Repressão brutal a aposentados em Buenos Aires expõe autoritarismo de Milei

Nesta quarta-feira (12), uma manifestação de aposentados em frente ao Congresso Nacional argentino foi duramente reprimida pelas forças de segurança do governo ultraliberal de Javier Milei. O protesto, que reuniu aposentados, sindicatos e até torcidas organizadas de cerca de 30 times de futebol, era pacífico e tinha como objetivo denunciar os cortes na previdência, a perda de direitos e a deterioração do poder de compra – consequências diretas da agenda neoliberal que tem agravado a miséria entre os idosos.

A polícia usou gás lacrimogêneo, canhões d’água e balas de borracha contra manifestantes – muitos acima dos 70 anos – que reivindicavam aumento das pensões, acesso a medicamentos e a manutenção da moratória previdenciária. O ato, tradicionalmente pacífico, terminou com cenas de caos: idosos caídos no chão, viaturas incendiadas, além de Pablo Grillo, fotógrafo que foi atingido na cabeça por um cartucho de gás lacrimogêneo e permanece em estado crítico na UTI com traumatismo craniano.

De acordo com o jornal argentino La Nación, a repressão violenta resultou na prisão de 124 pessoas e deixou 53 feridos, com caso do fotógrafo sendo considerado grave. Entre os feridos, destaca-se o caso da aposentada Beatriz Bianco, de 87 anos, que sofreu uma queda após ser empurrada por um policial.

Fora a ministra da Segurança, Patricia Bullrich

Enquanto o presidente Javier Milei defende a liberdade como princípio absoluto, as políticas de seu governo têm demonstrado uma postura autoritária ao silenciar manifestações. Horas antes do ato, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, ameaçou torcidas organizadas que participassem do protesto, alertando para possíveis proibições de frequentar estádios de futebol. Essa postura contraditória – de pregar a liberdade enquanto reprime violentamente a expressão popular – expõe o ultraliberalismo que, na prática, tem aprofundado a crise social.

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, justificou a ação ao acusar os manifestantes de planejar um “golpe” e portar armas, alegações não comprovadas. Horas antes, ela havia ameaçado proibir torcidas de estádios e criminalizar o protesto. A Justiça de Buenos Aires, no entanto, libertou 114 dos 124 presos, classificando as detenções como “inconstitucionais”.

A Associação de Repórteres Gráficos da República Argentina (aRGra) expressou em entrevista coletiva sua veemente condenação aos ataques cometidos pelas forças de segurança contra civis, em especial fotógrafos e cinegrafistas, que cobriam a repressão à marcha dos aposentados. O aRGra exigiu a renúncia da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, e convocou uma “campanha” para a tarde desta quinta-feira.

“Precisamos de liberdade de imprensa , como diz a Constituição Nacional, e não sermos mais prejudicados. Não é só Pablo: estamos há um ano e meio conversando com autoridades de segurança, pedindo que não nos prejudiquem mais. Evidentemente, isso não está funcionando”, disse a vice-presidente do sindicato, Alejandra Bartoliche.

Crise previdenciária: 60% dos aposentados vivem com R$ 1.970 em inflação de 117%

Os efeitos das medidas de Milei são devastadores para a população idosa: os preços de medicamentos dobraram, serviços essenciais se tornaram inacessíveis e quase 60% dos pensionistas vivem com o equivalente a R$ 1.970 mensais. Além disso, a moratória previdenciária, que permite a aposentadoria sem os 30 anos de contribuição, expira no final de março e não há previsão de renovação, o que agrava ainda mais a situação dos aposentados.As políticas de Milei mergulharam os aposentados argentinos em um colapso:

  • Pensões congeladas: O valor mínimo é de R$ 1.970, insuficiente para cobrir medicamentos, cujos preços dobraram em um ano.
  • Fim da moratória: A regra que permitia aposentadoria sem 30 anos de contribuição expira em março, deixando milhares sem direito.
  • Inflação galopante: A taxa acumulada desde a posse de Milei supera 100%, corroendo o poder de compra.

Para Martín Lousteau, senador da oposição, “há uma decisão política de abandonar os aposentados”. A crise é agravada pelo desmonte de programas sociais, paralização de obras públicas e perda de 200 mil empregos.

Do discurso libertário ao autoritarismo: a escalada repressiva de Milei

A resposta do governo, que justifica a repressão como medida para evitar que os manifestantes “tomem o Congresso” e utilizem armas, vem acompanhada de narrativas que denunciam a participação de “lumpen” e “gangsters”. No entanto, os registros das ruas e os depoimentos dos participantes contam uma história diferente: a de pessoas trabalhadoras, que lutam pelos seus direitos e enfrentam, de forma pacífica, um governo que, ironicamente, utiliza a violência para silenciar vozes críticas.

A retórica de “liberdade absoluta” de Milei contrasta com a prática:

  • Leis antiprotesto: Desde dezembro, Bullrich criminaliza manifestações, usando um protocolo que restringe reuniões públicas.
  • Alvo preferencial: Movimentos sociais, indígenas e agora aposentados – grupos vulneráveis que desafiam o ajuste fiscal.
  • Narrativa belicosa: O governo acusa manifestantes de “narcopolítica” e “violência lumpem”, enquanto viralizam vídeos de policiais plantando armas no local.

Internamente, até mesmo setores não alinhados à esquerda repudiaram a ação. Nora Biaggio, líder dos aposentados, destacou: “A adesão das torcidas mostra que o desespero transcende ideologias”.

O futuro sob a intimidação de Milei será de mais protestos

O protesto que se repete reunindo homens e mulheres de cabelos brancos, toda quarta-feira, trouxe a novidade das camisetas de times de futebol. Aparentemente, torcedores de futebol viram algo que o resto do país não via: a solidão, o desamparo e a vergonha de pessoas que eram ignoradas toda semana pelo governo. Assim, torcedores e “velhos” marcharam juntos sem medo.

A repressão a idosos marca um novo capítulo na escalada autoritária do governo:

  • Criminalização da pobreza: Bullrich já mirava “setores morenos e pobres”, mas agora incluiu idosos na lista.
  • Efeito Maradona: A frase do ex-jogador – “Temos que ser muito covardes para não defender os aposentados” – virou grito de guerra nas ruas.
  • Risco de radicalização: Com a moratória previdenciária prestes a expirar e inflação em alta, protestos devem crescer.

Com a mobilização envolvendo torcidas organizadas, sindicatos e movimentos sociais, o protesto de ontem deixou claro que, mesmo diante de uma repressão brutal, a população não se renderá ao autoritarismo. Em meio a gritos de indignação – ecoando até mesmo a famosa frase do ex-jogador Diego Maradona, “Tenemos que ser muy cagones para no defender a los jubilados” – a manifestação mostrou que o povo está acordando para o custo humano das políticas ultraliberais.

Nos próximos dias, as repercussões desse episódio poderão intensificar a pressão sobre o governo de Milei, que já enfrenta críticas de setores da sociedade e de parlamentares, que denunciam a crescente violência e o ataque aos direitos dos aposentados. Se a repressão se tornar uma prática rotineira, o clima de instabilidade poderá aumentar, aprofundando a crise social e política na Argentina.

Enquanto o fotógrafo Pablo Grillo luta pela vida no hospital, a mensagem do governo é clara: protestar custará caro. Mas, como disse uma aposentada de 85 anos, Cristina Delgado, veterana de quatro ditaduras: “Isso aqui é pior, porque é na democracia”. A Argentina escolheu a liberdade econômica radical, mas, pelas ruas de Buenos Aires, a pergunta é: liberdade para quem?

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