Ciência e espiritualidade: pesquisa avalia impacto da mediunidade na saúde mental

Um estudo científico do ex-secretário de saúde de Goiás, Sergio Vencio, investigou a relação entre mediunidade e transtornos dissociativos, comparando a saúde mental de médiuns com a de não médiuns do mesmo contexto religioso. A pesquisa utilizou o Dissociative Disorders Interview Schedule (DDIS), ferramenta que avalia sintomas dissociativos e psicopatológicos.

A conclusão reforça a hipótese de que a mediunidade pode ser uma forma não patológica de fenômenos dissociativos, alinhando-se a estudos anteriores sobre o tema. “Quando analisamos os resultados dos médiuns, observamos um aumento de dopamina, hormônios associados à sensação de bem-estar, à meditação, aos estímulos circulatórios e à religiosidade de uma forma geral”, explica Sergio Vencio ao Jornal Opção.

O estudo analisou 47 médiuns e 22 voluntários não médiuns, comparando seus resultados com dados históricos de pacientes com transtorno dissociativo de identidade (TID). As pontuações obtidas no DDIS foram semelhantes entre médiuns e não médiuns, abrangendo sintomas como transtorno de somatização, depressão, transtorno de personalidade borderline, experiências extrassensoriais e histórico de abuso. No entanto, os resultados diferiram significativamente dos pacientes com TID.

“São dois tipos de avaliações: uma da integridade da saúde mental e uma avaliação hormonal. Fizemos um questionário para saber se a pessoa tem transtorno, que é para os dissociativos, partindo do princípio que muita gente acredita que a mediunidade é mais um transtorno mental do que qualquer outra coisa”, explicou Vencio.

Entenda mais sobre a pesquisa

Os médiuns não apresentam um aumento nos transtornos dissociativos, como o transtorno de personalidade borderline, e são tão saudáveis quanto outros frequentadores de centros espirituais. Isso reforça a ideia de que a mediunidade, em si, não está associada a patologias mentais, ao contrário do que alguns poderiam supor.

Além disso, os dados hormonais apontam que, após a experiência mediúnica, há um aumento de certos hormônios, possivelmente relacionados ao bem-estar e à regulação emocional. O fato de o grupo controle, que apenas imaginou experiências paranormais, apresentar diferenças hormonais sugere que há algo específico no transe mediúnico que gera essas alterações.

Os resultados do estudo de Sergio Vencio, sob orientação de Leonardo Caixeta, dialogam com estudos que mostram que estados meditativos profundos e experiências espirituais podem influenciar positivamente o sistema neuroendócrino, regulando hormônios do estresse e promovendo sensação de relaxamento e equilíbrio. Isso pode ter implicações importantes para o entendimento da mediunidade e sua relação com a saúde mental.

Um estudo inédito publicado pelo Brazilian Journal of Psychiatry chamou a atenção ao apontar a possível relação entre mediunidade e genética. A pesquisa examinou o DNA de médiuns com vasta experiência para entender se existem características genéticas que poderiam influenciar a forma como essas pessoas percebem a realidade, conectando-se com o mundo espiritual. Os médiuns ouvidos pelo Jornal Opção relataram que cada ser humano possui uma mediunidade à sua maneira.

“O que o Alexander Moreira fez foi pegar essas pessoas e seus parentes de primeiro grau e fazer um estudo de axioma, onde ele viu todo o material genético e percebeu, então, que há alterações. O que significam essas alterações? Agora, nós vamos estudar isso para ver”, comentou Vencio sobre o estudo publicado na Revista Brasileira de Psquiatria.

O médico endocrinologista explica que não é simplesmente uma questão de comparar um remédio com outro para ver qual é melhor. Chegamos a uma conclusão sobre qual medicamento é mais eficaz com base em estudos e evidências. Da mesma forma, ao analisar geneticamente casos de diabetes tipo 1, podemos identificar quais alterações genéticas estão causando a doença.

“É um estudo interessantíssimo, mas é um estudo gerador de hipótese. Ele não conclui nada, mas ele mostra que existem alterações genéticas nos médiuns, mostrando que há alguma relação entre a forma como a gente expressa nossas proteínas e o aparecimento da mediunidade. Como que isso atua no nosso corpo? As alterações que essas modificações da síntese proteica vão trazer a gente ainda não sabe. Precisa ser estudado”, destacou Sergio Vencio.

O que Alexander mostrou, pela primeira vez, é que existe uma base genética para explicar alterações existem desde sempre, porque a mediunidade não é exclusiva do espiritismo. “Na verdade, se você for olhar na Bíblia, no velho testamento, existem visões, audições, aparições e fenômenos de cura”, completa o médico e pesquisador.

O que o espiritismo faz é aprofundar nesse assunto e encarar isso de uma forma mais séria, sem misticismo.

