Agro adere à isolacionismo de Trump em detrimento das parcerias globais de comércio que beneficiam o próprio agro

Desde o início de seu mandato, o presidente americano Donald Trump tem revertido acordos comerciais bilaterais e implementado tarifas à importações. Embora as taxas mirem países aliados, como México e Canadá, a guerra tarifária é motivada pela competição com a China, e ressoa com o discurso do líder americano e com a visão de mundo de seu eleitorado. O partido Republicano, eleito como oposição à ordem estabelecida pelos últimos anos, prega a quebra do paradigma da globalização com o acirramento do isolacionismo global. 

Para justificar a ação contra aliados, os EUA alegam que seus vizinhos não tem combatido laboratórios do opióide fentanyl. Mas, indo além do valor de face do argumento, é possível perceber que, além de querer agradar fazendeiros e industrialistas americanos que competem com produtos baratos chineses, Trump quer combater a prática chinesa de estabelecer fábricas no México para se aproveitar de acordos comerciais do país com os EUA. O Financial Times reportou a construção de montadoras de automóveis chinesas em Coahuila em dezembro de 2024). 

O tiro, porém, saiu pela culatra. Nesta quinta-feira, 6, Donald Trump, suspendeu as tarifas de 25% que tinha imposto na última semana sobre a maioria dos produtos canadenses e mexicanos. O motivo foi a inflação. O ideário de Trump soa firme e assertivo aos americanos: “Nós produzimos mais e melhor, somos a maior nação do mundo”; mas a realidade é mais complexa. 

Desde o fim da Guerra Fria, o planeta se organizou em cadeias de produção que envolvem diversos países (a soja que cresce nas fazendas brasileiras é beneficiada na China e transportada pela taiwanesa Evergreen para alimentar o gado australiano, tudo isso regulado pela Europa). A quebra de acordos econômicos significa aumento de preços em todas as partes do processo. 

Além do aumento de custos proporcionado pelo fim dos acordos, era de se esperar que México e Canadá não aceitariam passivamente piores condições de negócios. O Canadá anunciou uma segunda onda de tarifas retaliatórias sobre U$ 87,4 bilhões de produtos dos EUA até 2 de abril — essa retaliação também foi suspensa no dia 6, quando Trump hesitou. A primeira onda retaliatória continua em vigor, com taxas sobre US$ 20,84 bilhões em importações dos EUA. A China, a maior importadora de soja do mundo, retaliou as tarifas dos EUA aumentando as taxas de importação que cobrem US$ 21 bilhões em produtos agrícolas e alimentícios americanos. 

Brasil no fogo cruzado

O Brasil não passou incólume na guerra tarifária. Na segunda-feira, 3, a Representação Comercial dos EUA (USTR) apresentou a Agenda de Política Comercial de Trump para 2025 ao Congresso americano, bem como o relatório das atividades do país na Organização Mundial do Comércio (OMC). O órgão do Executivo culpou a OMC por não conseguir reduzir as assimetrias no comércio americano. O relatório dos EUA compara sua taxa de tarifa máxima americana de 3,4% com a do Brasil, de 31,4%.

Em diversas ocasiões, Trump criticou o tratamento não recíproco brasileiro em relação aos Estados Unidos. “A tarifa dos EUA sobre o etanol é de meros 2,5%. No entanto, o Brasil cobra das exportações de etanol dos EUA uma tarifa de 18%. Como resultado, em 2024, os EUA importaram mais de US$ 200 milhões em etanol do Brasil, enquanto os EUA exportaram apenas US$ 52 milhões em etanol para o Brasil”, se lê no site da Casa Branca. 

Como resultado, o governo brasileiro está considerando cortar impostos de importação de etanol em uma tentativa de apaziguar o presidente dos EUA, Donald Trump, e como uma forma de ajudar a controlar a inflação, segundo a Reuters. Esta é apenas uma das maneiras que o agro brasileiro será afetado nos próximos anos. 

Politicamente, é irônico que a maior parte do agro brasileiro seja favorável ao governo republicano. A associação passa pelo apoio do setor a Jair Bolsonaro (PL), alinhado à direita como Trump. Há também a valorização da postura supostamente forte e corajosa de defender os interesses de seus produtores nacionais, não importando que isso acarrete inflação de alimentos. 

Há ainda a aproximação entre EUA e Argentina. Na segunda-feira, Trump elogiou o presidente argentino Javier Milei e afirmou que considerará a possibilidade de assinar um acordo de livre comércio com a Argentina. Para o Brasil, o risco é que o acordo entre os dois países torne o Mercosul um acordo morto na prática. 

Milei afirma que o Mercosul enriquece apenas os brasileiros. “O primeiro passo nesta trilha é a oportunidade histórica que temos de entrar em um acordo comercial com os EUA. Para aproveitar esta oportunidade histórica que nos é apresentada novamente, é necessário estar disposto a flexibilizar ou mesmo se for o caso sair do Mercosul, que a única coisa que conseguiu desde a sua criação é enriquecer os grandes industriais brasileiros às custas do empobrecimento dos argentinos.”

Novamente, é curioso observar como o agro adere à ideologia nacionalista em detrimento das parcerias globais de comércio que beneficiam o próprio agro. Mas o grupo, que atribui todas as deficiências da esquerda à doutrinação ideológica, parece incapaz de enxergar a ironia. 

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