Petróleo desperta o lado Trump de Lula

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Quando o presidente Lula, ainda na campanha eleitoral de 2022, começou a entoar um discurso pró-meio ambiente, defendendo prioridade para a emergência climática, em clara oposição ao seu concorrente Jair Bolsonaro, muito ambientalista calejado adotou uma empolgação com reservas. 

O discurso, preciso e coerente com o tamanho do problema, era há muito desejado de um presidente do país que mais tem condições de liderar, em todo o mundo, os esforços para o combate ao aquecimento global. Mas não havia ilusão: uma hora o lado desenvolvimentista de Lula ia aflorar, era questão de tempo.

As falas desta semana em defesa da exploração de petróleo na foz do Amazonas e de ataque ao Ibama não deixaram margem para interpretação. Quando o assunto é petróleo, Lula se parece muito mais com Donald Trump do que com Marina Silva. Veja se estou errada.

Lula, ontem, em entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá: “O que não dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo. A Petrobras é a empresa mais responsável. Ela tem a maior experiência de exploração de petróleo em águas profundas. Nós vamos cumprir todos os ritos necessários para que a gente não cause nenhum estrago na natureza, mas a gente não pode saber que tem uma riqueza embaixo de nós e a gente não vai explorar, até porque dessa riqueza é que a gente vai ter dinheiro para construir a famosa e sonhada transição energética”.

Trump, em seu discurso de posse, em 20 de janeiro, ao reafirmar seu mote “drill, baby, drill”: “A América será novamente uma nação manufatureira, e temos algo que nenhuma outra nação manufatureira jamais terá: a maior quantidade de petróleo e gás de qualquer país na Terra. Vamos reduzir os preços, encher nossas reservas estratégicas novamente até o topo e exportar energia americana para o mundo inteiro. Seremos novamente uma nação rica. E é esse ouro líquido sob nossos pés que nos ajudará a alcançar isso”.

Lula atenuou um pouco ao dizer que “não vai mandar explorar”, mas quer que seja explorado. Que primeiro é preciso pesquisar para ver se tem mesmo petróleo na região e só depois discutir se haverá exploração. Mas chamar o rito legal do Ibama de lenga-lenga pegou mal demais para quem vive dizendo que quer mostrar ao mundo que é um exemplo de preservação ambiental.

Lembrou bem mais o seu antecessor, que colocou na presidência do Ibama um aliado que simplesmente atropelava as recomendações da área técnica. “No governo passado, se a equipe negava, a direção dava a licença e pronto”, comentou comigo um analista ambiental.

“É inadmissível qualquer tipo de pressão política que busque interferir no trabalho técnico do órgão, especialmente quando se trata de uma decisão que pode resultar em impactos ambientais irreversíveis”, afirmou, por meio de nota, a Ascema Nacional, entidade que representa os servidores ambientais do país.

A organização afirmou, ainda: “É contraditório que um país que sediará a COP-30, um evento de relevância global para o enfrentamento das mudanças climáticas, adote posturas que fragilizam a governança ambiental e colocam em risco compromissos assumidos internacionalmente. O Brasil tem a oportunidade de se consolidar como potência ambiental e no desenvolvimento sustentável, e isso só será possível com o fortalecimento das instituições ambientais e o respeito aos seus processos técnicos”.

O curioso é que na mesma entrevista Lula voltou a cobrar financiamento estrangeiro para ajudar na preservação da Amazônia e para o combate às mudanças climáticas e ainda mencionou Trump: “Pelo comportamento do presidente americano, eu acho que vai ficar cada vez mais difícil os países ricos se comprometer a ajudar a salvação do planeta”.

Pois é. Se eu fosse o jornalista fazendo a entrevista, mandaria esta pra Lula: “Se os ricos não vão se comprometer e os países em desenvolvimento, como o Brasil, querem continuar explorando petróleo, quem é que vai salvar o planeta?”.

Mas o jornalista do Amapá, tal qual o presidente, está sonhando que seu estado vai enriquecer com o tal ouro líquido.

Só que o pensamento de Lula, infelizmente, não faz sentido. Mesmo que houvesse um plano já super bem estruturado para usar os recursos do petróleo para fazer a transição energética – o que não existe –, queimar mais combustível fóssil vai só piorar o problema que a transição precisa resolver. Vai ficar mais caro, mais difícil, e talvez menos solucionável.

O caro leitor mais alinhado com o pensamento do presidente pode argumentar que o resto do mundo está fazendo coisa pior, que nenhum país está de fato abrindo mão dos combustíveis fósseis. Que o dano causado pela sanha antiambiental de Trump vai ser infinitamente maior.

Tudo bem. Aceito a ponderação. As ações de Trump de fato podem comprometer todo o esforço global de combate às mudanças climáticas. Mas isso exime o Brasil de fazer sua parte? É igual o argumento que a direita usa para falar das florestas: “Ah, o resto do mundo desmatou e agora vem cobrar da gente”. Então, por essa lógica, temos também de acabar com as nossas? Também temos de colocar mais lenha na fogueira?

Lula pede dinheiro de outros países para preservar a Amazônia, mas podemos perder a floresta se as mudanças climáticas não forem contidas já. Os cientistas já não sabem como passar essa mensagem de modo mais claro: só conter o desmatamento não vai ser mais o suficiente para proteger a floresta se o planeta continuar aquecendo. As secas extremas nos últimos dois anos deram um bom indicativo do que podemos esperar.

Na semana passada, quando o assunto voltou à pauta, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, me disse em entrevista no dia 6 que o presidente nunca a pressionou. Ontem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse a mesma coisa em entrevista ao Globo.

Marina foi além e, de modo bastante sutil, tentou chamar Lula à responsabilidade ao sugerir que falas do presidente foram importantes para que o mundo adotasse um compromisso de começar a dar um fim aos combustíveis fósseis. 

“O debate sobre o uso ou não de combustível fóssil não é de um país isolado, mas algo que está colocado em contexto global para todos os países. Isso foi estabelecido na COP28: fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil. O presidente Lula foi fundamental para aquela formulação. Se ele não tivesse dito em seu discurso que o mundo precisa sair da dependência do uso de combustível fóssil, possivelmente aquela formulação pudesse ter sido bloqueada nas negociações”. 

Na ocasião, em seu discurso a outros chefes de Estado, Lula afirmou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa”.

Marina ainda apelou para um tema caro ao presidente, o combate à pobreza: “O que o presidente tem dito é que ele quer as duas coisas: o desenvolvimento do país e a preservação do meio ambiente. O desenvolvimento do país, o combate à pobreza, o enfrentamento da mudança climática. Aliás, sem o enfrentamento da mudança climática, o problema da pobreza só se agravará no Brasil e no mundo”.

Difícil imaginar que a mensagem tenha chegado ao destinatário.

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