“Eles observam essas alterações, e agora precisamos entender quais consequências isso traz. Essas mudanças podem ser replicadas? Se analisarmos um outro grupo de médiuns e seus resultados, ou diferentes tipos de mediunidade, audiência, psicografia e cura, encontraremos todas essas alterações? Ou elas são específicas para cada tipo de mediunidade? Ninguém sabe ainda. Isso é o que será estudado”, questiona Sergio Vencio.

Mediunidade é herdada?

O Jornal Opção questionou se a mediunidade tem um componente genético ou é um fenômeno puramente cultural e psicológico. “É uma pergunta que ainda não foi respondida”, respondeu Sergio Vencio.

Os relatos históricos e etnográficos mostram que, em diversas culturas, como nas tradições xamânicas da Amazônia, da Sibéria e de tribos aborígenes da Austrália, o papel do xamã ou curandeiro frequentemente é passado de geração em geração, o que sugere um possível fator hereditário. Entretanto, pode ser que isso esteja mais relacionado à transmissão cultural – ou seja, ao aprendizado e à socialização – do que a uma predisposição biológica.

“Mas quando a gente vem para a vida moderna, a gente acaba se perdendo um pouquinho em relação a isso. Hoje em dia, muitas vezes, os filhos nem seguem a religião dos pais, então é difícil fazer esse acompanhamento”, pontua Sergio Vencio.

Na ciência moderna, poucos estudos analisaram a genética da mediunidade, mas há pesquisas que mostram que algumas características associadas a estados alterados de consciência, como a sensibilidade emocional, a tendência à absorção psicológica (capacidade de se envolver profundamente em experiências) e mesmo certas habilidades cognitivas podem ter alguma base genética.

Outro caminho de investigação seria estudar se há alguma relação entre a mediunidade e a herança de padrões cerebrais ou neuroquímicos, como níveis de dopamina e serotonina, que já foram associados a experiências religiosas e espirituais.

Ciência tornou religião obsoleta?

A relação entre espiritualidade e saúde tem sido tema de diversos estudos, mas a ciência ainda enfrenta desafios para quantificar seus efeitos. O médico Sérgio Vencio, especialista na área, defende que há evidências de que a espiritualidade pode influenciar positivamente a saúde, especialmente em relação às doenças cardiovasculares.

“Você não consegue convencer ninguém, porque a religiosidade, a princípio, é um ato de fé, acreditar naquilo que você não vê. Se você pega uma pessoa mais ligada à ciência, não vai convencê-la sem dados”, explica Vencio.

Segundo ele, a ciência precisa investigar e compreender os mecanismos envolvidos. “Tem que partir da academia essa busca por entender o processo. Por que quem tem mais espiritualidade adoence menos? Quando falamos da principal causa de mortalidade, que é a cardiovascular, existem estudos robustos mostrando que pessoas com espiritualidade apresentam menos mortes por doenças do coração. Temos que olhar para isso.”

Um dos desafios, segundo o médico, é a falta de marcadores objetivos que permitam medir a espiritualidade e sua influência na saúde. “Como é que vou medir espiritualidade? Como medir seu efeito? Não temos essa ferramenta. Mas estudos, como o do Alexander, começam a trazer luz para essa questão. Será que essa expressão genética produz alguma proteína diferente? Se eu isolar essa proteína, consigo medir em todo mundo”, indaga Vencio.

Ele acredita que, no futuro, poderão existir marcadores específicos para espiritualidade, felicidade e até pessimismo. “Se conseguirmos medir, poderemos correlacionar com diversas condições de saúde.”

O estudo de Vencio sobre o tema rendeu-lhe reconhecimento internacional. “Sou um dos fundadores da Associação Médica Espírita de Goiás. Esse trabalho ganhou o primeiro prêmio MyLN9, nome da médica que era presidente da Associação Médica Espírita Internacional. No congresso de Medicina Espiritualizada no Rio de Janeiro, meu estudo ficou em primeiro lugar.”

O médico, que também mantém um blog chamado Medicina Espiritualidade, conta que pesquisa sobre o tema há muitos anos e tem publicado artigos de diversos especialistas no Brasil. “Quando surgiu a oportunidade de trabalhar com o Leonardo, vi uma chance de aprofundar ainda mais essa linha de pesquisa. Já queria fazer isso há tempos, e foi muito bom que tenha sido nessa área que tanto me interessa.”

Quem é Sergio Vencio

Sérgio Vencio é pesquisador de renome nacional, referência na área de diabetes. Ele formou-se em medicina pela Universidade Federal de Goiás (UFG), onde fez especialização em endocrinologia. Ele também concluiu o curso de especialização em Gestão em Saúde pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, e o mestrado e doutorado em Ciências da Saúde, pela UFG. No início de 2024, Sérgio Vencio assumiu a assessoria científica da presidência da Sociedade Brasileira de Diabetes.

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