” entre as partes pode comprometer até mesmo as propostas mais racionais.

Brasil na mira: desafios e oportunidades

O Brasil, segundo maior fornecedor de aço e ferro para os EUA, também foi afetado pelas novas tarifas de 25% impostas por Trump. Azevêdo ressaltou que o país não está sozinho em sua surpresa com as medidas, citando tensões semelhantes entre os EUA e parceiros próximos como o Canadá e o México.

No entanto, ele expressou confiança no Itamaraty e nos negociadores brasileiros, embora tenha reconhecido que o ambiente atual é “quase o pior possível para o negociador”. Azevêdo também compartilhou suas experiências pessoais nas negociações com Trump, destacando que a ausência de “química” entre as partes torna as tratativas extremamente difíceis. “Quando a racionalidade desaparece, a negociação se torna quase impossível de se preparar”, disse, ressaltando que muitos subestimaram a capacidade de Trump de transformar cada negociação em uma batalha quase pessoal.

Para ele, a solução passa por entregar uma “vitória” para o interlocutor – sem, no entanto, comprometer os interesses das partes envolvidas. Essa abordagem, que segundo ele foi tentada em sua experiência na OMC, demonstra a dificuldade de se lidar com uma postura que privilegia decisões baseadas em preferências pessoais e narrativas políticas.

“A negociação mais difícil é quando você tem uma química ruim entre dois negociadores. A racionalidade desaparece”, disse, referindo-se às divergências políticas entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Setor privado como ponte entre Brasil e EUA

Embora o governo brasileiro esteja buscando respostas diplomáticas, Azevêdo destacou que grande parte dos avanços nas relações entre Brasil e EUA tem sido impulsionada pelo setor privado. Câmaras de comércio e parcerias empresariais têm desempenhado um papel crucial na aproximação entre os dois países.

O Instituto Aço Brasil, por exemplo, aposta no diálogo para reverter as tarifas, enquanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) critica a medida como prejudicial a uma “parceria histórica”. Para Azevêdo, essas iniciativas demonstram a importância do setor privado em momentos de crise diplomática.

“Muito é feito pelo setor privado. São indústrias, empresas que têm parcerias com outras no Brasil. Essa é a mola propulsora dos movimentos diplomáticos e comerciais que existem hoje”, concluiu.

Ele concluiu: “É difícil lidar com um cenário assim e o Brasil não é o único que está sendo surpreendido. O importante é que o setor privado, que tem uma longa história de iniciativas para ajustar essas relações, continue atuando para minimizar os impactos.” Para Azevêdo, a chave está em entender que o comércio é uma via de mão dupla – e que, ao final, os custos das tarifas acabarão recaindo sobre os consumidores americanos.

Um cenário de incertezas e riscos

Apesar das respostas estratégicas adotadas pela China e outros países, Azevêdo alertou que o cenário atual ainda não representa uma guerra comercial plena. “Meu temor é quando essas discussões forem escalando e acabar numa perda de controle. Aí, efetivamente, estaremos em uma guerra comercial”, disse.

Para ele, os argumentos contra as tarifas são claros: o comércio é uma via de mão dupla, e todos saem perdendo em um conflito prolongado. No entanto, convencer Trump – ou qualquer líder que priorize narrativas políticas sobre racionalidade econômica – continua sendo um desafio monumental.

Ao destacar a China como exemplo de resposta eficaz, Azevêdo deixou claro que o sucesso de Pequim reside em sua capacidade de combinar pragmatismo econômico com astúcia política. Apesar da dureza da política comercial de Trump, a China tem se mostrado exemplar em sua capacidade de adaptação e resposta, oferecendo um modelo de como reagir estrategicamente às medidas protecionistas. Enquanto isso, a comunidade internacional – incluindo Brasil e outros parceiros dos EUA – precisa se reinventar e adotar posturas mais assertivas para manter o equilíbrio no comércio global.

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